Acórdão nº 29/18.2YRPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução18 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

O Exmo. Procurador-Geral Distrital Adjunto no Tribunal da Relação do Porto promoveu em 15 de Fevereiro de 2018, ao abrigo do disposto do artigo 16.º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, no âmbito do pedido de execução de Mandado de Detenção Europeu emitido pelas Autoridades Judiciárias de França, a apresentação do cidadão português AA, [...], com residência conhecida em França em [...], requerendo a sua audição para os efeitos do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto.

O Mandado de Detenção Europeu foi emitido em 25 de Janeiro de 2018 pela Juíza de Instrução junto do Tribunal de Grande Instance de Privas, instrução com o n.º JICABJI 217000028, para efeitos de procedimento criminal, pelo crime de Soustraction de mineur par ascendant hors du territoire de la République française (subtração de menor por um progenitor fora do território da República Francesa), previsto e punido pelos artigos 227.º - 7 e 227.º - 9 do Código Penal Francês.

A pessoa procurada foi detida às 9:00 horas do dia 15 de Fevereiro de 2018 pela PSP de Matosinhos, conforme fls. 4.

***** O requerido foi ouvido no dia 16 de Fevereiro de 2018, no Tribunal da Relação do Porto, nos termos do artigo 18.º, n.º 3, da Lei n.º 65/2003, tendo então declarado não consentir na sua entrega às Autoridades Francesas e não renunciar ao princípio da especialidade, tendo solicitado prazo para deduzir oposição – fls. 44/7.

O Ministério Público promoveu a validação da detenção e que o procurado ficasse sujeito, para além obviamente do TIR, a medida prevista no artigo 198.º do CPP, a obrigação de apresentação periódica a efectivar duas vezes por semana no posto Policial da cidade de Matosinhos.

Finda a audição do procurado, foi julgada válida a detenção efectuada e determinada a sua restituição à liberdade, mediante a sujeição à medida de coacção de obrigação de apresentação bissemanal, às 2.ª feiras e 6.ª feiras, da parte da manhã, na Esquadra da PSP de Matosinhos, tudo conforme auto de audiência de fls. 44 a 47.

Ouvido o Ministério Público, que nada opôs, foi concedido o prazo de 10 dias para o requerido apresentar oposição, nos termos do artigo 21.º, n.º 4, da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto. ***** O requerido apresentou a oposição à execução do MDE, conforme fls. 84 a 95, que remata, formulando as seguintes conclusões: 1. A pena a aplicar em França vai até 3 anos pelo que o requerente não pode ser extraditado.

2. A infracção não é punível em Portugal, não podendo o requerente ser extraditado.

3. A infracção teria sido cometida em território português, não podendo o requerente ser extraditado.

4. O Estado Francês não forneceu nenhuma garantia.

5. Ou seja, na pior das hipóteses, o tribunal nacional sujeitaria o extraditando a procedimento criminal em Portugal.

6. Como se disse, o requerente é português e nada tem a ver com França, onde não tem bens nem família.

7. É em Portugal que trabalha e tem uma empresa, conforme doc junto no Tribunal de Família de Matosinhos.

8. É em Portugal que o requerente está integrado, aqui mora, trabalha e tem família. É França é desterrado. E a pena do desterro está proibida.

9. Há violação da ordem pública portuguesa.

10. O requerente não pode ser extraditado, e se o fosse tinha de ser de forma diferida ou condicionalmente.

11. A extradição violaria a Constituição portuguesa, nomeadamente o artigo 2° e o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18, n° 2.

12. Como violaria o artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que garante o direito a um processo equitativo e o artigo 8° que garante o direito à vida privada e familiar.

13. O artigo 2°, n° 2, da Lei n° 65/2003 é inconstitucional por violação da CRP, artigo 2° e artigo 18°, n° 2, princípio da proporcionalidade, quando interpretado no sentido de permitir a extradição para outro país, quando a pena aí aplicável tiver a duração máxima não inferior a três anos. Devendo ser interpretado no sentido de proibir a extradição quando a duração máxima da pena for não inferior a três anos.

***** O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto respondeu à oposição, conforme fls. 161-164, pronunciando-se no sentido de o MDE reunir todas as condições para ser concedida a entrega.

Alegou verificar-se o requisito da dupla incriminação, pois que a conduta assacada ao requerido se encontra prevista no artigo 249.º do Código Penal Português.

Além disso, a pena aplicável, segundo a legislação do estado emissor, tem a duração máxima de três anos e, uma vez que o MDE foi emitido para procedimento criminal, somente é exigível que pena aplicável tenha a duração máxima não inferior a 12 meses, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003, de 23-08.

Invocou também não existir obstáculo, do ponto de vista constitucional, a que, no âmbito de um MDE, verificados os pressupostos legais, como sucede no caso, seja determinada a entrega ao Estado membro de emissão, de cidadão nacional que se encontre em território nacional.

Alegou não se verificar manifestamente qualquer causa de recusa obrigatória ou facultativa de execução do MDE, previstas nos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 65/2003, de 23-08.

Mais invocou que ao Estado Francês pode ser pedida, se assim for entendido, a garantia prevista no artigo 13.º, n.º 1, alínea b), da citada Lei.

Pronunciando-se no sentido de ser indeferida a produção de prova testemunhal indicada no requerimento de oposição, termina requerendo que seja ordenada a execução do MDE, com a consequente entrega do requerido à República Francesa.

Foi solicitado relatório social relativo ao enquadramento social, familiar e profissional do requerido, que não veio a ser realizado. (cfr. fls. 165, 168, 173, 175 176).

***** Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de Março de 2018, constante de fls. 180 a 201, ora decisão recorrida, foi deliberado: “- Julgar improcedente a oposição à execução do Mandado de Detenção Europeu; - Deferir a execução do Mandado de Detenção Europeu e, em consequência, determinar a entrega do cidadão português AA às Autoridades Judiciárias da República de França, para efeitos de procedimento criminal pelos factos mencionados no mandado, consignando-se que o requerido não renunciou ao benefício da regra da especialidade.

A entrega fica sujeita, na sua execução, à condição de a autoridade judiciária do Estado-membro de emissão prestar garantia de que o requerido será devolvido a Portugal para cumprimento da pena ou medida de segurança privativa da liberdade em que venha a ser condenado em França.

Sem Custas.

Comunique, desde já e independentemente do trânsito desta decisão, à autoridade judiciária de emissão do mandado, solicitando a prestação, no prazo de 5 dias, da garantia exigida (cf. artigo 5.º, n.º 3, da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI), com menção de que a entrega não será executada antes de prestada a garantia.

Notifique.

Comunique ao SEF e ao Gabinete SIRENE.

Após trânsito, proceda-se às diligências necessárias à entrega do requerido às Autoridades Judiciárias da República de França, no prazo de dez dias (cf. artigo 29.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003 de 23-08)”.

***** Não se conformando com o decidido, o requerido interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 216 a 227, que remata com as seguintes conclusões: 1. Conforme consta da folha 4 do douto acórdão, “foi solicitado relatório social relativo ao enquadramento social, familiar e profissional do requerido, que não veio a ser realizado”. (sic) 2. O douto acórdão não explica por que não foi feito. E o recorrente sempre esteve à disposição das autoridades.

  1. Relatório que teria interesse ou até seria fundamental para os fins a que se destinava.

  2. Assim, não tendo sido realizada essa diligência, não podia ter sido proferido acórdão, pelo que o mesmo é nulo, devendo realizar-se as diligências com vista ao relatório, e só depois poderá ser proferido acórdão.

  3. A pena a aplicar em França vai até 3 anos pelo que o requerente não pode ser extraditado.

  4. Como se disse, o requerente é português e nada tem a ver com França, onde não tem bens nem família.

  5. É em Portugal que trabalha e tem uma empresa, conforme doc. junto no Tribunal de Família de Matosinhos.

  6. É em Portugal que o requerente está integrado, aqui mora, trabalha e tem família. É França é desterrado. E a pena do desterro está proibida.

  7. Há violação da ordem pública portuguesa.

  8. O requerente não pode ser extraditado, e se o fosse tinha de ser de forma diferida ou condicionalmente.

  9. Conforme consta do douto acórdão, página 17, a infracção foi em parte também cometida no território português, artigo 12, n.º 1, alínea h, ponto i).

  10. Isto é uma causa de recusa facultativa de execução. A sua melhor ponderação resultaria do inquérito social que nunca foi feito, como no início se explicou.

  11. O requerente pode defender-se em França através de um advogado, não sendo necessária a sua presença pessoal.

  12. Assim, nada se justifica que tenha de ser devolvido a França para se defender, sendo ele que sabe como se defender e não as autoridades portuguesas.

  13. O oponente, ora recorrente, não tem confiança na justiça francesa, que ultimamente tem sido apodada de corrupta.

  14. Os juízes envolvidos no seu caso foram objecto de recusa/suspeição. Como se demonstra pelo documento superveniente acima transcrito.

  15. Este facto só agora veio a público.

  16. Como o extraditando tem nacionalidade portuguesa também não pode ser extraditado ao abrigo da lei 144/99.

  17. A extradição violaria a Constituição portuguesa, nomeadamente o artigo 2º e o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18, nº 2.

  18. Como violaria o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que garante o direito a um processo equitativo e o artigo 8º que garante o direito à vida privada e familiar.

  19. O artigo 2º, nº 2, da Lei nº 65/2003 é inconstitucional por violação da CRP, artigo 2º e artigo 18º, nº 2, princípio da proporcionalidade, quando...

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