Acórdão nº 116/13.3TBSRP.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DE FÁTIMA GOMES
Data da Resolução13 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

AA intentou acção declarativa com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB S.A.

, anteriormente denominada Companhia de S........ S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 171 290,41, acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

A justificar o pedido, alegou, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de seguro de colheitas e que, em consequência de sinistro coberto pelo seguro, sofreu danos na sua cultura, dos quais pretende ser indemnizada, como tudo melhor consta da petição inicial.

A ré contestou, defendendo-se por impugnação, negando, além do mais, a celebração do contrato de seguro invocado pela autora e, subsidiariamente, por excepção, invocando a titularidade de um crédito contra a autora e declarando pretender fazer operar a respectiva compensação com o crédito invocado pela autora, caso este resulte demonstrado.

Notificada da contestação, a autora apresentou réplica.

Foi realizada audiência prévia, na qual se proferiu despacho saneador, após o que se identificou o objecto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.

  1. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.

    Inconformada, a autora interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respectiva revogação e substituição por outra que condene a ré a pagar-lhe a quantia de € 137 047,25, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

    O Tribunal da Relação, em conhecimento da apelação, proferiu acórdão em que julgou parcialmente procedente a apelação e, em consequência, determinou a alteração dos pontos 5 e 6 da matéria de facto provada, nos termos indicados em 2.2.1., confirmando, no mais, a sentença recorrida.

  2. Inconformado com o acórdão dele apresentou revista AA – ACE.

    A revista não foi admitida.

    AA – ... apresentou junto do STJ reclamação ao abrigo do art.º 643.º do CPC contra a decisão do Exmo. Senhor Juiz Desembargador junto do Tribunal da Relação de Évora, que por despacho de fls.., não admitiu o recurso de revista oportunamente interposto pela reclamante, por ter entendido que a tal obstava a dupla-conforme (art.º 671.º, n.º 3 CPC).

    Recebida a reclamação, procedeu-se à análise dos argumentos invocados pelo reclamante, com ponderação da defesa do reclamado – que sustentou a improcedência da reclamação –, tendo-se concluído que, ainda que a decisão do TR tenha sido no sentido de confirmar, sem voto de vencido, a sentença, os motivos invocados não são os mesmos, pelo que não havia dupla conforme, impeditiva da revista, que assim se mandou subir, para apreciação por este STJ.

  3. Nas conclusões da alegação diz o recorrente o seguinte (transcrição, expurgada das referências à admissão da revista – pontos I a VII –, questão já decidida): “VIII - O presente recurso tem como objecto matéria de direito, por violação de lei substantiva - e o erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa, considerando a existência de uma disposição expressa de lei que fixa a força de determinado meio de prova.

    IX - Nos presentes autos discute-se, para além do mais, se foi ou não celebrado um contrato de seguro de colheitas entre a Recorrente e a Recorrida.

    X - No contrato de seguro de colheitas, o seguro garante uma indemnização calculada sobre o montante dos prejuízos sofridos (danos verificados em culturas) resultantes da verificação de qualquer dos riscos cobertos.

    XI - Para além das normas gerais, o contrato de seguro de colheitas rege-se pelo Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.°72/2008, de 16 de Abril, bem como pela Norma Regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal n. 2/2012-R, publicada no Diário da República, 2.

    a Série, n.°46, de 5 de Março de 2012, que entrou em vigor em 6 de Março de 2012 e aprovou as condições gerais e especiais uniformes do seguro de colheitas — a Apólice Uniforme do Seguro de Colheitas para Portugal Continental, publicada em anexo.

    XII - O douto Acórdão recorrido considerou não ser aplicável o disposto na alínea a), do n.°2 da cláusula 17.a da Apólice Uniforme do Seguro de Colheitas porquanto a Recorrente não entregou juntamente com a proposta de seguro a declaração do SIPAC a atestar o cumprimento do regulamento SIPAC, a declaração ou certidão da Segurança Social comprovativa da regularidade da situação contributiva e a declaração ou certidão da Administração fiscal, comprovativa da regularidade da situação fiscal, alegadamente solicitados pelo mediador da Ré.

    XIII - Tal não corresponde à verdade e não é isso que diz a Lei uma vez que a documentação em causa apenas é necessária para o acesso às bonificações do Sistema Integrado de Protecção contra as Aleatoriedades Climáticas (SIPAC) e não para a aceitação da proposta de seguro pela seguradora.

    XIV - Na Apólice Uniforme dos Seguros de Colheitas não consta qualquer referência à existência de condição para a aceitação da proposta de seguros de colheitas.

    XV- Os contratos de seguro de colheitas têm que ser celebrados nos termos da Apólice Uniforme, pelo que não se coloca a hipótese de tal condição ser imposta contratualmente, o que não sucedeu.

    XVI - Consta da referida proposta que para poder beneficiar das bonificações a que eventualmente tenha direito e atribuídas pelo Estado no âmbito do SIPAC, o tomador de seguro tem que preencher e anexar os impressos do IFAP que ali são indicados.

    XVII - Assim, o tomador de seguro apenas estava obrigado a entregar a documentação em causa para poder beneficiar das referidas bonificações; isto porque uma coisa é a existência de contrato de seguro de colheitas e outra coisa é a existência de bonificações nos prémios dos referidos contratos! XVIII - Por outro lado, os documentos solicitados pelo mediador da Ré não podem ser quaisquer documentos, mas apenas os que sejam necessários à celebração do contrato de seguro; pelo que, embora a Lei se refira aos documentos indicados como necessários pelo segurador, tal deve ser interpretado no sentido de que estes documentos serão os necessários à celebração do contrato de seguro e não outros.

    XIX - Ou seja, a única consequência que se pode retirar da não entrega da documentação em causa é que a Autora não teria direito à bonificação, tendo de pagar o prémio na sua totalidade, sem comparticipação do Estado no âmbito do SIPAC.

    XX - Em face do exposto, a argumentação utilizada pelo Tribunal Recorrido para considerar que não foi celebrado um contrato de seguro, por inexistência de condição imposta para a aceitação de tal contrato, não tem fundamento e é contrária à Lei; pelo que outra conclusão não pode retirar-se senão que a Autora e a Ré celebraram, no dia 26 de Março de 2012, em Serpa, contrato de seguro de colheitas, temporário e com início em 26/03/2012.

    XXI - Mesmo que se considerasse não ter sido demonstrado que tal proposta foi acompanhada dos documentos necessários, hipótese que não admitimos senão para efeitos de raciocínio, sem conceder, sempre tal contrato se tem por celebrado na medida em que a tomadora do seguro e o mediador de seguros actuaram em concordância e absoluta consonância no momento da contratação, conforme resulta límpido da prova testemunhal (alínea b), do n.°2 da referida cláusula 17.

    a).

    XXII - Isto porque foram as próprias testemunhas da Ré quem transmitiu que os documentos necessários às bonificações no âmbito do SIPAC nunca eram remetidos juntamente com a proposta de seguro, mas tão-só uns dias depois, após a aceitação do risco e a solicitação dos mesmos pelos serviços centrais.

    XXIII - Perante isso, não pode a Ré vir invocar que a proposta se seguro não foi entregue com os documentos necessários, sob pena de manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, que se invoca com todos os efeitos legais.

    XXIV - Não existe qualquer registo escrito ou outro, de que fique registo duradouro, da alegada transmissão à Recorrente da necessidade de juntar os referidos documentos, ao contrário do que prescreve o n.°3 da cláusula 33.a da Apólice Uniforme.

    XXV- A decisão recorrida violou as regras do ónus da prova, designadamente os artigos 342.°, n.°2 e 344.°, n.°2 do Código Civil, dando como provada matéria de facto cuja prova competia à Ré — não junção dos documentos necessários à aceitação da proposta de seguro -, e não foi feita, por qualquer modo! XXVI - Nos termos do contrato celebrado, a Ré assumiu a cobertura do risco das culturas da Autora que constituíram o objecto do mesmo (cfr. doc. n.° 1 junto à petição inicial), comprometendo-se a pagar à Autora o capital seguro em caso de ocorrência de sinistro, abrangendo os riscos de incêndio, queda de raio, explosão e granizo, tornado, tromba de água, geada e queda de neve.

    XXVII - No dia 07/04/2012 ocorreu um sinistro, tal como definido no contrato de seguro (verificação do evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato — cfr. alínea o) da cláusula 1.a da Apólice Uniforme), uma vez que abateu-se sobre as explorações da Autora uma geada que afectou as culturas de damascos — cfr. pontos 7 e 14 da matéria de facto dada como provada.

    XXVIII - Como consequência do sinistro, foram alegados (cfr. artigos 8° a 13° da petição inicial) e demonstrados nos autos, através de relatórios de avaliação elaborados pelo Ministério da Agricultura, do Mar e do Ambiente e do Território, Delegação Regional de Beja, Pólo de Moura, datados de 28 de Maio de 2012, os prejuízos resultantes.

    XXIX - O douto Acórdão recorrido considerou como não provados os factos supra referidos; no entanto, é a Apólice Uniforme dos Seguros de Colheitas que estabelece que "as dúvidas acerca da verificação ou características dos acidentes meteorológicos são resolvidas pelos serviços do Instituto de Meteorologia, LP., ou pelos Ministérios responsáveis pelas áreas da Agricultura e do Ambiente, se estes dispuserem de informação mais detalhada sobre a ocorrência".

    XXX -...

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