Acórdão nº 8074/16.6T8CBR-D.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução23 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrentes: AA Lda. e BB Recorridos: CC e DD * CC e DD requereram a qualificação da insolvência como culposa de AA Lda.

O incidente de qualificação de insolvência foi declarado aberto.

Tanto o administrador da insolvência como o Ministério Público se pronunciaram no sentido da qualificação da insolvência como fortuita.

Apesar disso, o Tribunal mandou notificar a sociedade devedora e o gerente da mesma, BB, para se oporem, querendo, à qualificação da insolvência como culposa.

A sociedade devedora e o gerente opuseram-se.

O incidente de qualificação da insolvência prosseguiu os seus termos e, após a audiência final, foi proferida sentença em que se decidiu: - qualificar a insolvência como culposa; - declarar BB inibido, pelo período de dois anos, para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; e - condenar BB a pagar aos credores da insolvente indemnização correspondente ao valor dos créditos não satisfeitos até às forças do seu património.

Inconformados, BB e AA apelaram para o Tribunal da Relação de Coimbra.

O Tribunal da Relação de Coimbra confirmou, por Acórdão proferido em 20.03.2018, a decisão recorrida.

Continuando inconformados, BB e AA interpuseram recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça. Fundamentaram o seu pedido no facto de o objecto do recurso ser a interpretação da alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE e: - estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito, sendo aplicável o disposto no artigo 672.º, n.º 1, al.

a), do CPC; - estarem em causa interesses de particular relevância social, sendo aplicável o disposto no artigo 672.º, n.º 1, al.

b), do CPC; e - existir contradição entre o Acórdão recorrido e outros Acórdãos já transitados em julgado, designadamente os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10.02.2011 (Proc. 1283107.0TJPRT-AG.P1) e 13.09.2007 (Proc. 0731516) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.07.2011 (Proc. 503/10.9TBPTL-H.G1), sendo aplicável o disposto no artigo 672.º, n.º 1, al.

c), do CPC.

A Formação, que é quem, de acordo com o artigo 672.º, n.º 3, do CPC, tem a seu cargo a apreciação liminar sumária dos pressupostos da revista excepcional, pronunciou-se, por Acórdão de 28.06.2018, em sentido favorável à admissão do recurso, “pela relevância jurídica da questão em debate, tornando inútil a apreciação dos outros fundamentos de tal revista”.

* Como é sabido, para lá das questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes.

Em tais conclusões, os recorrentes alegam, essencialmente, que: 1.º) não se verifica violação do dever de apresentação à insolvência, uma vez que a recorrida se encontrava em PER e, portanto, estava suspenso o prazo legalmente previsto para aquela apresentação; 2.º) ao abrigo do artigo 186.º, n.º 3, al.

a), do CIRE, a violação do dever de apresentação à insolvência desencadeia apenas uma presunção de culpa grave e não também do nexo de causalidade, pelo que é aos interessados na qualificação da insolvência como culposa que cabe provar este último; e 3.º) as normas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 186.º do CIRE padecem de inconstitucionalidade, tanto orgânica como material.

A questão que os recorrentes identificam expressamente como sendo o objecto do presente recurso (cfr. ponto F. das conclusões) é a de saber como deve ser interpretado o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, ou, mais precisamente, de saber se nesta norma se consagra uma presunção (relativa ou juris tantum) de insolvência culposa ou somente uma presunção (relativa ou juris tantum) de culpa grave.

Neste caso em particular (de revista excepcional), a questão vem, aliás, igualmente (muito bem) enunciada no Acórdão da Formação que admitiu a revista excepcional.

Assim sendo, e sem prejuízo do sentido do dever de pronúncia sobre as outras alegações dos recorrentes, expostas tanto nas alegações propriamente ditas como nas conclusões, é esta a questão central do presente recurso.

* II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Vêm provados os seguintes factos: 1. Encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ..., como o NIPC …, a sociedade AA -…, Lda., cujo objecto social consiste em atividades de comércio, importação, exportação e representação de mercadorias em plástico e outras fibras, bem como de materiais e mercadorias em geral para a construção civil.

  1. O capital social da AA ascende a € 200.000,00, representado por duas quotas, no valor de € 1 00.000,00 cada uma, pertencentes ao único sócio BB.

  2. AA obriga-se com a assinatura de um gerente.

  3. BB desempenha funções de gerente da AA desde 2013.

  4. AA registou os seguintes valores de passivos: 2012: €398.602,75; 2013: €519.493,92; 2014: €731.449,22.

  5. AA tem dívidas à Segurança Social desde, pelo menos, agosto de 2014.

  6. AA tem dívidas à Fazenda Nacional desde Dezembro de 2014.

  7. Em 26 de Julho de 2001 celebrou contrato de locação financeira com o Banco ..., S.A., pelo período de 15 anos, para compra de um armazém.

  8. Em Junho de 2015, AA cedeu à sociedade EE, Lda, a posição contratual que detinha no contrato de locação financeira imobiliária, celebrado com o Banco ..., SA, respeitante ao prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 4100 da União das freguesias de ... e ..., e vendeu uma carrinha e um empilhador.

  9. Em 26 de Novembro de 2015 recorreu ao ....

  10. Em 6 de Junho de 2016 iniciou o processo especial de revitalização apenso.

  11. No âmbito do processo especial de revitalização apenso não foi aprovado o plano de recuperação apresentado pela devedora porque não foram obtidos os quóruns deliberativos exigidos pelo artigo 17º-F, nº 3, alíneas a) e b) do CIRE.

  12. Subsequentemente o administrador judicial provisório emitiu parecer no sentido de a devedora se encontrar em situação de insolvência e requereu a respectiva declaração de insolvência, nos termos do artigo 17º-G, nº 4, do CIRE.

  13. Por sentença proferida em 7 de Novembro de 2016, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência da AA.

  14. Em 2015 a insolvência declarou fiscalmente o passivo total de € 753 497,67.

  15. No âmbito do processo especial de revitalização apenso foram reclamados créditos no montante global de € 720.621,63.

  16. Por apenso ao presente processo de insolvência foram reclamados e reconhecidos créditos no montante global de €793.914,82.

  17. Na data em que foi declarada insolvente a AA encontrava-se sem actividade desde há vários meses.

  18. Como contrapartida pela venda da carrinha referida em 9º a AA recebeu € 5.000,00.

  19. Como contrapartida pela venda do empilhador referido em 9º a AA recebeu € 3.690.00.

  20. Como contrapartida pela cedência da posição contratual referida em 9, a AA recebeu o valor líquido de € 160.646,89 após dedução do valor em dívida ao Banco ... de € 40.027,13; 22. O valor de € 160.646,89 referido em 21º foi pago nos seguintes termos: a) € 58.646,89, mediante transferência bancária efetuada pelo Banco ... em 30 de junho de 2015 para conta titulada pela insolvente; b) € 20.000,00, mediante transferência bancária efetuada pela EE, Lda. em 06.05.2015 para conta titulada pela insolvente; c) € 82.000,00, mediante cheques pré-datados emitidos pela EE, Lda. à ordem da insolvente: em 20.05.2015 no valor de € 5.000,00; em 25.05.2015 no valor de € 4.000,00; em 02.06.2015 no valor de € 29.000,00; em 25.06.2015 no valor de € 4.000,00; em 25.07.2015 no valor de € 4.000,00; em 25.08.2025 no valor de € 4.000,00; em 25.09.2015 no valor de € 4.000,00; em 25.10.2015 no valor de € 4.000,00; em 25.11.2015 no valor de € 4.000,00; em...

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