Acórdão nº 1181/15.4T8MTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelJÚLIO GOMES
Data da Resolução14 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório AA instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, S.A, pedindo a condenação desta:

  1. A reconhecer que, nos termos expostos, elaborou as escalas de horário de trabalho por turnos sem garantir que o Autor pudesse gozar o descanso dentro dos 6 dias de trabalho consecutivo de 2004 até 2010 e a partir daí sem ter o segundo dia consecutivo de descanso.

  2. A indemnizar e a compensar o Autor pelos sétimos dias consecutivos que teve de trabalhar no montante de € 12.759,12, bem como pelos dias de descanso compensatório em falta, no montante de € 12.759,12 nos termos reclamados.

  3. A indemnizar e a compensar o Autor pela falta do segundo dia de descanso semanal na importância de € 6.232,43, bem como pelos dias de descanso compensatório em falta estimados em € 6.232,43, conforme os valores atrás reclamados.

    Para tanto alegou, em síntese: ter sido admitido pela Ré, em 1997, estando classificado com a categoria profissional de «caixa privativo»; possuir e explorar a Ré a zona do jogo e casino da ..., tendo mais de 395 trabalhadores ao seu serviço; o casino da Ré está aberto todos os dias das 14h30 às 05h00, havendo quatro horários de trabalho; o trabalho está organizado por turnos rotativos em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho a um ritmo pré-determinado, rodando os trabalhadores entre os quatro horários existentes de acordo com o horário pré-determinado e publicitado pela Ré; só em 2010 a Ré passou a elaborar as escalas de rotação de forma a não haver 7 dias de trabalho consecutivo, mas ainda assim, a partir daquela altura, em cada 14 semanas de escalas, em duas os trabalhadores só folgam um dia; até lá, a Ré obrigou os trabalhadores a trabalharem 7 dias consecutivos e a terem apenas um dia de descanso, pelo que os dias em que teve de trabalhar quando devia estar a descansar devem ser remunerados como trabalho suplementar.

    Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, apresentou-se a Ré a contestar, pugnando pela improcedência da ação.

    Foi proferido despacho saneador, afirmando-se a validade e regularidade da instância, tendo sido dispensada a fixação da matéria de facto, tendo sido atribuído à ação o valor de € 38 000,00.

    Realizada a audiência de discussão e julgamento, precedida de despacho sobre a matéria de facto, veio por fim a ser proferida sentença, com o seguinte teor: “Pelo exposto, decide-se: 1- Julgar parcialmente procedente, por provada, a presente ação intentada por AA contra BB, S. A, e, em consequência, condeno a Ré:

  4. A reconhecer que elaborou as escalas de horário de trabalho por turnos sem garantir que o Autor pudesse gozar o descanso em cada período de sete dias de 2004 até 2010.

  5. A pagar ao Autor, pelos 7ºs dias consecutivos que teve de trabalhar, o montante de € 12.106,72 (doze mil, cento e seis euros e setenta e dois cêntimos), acrescido dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.

    2 - Julgar parcialmente improcedente, por não provada, a presente ação quanto ao mais peticionado, absolvendo nessa parte do pedido a Ré.

    4 - Custas a cargo da ré na proporção do respetivo decaimento (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), estando o Autor isento do seu pagamento.” A Ré, inconformada, apelou, tendo o Autor contra-alegado.

    Em Acórdão proferido a 26 de Junho de 2017, o Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte: “Acordam os juízes que integram a Secção social do Tribunal da Relação do Porto, sem prejuízo do já decidido quanto à reapreciação da matéria de facto, em suspender a presente instância recursiva, nos termos permitidos pelos artigos 269.º, n.º 1, al. c), e 271.º, n.º 1, do CPC, até que o Tribunal de Justiça da União Europeia aprecie e se pronuncie, nos termos que foram solicitados no processo n.º 1282/15.9T8MTS.P1, pendente nesta Relação.

    Para efeitos do agora decidido, determina-se que seja solicitado ao processo n.º 1282/15.9T8MTS.P1, com recurso pendente nesta Relação, a comunicação a estes autos da decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

    Custas a fixar na decisão final.” Em conformidade com o solicitado pelo mencionado Acórdão de 26 de Junho de 2017, e tendo sido proferida em 9 de novembro de 2017 decisão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (2.ª secção), o processo n.º 1282/15.9T8MTS.P1, pendente na Relação do Porto, procedeu à sua comunicação aos presentes autos, declarando-se no referido Acórdão o seguinte: “O artigo 5º da Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, conforme alterada pela Directiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 2000, bem como o artigo 5º, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que não exigem que o período mínimo de descanso semanal ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tardar, ao dia subsequente a um período de seis dias de trabalho consecutivos, mas impõem que esse período seja concedido em cada período de sete dias.” O Tribunal da Relação veio a proferir Acórdão com o seguinte teor decisório: “Acordam os juízes que integram a Secção social do Tribunal da Relação do Porto, complementando o já decidido no acórdão de acórdão de 26 de Junho de 2017 constante dos autos: 1.

    Em julgar procedente o recurso interposto pela Ré, revogando-se a sentença na parte em que a condenou [a)] “A reconhecer que elaborou as escalas de horário de trabalho por turnos sem garantir que o Autor pudesse gozar o descanso em cada período de sete dias de 2004 até 2010” e [b)] “A pagar ao Autor, pelos 7ºs dias consecutivos que teve de trabalhar, o montante de € 12.106,72 (doze mil, cento e seis euros e setenta e dois cêntimos), acrescido dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento”, sendo nessa parte absolvida dos pedidos; 2.

    Em julgar improcedente o recurso subordinado do Autor, confirmando-se a sentença na parte em que decidiu “[2] Julgar parcialmente improcedente, por não provada, a presente ação quanto ao mais peticionado, absolvendo nessa parte do pedido a Ré”.

    Custas da ação e dos recursos (art.º 527.º CPC) a cargo do Autor, sem prejuízo de isenção de que beneficie.” Inconformado o Autor veio interpor recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões: “1ª - O Tribunal da Relação do Porto, no douto acórdão sob recurso defende a seguinte posição dual: - Quando o regime de trabalho for de laboração contínua (laboração diária de 24 horas), face ao estatuído no artigo 221.º, n.º 5 do CT 2009, o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a atividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório — Ac. de 7/11/2017 (relator Ascensão Ramos) referido na página 45 do acórdão recorrido.

    - Quando o regime de trabalho não for de laboração contínua (embora labore os 365 dias do ano — mas em que encerra uma parte do dia) o dia de descanso já pode ser precedido por mais de 6 dias (até 12 dias) consecutivos de trabalho.

    1. - Sabendo-se que o descanso semanal visa a defesa da saúde dos trabalhadores e a reparação física e psíquica do ser humano que trabalha, não se vê qualquer razão científica válida que permita tal distinção sob o ponto de vista do trabalhador pois, em ambos os casos, o trabalhador está exactamente nas mesmas circunstâncias e sujeito ao mesmo esforço e desgaste prejudicial à saúde. Em ambos os casos praticam o mesmo horário, apenas a gestão empresarial é diferente (mas para laborar 24h/dia são necessários mais e diferentes trabalhadores para sucessivamente poderem cobrir as 24 horas) 3ª - A lei não define o que é laboração contínua. A Relação entende que tem de laborar 24h/dia. Mas, entendemos que laboração contínua não se refere ao número de horas de funcionamento diário, mas aos dias da semana, isto é, quando está dispensada de encerrar um dia por semana.

    2. - Laboração contínua significa laboração continuada sem ter de encerrar obrigatoriamente um dia todas as semanas.

    3. - Mas, a não ser assim, não se aplicará o n.º 5 do artigo 221.º do Código do Trabalho mas não ficamos perante uma zona branca e livre — aplica-se então o artigo 232.º do Código do Trabalho.

    4. - É impossível de justificar em termos de unidade do ordenamento jurídico que o legislador permitisse para a generalidade dos trabalhadores a marcação de dias de descanso após sete, oito, nove, dez, ou mais dias de trabalho consecutivo e fosse depois limitar essa possibilidade na norma do art. 221.º, n.º 5, para a laboração contínua e situações similares.

    5. - A aplicar-se a norma geral do art. 232.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a solução é inequívoca: em caso algum, pode o trabalhador deixar de gozar um dia de descanso fixo em cada semana em que presta trabalho, pois este preceito consagra um mínimo de direito necessário indisponível que impõe, entre outras dimensões do direito, o vencimento regular do descanso semanal “ de modo a que não seja precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho” (ver Liberal Fernandes, Anotação ao artigo 232º, in “O tempo de trabalho. Comentário aos artigos 197º a 236º do Código do Trabalho”, Coimbra Editora, 2012, p. 286) é pacífico e unânime. Mesmo a doutrina anterior à nova redação estabelecida no Código do Trabalho (Raul Ventura, Monteiro Fernandes, Bernardo Lobo Xavier e Antunes Varela) defendia que, fora da laboração contínua, o descanso semanal tinha de ser fixado após 6 dias (ou 5 na, então, chamada semana inglesa) de trabalho consecutivo.

    6. – A conceção do repouso...

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