Acórdão nº 604/12.9TBVRS.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Data da Resolução25 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

“AA - Sociedade Imobiliária Unipessoal, Lda. instaurou a presente ação com processo comum contra “BB, Lda”, pedindo que: a) - Seja declarada a resolução dos vinte e um contratos promessa de compra e venda celebrados entre a autora e a ré; b) – Seja a ré condenada a pagar à autora a quantia de EUR 5.595.800,00 (cinco milhões e quinhentos e noventa e cinco mil e oitocentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Subsidiariamente: c) – Seja a ré condenada a devolver à autora a quantia de EUR 2.797.900,00, que esta lhe entregou, a título de sinal e reforço de sinal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que: Em 2.4.2006, a autora, como promitente compradora, e a ré, como promitente vendedora, celebraram entre si vinte e um contratos promessa de compra e venda, tendo por objeto imóveis, a construir, inseridos em empreendimento turístico dotado com determinadas infraestruturas de apoio.

No âmbito desses contratos, a autora entregou à ré, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de EUR 2.797.900,00.

A ré, porém, no prazo previsto no contrato promessa, nem concluiu a construção dos imóveis, nem obteve a respectiva licença de utilização e a classificação do empreendimento como turístico.

Neste contexto, a autora, imputando à ré o incumprimento definitivo dos contratos, declarou ter perdido o interesse na prestação, vindo, agora, reclamar a devolução em dobro da quantia entregue a título de sinal ou, caso assim não seja entendido, a sua restituição em singelo.

  1. A ré contestou. Defendendo-se por exceção, alegou que, na data em que a autora declarou ter perdido interesse no cumprimento dos contratos, já a ré havia procedido à sua resolução, por carta endereçada àquela. Por impugnação, negou os factos articulados pela autora que poderiam configurar o alegado incumprimento definitivo.

  2. Na 1ª instância foi proferida sentença que, julgando procedente a ação, condenou a ré a pagar à autora a quantia de EUR 5.595.800,00.

  3. Desta decisão, apelou a ré, tendo o Tribunal da Relação de … proferido acórdão a condenar a ré a pagar à autora a quantia global de EUR 2.797.900,00, acrescida de juros, calculados à taxa contratual, contados desde a data dos respectivos pagamentos parcelares.

  4. De novo irresignada, a ré interpôs recurso de revista «normal» para este Supremo Tribunal, ou, caso assim não se entendesse, de revista «excecional», ao abrigo do disposto no art. 672º, nº1, al. b), do mesmo Código.

    Igualmente inconformada com o decidido pela Relação, a autora interpôs recurso de revista «normal», nos termos previstos no art. 671º, nº1 e 3, a contrario, do CPC.

  5. Por decisão do Exmo. Juiz Desembargador da Relação de … e da relatora, neste Supremo Tribunal, não foi admitida a revista «normal» interposta pela ré.

  6. Na Formação, a que alude o art.º. 672º, nº 3, do CPC, foi proferido acórdão a rejeitar a revista «excepcional» e a ordenar a remessa do processo à relatora para apreciação da revista «normal», interposta pela autora.

  7. Nas alegações da revista, a autora, concluindo, disse: 1 - Os vinte e um contratos-promessa de compra e venda celebrados entre a recorrida como promitente vendedora e a recorrente como promitente compradora têm por objeto a compra e venda de 21 imóveis/frações/unidades destinados a alojamento turístico, englobados em empreendimento turístico, que obriga à emissão de uma licença única de utilização para o empreendimento, que engloba as unidades de alojamento e os serviços de apoio e de utilização social, implicando que tudo esteja construído e em condições de utilização em simultâneo.

    2 - Para efeitos de licenciamento, a promitente vendedora submeteu à entidade administrativa competente um projeto de construção de um empreendimento turístico, que englobava as 21 unidades de alojamento turístico prometidas vender, projeto de construção que foi licenciado; porém, ao perpetrar, sem qualquer fundamento desculpante, e sem dar conhecimento à promitente compradora, a alteração do licenciamento da construção e da utilização para mero empreendimento imobiliário, sem características materiais e sem qualificação e classificação jurídica de empreendimento turístico, a promitente vendedora colocou-se em situação de não poder cumprir as promessas.

    3 - A cláusula quarta dos 21 contratos-promessa que dá à promitente compradora o direito de optar pela resolução dos contratos, uma vez não cessada a mora no cumprimento por parte da promitente vendedora, obtendo a restituição do sinal em singelo, apenas teria aplicação no caso do incumprimento, ainda que culposo, ocorrer num quadro de execução da construção de um empreendimento turístico.

    4 - Ao alterar a qualidade do que prometeu vender, por ter alterado a qualificação do empreendimento de turístico para mero empreendimento imobiliário, a promitente vendedora introduziu uma circunstância anormal na economia e espírito dos 21 contratos promessa, desconhecida da promitente compradora nas datas em que foi notificada por aquela para outorgar os contratos prometidos, e que só veio a ser conhecida por esta pouco antes de intentar a presente acção.

    5 - A cláusula quarta dos 21 contratos-promessa estipula a restituição do sinal em singelo, em caso de resolução do contrato pela promitente compradora, por incumprimento, ainda que culposo da promitente vendedora, no pressuposto de que a promitente vendedora desenvolverá o seu projeto de empreendimento turístico dentro da normalidade e com boa-fé, admitindo-se atitude culposa a título de negligência, no sentido de falta de diligência.

    6 - Diferente terá de ser a solução para a situação em que a promitente-vendedora, atuando não com diligência deficiente, mas dolosamente, alterar o pedido de licenciamento do prometido empreendimento turístico, com as 21 fracções prometidas vender incluídas, para mero empreendimento imobiliário, perdendo definitivamente o que foi prometido vender a qualidade de unidade de alojamento turístico incluído em empreendimento turístico, e defendendo para justificar a resolução dos contratos que o incumprimento culposo é imputável à promitente compradora, o que repetiu na presente ação, que prometeu vender unidades "meramente residenciais" contra o próprio teor do pedido de licenciamento que, a princípio, submeteu às entidades licenciadoras.

    7 - O sumário do Acórdão recorrido, no seu n.° 2, estaria corretíssimo, não fora a aludida atuação dolosa e completamente despudorada da promitente-vendedora, que tanto a nível material e substantivo, como a nível processual, revelou intensa má-fé, impondo-se que, dadas as circunstâncias, se considere não ter aplicação o nº2 da cláusula 4ª dos 21 contratos-promessa e se aplique o Código Civil, determinando-se que a resolução dos contratos por parte da recorrente é lícita, por objectiva perda de interesse na prestação prometida, tendo direito à restituição do sinal em dobro, uma vez que a promitente vendedora, fazendo declaração de resolução, colocou-se em situação de não poder cumprir, e tornou materialmente impossível o cumprimento da sua prestação ao alterar o licenciamento e características do projecto inicial, além do que nem sequer tinha construídos e em condições de utilização, à data da interposição da acção, os serviços de apoio e uso social, ainda que desinseridos de empreendimento turístico, factos estes que dispensavam interpelação admonitória dirigida à promitente vendedora para transformar mora em incumprimento definitivo, por demonstrarem à saciedade a objectividade da perda de interesse da promitente compradora.

    8 - O Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 442.° n.° 2 do Código Civil.

    Deve, nestes termos, ser o presente recurso considerado procedente e o Acórdão recorrido ser revogado, e mantida na íntegra a sentença do Tribunal da Primeira Instância, pedindo-se (tal como se fez na Pi) que seja aditada a condenação da recorrida no pagamento dos juros de mora legais vencidos desde a citação e os vincendos até integral pagamento sobre aquela quantia correspondente ao dobro do sinal entregue.

  8. Não foram apresentadas contra-alegações.

    *** 10.

    Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608º, n.º2, 635º, nº4 e 639º, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas.

    [1] Por sua vez – como vem sendo repetidamente afirmado – os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal que proferiu a decisão impugnada, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal a quo.

    Sendo assim, a única questão de que cumpre conhecer consiste em saber se a autora tem direito a receber, em dobro, a quantia entregue a título de sinal, acrescida de juros de mora.

    *** II – Fundamentação de facto 11.

    As instâncias deram como provado que: 1 – A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à compra, venda, e revenda de propriedades, construção civil e urbanizações, e tem uma única sócia, a sociedade de direito estrangeiro CC.

    2 – A Autora realiza investimentos na aquisição de imóveis em Portugal com o propósito de proceder à sua revenda.

    3 – A Ré é a entidade promotora da urbanização designada por Loteamento do … situada em …, freguesia de …, Concelho de Vila Real de Santo António.

    4 – Em 23 de Março de 2006, a Autora acordou com a Ré a reserva de 21 frações autónomas, designadas por apartamentos, incluídas na construção a realizar no lote 55 do designado “Loteamento do …”, e destinadas a habitação e serviços, situado no lugar das …, freguesia de …, Concelho de Vila Real de Santo António, integrado no seio do perímetro do Plano de Urbanização das ….

    5 – O acordo de reserva foi subscrito por DD, em representação da Autora, que o enviou à Ré em 23 de Março de 2006.

    6 – Nos termos da cláusula segunda de tal acordo, as partes estipularam que: “Com a assinatura...

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