Acórdão nº 18262/17.2T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução22 de Novembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados: T intentou a presente acção comum contra Seguradora-SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe 29.239€, acrescida de juros de mora, no dobro da taxa legal desde a data de propositura da acção até integral pagamento.

Alega para tanto, em síntese, que é proprietário de um veículo automóvel, tendo celebrado com a ré um contrato de seguro para cobertura do risco de furto ou roubo; depois disso o veículo foi-lhe furtado e a ré não lhe paga a indemnização devida.

A ré contestou impugnando a factualidade alegada pelo autor quanto à ocorrência do furto e excepcionando (embora sem a qualificar como excepção) a sobrevalorização do valor do seguro; concluiu pela absolvição do pedido.

Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente e, em consequência absolvendo a ré do pedido.

O autor recorre desta sentença, impugnando a decisão da matéria de facto de considerar como não provada a alegação de que o veículo tinha sido furtado e, em consequência, querendo que a sentença seja revogada e substituída por outra que condene a ré a pagar ao autor o pedido.

A ré contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

* Questões que importa decidir: se o furto deve ser dado como provado e se, em consequência, a ré deve ser condenada como pedido.

* Para a decisão das questões referidas, importa antes de mais ter em conta os factos dados como provados e que são os seguintes [o desenvolvimento do ponto 3 foi feito por este acórdão, com base no contrato de seguro apresentado por ambas as partes e por isso não impugnado por nenhuma delas, ao abrigo dos arts. 663/2 e 607/4, ambos do CPC]: 1. Em 05/09/2016, foi celebrado entre o autor e a ré, um contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice n.º 0000000, respeitante ao veículo ligeiro de passageiros, de marca Volvo, modelo S80 Diesel D3 Summum Geartronic, matrícula 00-00-00.

  1. Acessoriamente ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, o autor contratou a cobertura de danos próprios, cobrindo, entre outros, actos/riscos de furto ou roubo.

  2. A cobertura de furto ou roubo tem como capital seguro 29.239€.

    Condição especial ‘furto ou roubo’ Cláusula 1.ª Para efeito da presente Condição Especial considera-se: FURTO OU ROUBO: O desaparecimento, destruição ou deterioração do veículo por motivo de furto, roubo ou furto de uso (tentados ou consumados).

    […] Cláusula 4.ª - Condições de funcionamento da cobertura Ocorrendo furto ou roubo, e querendo o Segurado usar dos direitos que a presente Condição Especial lhe confere, deverá apresentar assim que possível queixa às autoridades competentes e promover as diligências ao seu alcance conducentes à descoberta do veículo e dos autores do crime.

    Ocorrendo furto ou roubo que dê origem ao desaparecimento do veículo, o Segurador obriga-se ao pagamento da indemnização devida, decorridos que sejam sessenta (60) dias sobre a data da participação da ocorrência à autoridade competente, se ao fim desse período não tiver sido encontrado.

    Nas condições particulares da apólice consta uma tabela de desvalorização, mês a mês, durante 10 anos, do veículo.

  3. O pagamento do prémio era feito de forma anual, tendo sido pago o valor correspondente ao prémio do primeiro ano na data de celebração do referido contrato pelo montante de 779,69€.

  4. A propriedade do veículo de matrícula foi registada a favor do autor em 13/12/2016.

  5. No dia 19/12/2016, o autor apresentou a queixa de furto do veículo, na PSP de Lisboa, Divisão Policial de S, Esquadra de M, dando origem ao auto de denúncia NPP 00000/16.000000.

  6. Na mesma data o autor entregou a participação do furto ao seu mediador de seguros R-Lda.

  7. Decorridos os 60 dias sobre a data da participação do furto, e não tendo o veículo sido recuperado, a ré não procedeu ao pagamento ao autor de qualquer valor.

  8. A ré enviou uma comunicação ao autor recusando o pagamento da indemnização.

  9. O valor da franquia acordado era de 0€.

  10. O local onde o veículo se encontrava alegadamente estacionado, é um parque de estacionamento (não pago) com extensa dimensão, ermo, sem qualquer vigilância.

  11. Ao averiguador da ré o autor, no dia 31/01/2017, disse que o veículo encontrava-se estacionado junto à residência da sua namorada há cerca de 2/3 semanas, não necessitando dele por utilizar um outro veículo pertencente à sua sociedade comercial. No dia 19/12/2016, ao passar no local com o veículo da sua sociedade comercial, constatou que o veículo seguro tinha desaparecido, pelo que em seguida, se dirigiu à esquadra da PSP para participar o furto.

  12. Na queixa apresentada na PSP o autor declarou que os documentos do veículo se encontravam no seu interior e que o veículo estava ali estacionado há cerca de três ou quatro semanas.

  13. Na conversa com o averiguador, o autor esclareceu que tinha os documentos do veículo na sua posse, tendo-os exibido ao averiguador que os fotografou.

  14. À PSP no momento da participação o autor declarou que o certificado de matrícula se encontrava dentro do veículo, tendo declarado esse documento como furtado.

  15. Ao averiguador, o autor disse que o veículo era importado e que, entre viagens e legalização, pagou 25.000€, tendo a viatura cerca de 290.000 km quando foi adquirida.

  16. Na conservatória do registo automóvel o veículo foi registado em nome do autor, no dia 13/12/2016, mediante a apresentação dos documentos do veículo.

  17. O veículo foi importado de França pelo autor.

  18. Aquando da sua entrada em Portugal contava com 391.811km.

  19. Foi declarado um valor de compra de 16.000€.

  20. Tendo em conta o número de quilómetros, foi legalizado com recurso ao método alternativo, tendo sido pago um valor de imposto de 2640€.

  21. O veículo foi adquirido por 16.000€, sendo que o valor do imposto ascendeu a 2640€ – ou seja, o valor total gasto na compra e legalização do veículo foi de 18.640€.

  22. O autor, em 05/12/2016, subscreveu uma apólice de seguro com a Logo, para um outro veículo de matrícula 11-11-11 (um Audi de 1997).

  23. A propriedade do veículo de matrícula 11-11-11 foi registada a favor do autor em 05/12/2016.

  24. O autor já foi tomador de diversos contratos de seguros para outros veículos, nomeadamente para os veículos de matrículas 22-22-22 (Golf I, importado de 1993), 33-33-33 (BMW serie3 Coupé, de 1992), 44-44-44 (motociclo Honda CBR de 1996), 55-55-55 (Daewoo Nexia de 1996), 11-11-11 (o já referido Audi A3 de 1997) e 66-66-66 (BMW Serie3 de 1999, importado da Alemanha).

  25. Em Setembro de 2016 havia veículos em Portugal com as mesmas características, e menos quilometragem, à venda pelo valor de 24.700€.

  26. Naquela data no mercado internacional, para veículos com as mesmas características, foram localizados veículos à venda por cerca de 10.000€.

    * Da impugnação da decisão da matéria de facto O tribunal recorrido não considerou provada a alegação de facto feita pelo autor de que “entre os dias 01 a 19/12/2016, o veículo de matrícula 00-00-00 foi furtado”.

    O tribunal fundamentou assim a sua convicção para a decisão desta questão (em conjunto com outras que eram conexas; a numeração foi colocada por este TRL): 1- Os factos não provados alíneas a a d decorrem da total inexistência de qualquer elemento de prova que permitam sequer indiciar a existência do furto invocado pelo autor. Pelo contrário, todas as evidências apontam para que o furto não tenha ocorrido.

    2- Em primeiro lugar o sítio onde o autor teria alegadamente estacionado o veículo é um grande parque de estacionamento, ermo, como decorre das fotografias juntas a fls. 85 e 86, e que não ficam propriamente perto de casa alguma. Pelas regras da experiência comum, alguém que acabou de adquirir um veículo, com o valor de quase 30.000€, não o deixa num parque de estacionamento, praticamente abandonado durante quase 20 dias.

    3- Nenhuma das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento afirmou ter presenciado/apercebido da sua ocorrência, pelo que, nenhum depoimento foi produzido sobre a sua efectiva ocorrência conforme alegado pelo autor.

    4- As declarações do autor prestadas em audiência não mereceram qualquer credibilidade por parte do tribunal, quer pela postura nervosa e claramente evasiva nas respostas às perguntas que lhe eram feitas, quer pela manifesta contradição com a prova documental junta.

    5- O autor começou por dizer nas suas declarações prestadas em audiência que estacionou o carro na sua rua, esclarecendo apenas depois que afinal foi na rua da casa da sua namorada. No que respeita à legalização da viatura referiu nas suas declarações que entregou todo o processo a um despachante o que não corresponde aos que consta de fl. 121 onde apenas o nome do autor consta. O autor não tem qualquer factura das despesas realizadas para ir buscar a viatura a França, sendo óbvio que o papel que consta de fl. 124 não é uma factura. A tribunal não soube ou conseguiu trazer uma única testemunha que viesse confirmar a viagem realizada, valor pago, despesas e diligências com vista à legalização, utilização que fazia do veículo, o sítio onde o estacionou, as características do local. Nada foi provado.

    6- Quanto à desconformidade dos factos que alegou em audiência com as declarações prestadas ao Sr. perito e que constam de fl. 87 disse apenas “que se enganou”, o que não colhe face a toda a demais prova contrária produzida.

    7- A testemunha do autor foi apenas F, mediador de seguro, que esclareceu apenas como foi atribuído o valor ao veículo segurado e o porquê da sua sobrevalorização decorrente do programa informático e que não é mutável.

    8- Para motivar ainda inexistência de qualquer prova da real ocorrência do furto está a manifesta desconformidade entre as declarações prestadas pelo autor na PSP e ao averiguador da ré, e à circunstância inexplicada de o registo do veículo ter sido feito durante os 20 dias que o veículo esteve estacionado naquele local com uns documentos que supostamente estariam no...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT