Acórdão nº 472/15.9T8VRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Junho de 2018
Magistrado Responsável | ROSA TCHING |
Data da Resolução | 14 de Junho de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA *** I – Relatório 1. Banco AA, S.A. instaurou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra BB, S.A., pedindo que a ré seja condenada a entregar definitivamente à autora os dois imóveis descritos no artigo 1º da petição inicial.
Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou com a ré um contrato de locação financeira que teve por objeto aqueles dois imóveis e que, não obstante ter procedido à entrega deles à ré, esta apenas liquidou as primeiras 51 rendas do contrato. Em consequência deste incumprimento por parte da ré e de acordo com as condições gerais do contrato, a autora comunicou à mesma a resolução do contrato e interpelou-a para restituir os referidos imóveis, o que a ré não fez, continuando a usá-los, sem qualquer contrapartida para a autora.
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A ré contestou, excecionando o pagamento das rendas alegadamente em dívida, invocando a inexistência de fundamento para a resolução do contrato e impugnando parte dos factos alegados na petição inicial.
E sustentando que a autora tem tido, ao longo dos anos, uma conduta contrária aos princípios de direito, atuando de má fé e em abuso de direito e causando-lhe, desse modo, danos patrimoniais e não patrimoniais, deduziu pedido reconvencional com o qual pretende que a autora reconvinda seja condenada a pagar-lhe a quantia de, pelo menos, 250.000,00 euros, acrescida de juros, bem como todas as despesas que se vierem a apurar até ao fim do processo.
Mais peticionou a condenação da autora por litigância de má fé.
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Na sua resposta, a autora excecionou a litispendência e o caso julgado e impugnou a factualidade alegada na reconvenção, concluindo pela improcedência da mesma.
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Notificada para o efeito, veio a ré reconvinte concretizar os factos que servem de fundamento à reconvenção.
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Procedeu-se à audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho, que julgou improcedentes as exceções de litispendência e caso julgado, e foram fixados o objecto do litígio e os temas de prova.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que: 1º - Julgou a presente ação procedente e, consequentemente, condenou a ré a entregar definitivamente ao Autor os imóveis objeto do contrato de locação financeira celebrado entre eles.
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- Julgou totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção e absolveu o autor reconvindo do pedido.
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Inconformada, recorreu a ré para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido em 23.11.2017, julgou procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, em sua substituição, decidiu: - julgar a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido.
julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando a reconvinda a pagar à reconvinte os montantes por esta despendidos com a presente ação e procedimento cautelar apenso, incluindo os honorários do seu mandatário forense.
- Absolver a reconvinda do mais peticionado.
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Inconformada com este acórdão, a ré dele interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1. O Acórdão recorrido eliminou o facto provado n° 31 porquanto, por suposta confissão do Recorrente, tal renda estaria paga, pelo que existiria uma contradição entre este facto e o facto n° 7 dado como provado, sendo que este último resulta literalmente do que foi alegado no artigo 7o da PI.
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No artigo 7o da PI o Banco afirma "a Ré apenas liquidou as primeiras 51 rendas do contrato", mas na carta que remeteu à Ré em 31 de Julho de 2014 expressamente refere que "Não tendo V.Exas. procedido ao pagamento das rendas em débito no valor global de 22.774,96 €, apesar de interpelados para o fazer no prazo de 30 dias a contar da data de recepção da carta enviada em 24/06/2014, incorreram por isso em incumprimento definitivo - conforme previsto nas condições gerais do contrato de locação financeira. Entretanto, e após a data da carta referida, venceram-se e encontram-se igualmente por liquidar as seguintes rendas: nº renda: 52; data de vencimento: 25/06/2014; valor de renda: 1.677,22 €; nº renda: 53; data de vencimento: 25/07/2014; valor de renda: 1.678,63 €.
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Resulta inequivocamente da carta remetida que, aquando da resolução se encontravam vencidas e não pagas diversas rendas anteriores à renda n° 51, no montante global de 22.774,96€.
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Na Contestação, a Ré veio alegar a excepção do pagamento, pelo que na Réplica o Banco Autor foi explicar detalhadamente a forma como tinha procedido à imputação dos montantes recebidos da Ré, explicando qual o motivo pelo qual tais montantes não permitiram liquidar a totalidade das rendas devidas como a Ré dizia.
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Decorre evidente do contexto em que a declaração foi feita que no artigo 7° da PI o Banco se enganou quando afirmou que a Ré tinha liquidado as primeiras 51 do contrato, pelo que resultando tal erro do contexto em que a declaração foi produzida apenas dá lugar à sua rectificação, nos termos do disposto no artigo 249° do Código Civil o que se requer, devendo passar a constar do dito artigo 7° que a Ré apenas liquidou as 36 primeiras rendas.
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Nos termos do disposto no artigo 354° do Código Civil, a confissão não é admissível, por não fazer prova contra o confitente, quando o facto confessado for impossível ou notoriamente inexistente, sendo que nos termos do disposto no artigo 257° n° 2 do CC que "o facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar".
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Tendo em conta o teor do contrato, o teor da carta remetida em Julho de 2014 e os factos alegados nos autos é notório para qualquer pessoa que nunca poderia estar em dívida apenas uma única renda, pois que uma única renda nunca poderia ascender ao montante de 22.774,96€ que o Banco indica na carta de resolução como o valor em dívida referente a rendas vencidas e não pagas que determina a resolução.
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Notório é igualmente que nunca poderiam estar em dívidas as rendas números 52 e 53 uma vez que a carta de resolução expressamente refere que estas se venceram depois da carta de interpelação remetida.
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Um simples exercício de cálculo seria suficiente para qualquer pessoa média se aperceber que dividindo os 22.774,96€ em dívida por 1677€ - valor aproximado de cada renda, nos termos do contrato - se obteria 13,5, o que significa que nunca seria apenas uma a renda em dívida.
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Daqui resulta que a alegada confissão sempre seria, por isso, inadmissível, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 354° alínea c) do Código Civil.
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Sem prescindir, ainda que se considerasse que estávamos perante uma confissão judicial, a verdade é que ainda assim não se encontravam reunidos os requisitos legalmente necessários para que tal confissão pudesse ter força probatória plena contra o confitente, nos termos do disposto no artigo 358° Código Civil, conjugado com o disposto no artigo 465° Código de Processo Civil.
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A confissão judicial é regida pelo disposto nos artigos 356° n° 1 e 358° do Código Civil mas também pelo disposto nos artigos 46° e 465° n° 2 do Código de Processo Civil, que prescrevem que as confissões expressas de factos, feitas nos articulados, podem ser retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente.
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Interpretando a contrario estes normativos dos mesmos resulta que enquanto a parte não aceitar especificadamente a confissão esta ainda pode ser retirada, pelo que esta não tem força probatória plena contra o confitente.
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No artigo 11° da Contestação que apresentou, a Ré expressamente impugnou o teor do artigo 7° da Petição Inicial, pois que escreveu: - "não corresponde à verdade é falso, impugna-se a demais matéria alegada na P.l. nos artigos 6°, 7°, 8°, 9°, 10°, 11°, 12° e 13° da P.I.": 15. A Ré nunca aceitou especificadamente os factos constantes do artigo 7o da Petição Inicial, pelo que apenas para o caso de se considerar que tinha existido confissão, (no que não se concede), o Banco Recorrente, por mera cautela, expressamente retira a confissão alegadamente feita, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 465°.2 do Código de Processo Civil.
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À data da resolução contratual apenas se encontravam integralmente liquidadas 36 rendas, motivo pelo qual deve ser este o número de rendas que deverá ser considerado.
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A tese defendida no Acórdão recorrido segundo a qual embora a Ré no artigo 3o da Contestação tenha impugnado o artigo 7° da Petição Inicial "deve considerar-se aceite no sentido de que essas rendas foram pagas, pois tal impugnação respeita ao termo “apenas”. Trata-se assim de uma confissão feita nos articulados, aceite pela Ré no que tange ao pagamento das primeiras 51 rendas e como tal irretractável" não pode colher uma vez que, por um lado, a Ré efectivamente impugnou expressamente o teor do dito artigo 7o da PI e, por outro, porque para efeitos de confissão, a aceitação não pode ser tácita, tem que ser expressa, como é entendimento unânime da doutrina e confirmado pela Jurisprudência.
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O Acórdão recorrido decidiu erradamente pois que afirmou a existência de uma confissão que não existiu e, caso assim se não entendesse, sempre ter-lhe-ia reconhecido uma força probatória de que esta não podia gozar, em desrespeito pelos comandos contidos nos artigos 47°, 465° n° 2 e 574° n° 1 do CPC e 356° do C.C.
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Inexiste qualquer razão para a exclusão do facto n° 31, que não está em contradição com o facto 7o, uma vez que este último apenas refere que a 1a renda não foi paga no seu vencimento, que ocorreu na data da celebração do contrato: o facto de se ter como provado que a Ré liquidou 36 rendas não significa que as tenha liquidado nas exactas datas do seu vencimento, pelo que o facto n° 31 se deve manter.
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Nem no corpo, nem nas conclusões das alegações do recurso de Apelação que apresentou, a aqui Recorrida referiu que a sentença proferida pela 1a instância se fundava em factos que não integravam a causa de pedir.
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As conclusões de recurso delimitam o thema decidendum...
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