Acórdão nº 2980/15.2T9CSC-A-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelJOÃO CARROLA
Data da Resolução13 de Novembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

–Relatório: No processo n.º 2980/15.2T9CSC que, para a requerida fase de instrução, corre termos no Juízo de Instrução Criminal de Cascais, Comarca de Lisboa Oeste, a assistente F. B. veio interpor recurso da decisão do Mmo. J.I.C. proferida a 31.10.2017, constante de fls. 277 e seguintes dos autos que indeferiu o requerimento de abertura de instrução por si requerida considerando esta legalmente inadmissível, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões: “I– A assistente apresentou, contra F.A. (F.A.) e M.P. (M.P.), queixa-crime. O Ministério Público arquivou o inquérito, tendo a assistente reagido a tal decisão, por entender existirem nulidades a conhecer e verificados os pressupostos para, submetidos a julgamento, virem a ser aplicadas aos denunciados [arguidos a constituir] penas.

II– O despacho recorrido - que rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente - padece, nos termos no art. 308.°, n.º 319 e 379.°, n.º 1 al. c) do Código de Processo Penal (CPP), de nulidade por não conhecer das nulidades invocadas no requerimento de abertura de instrução, a saber: falta de promoção do processo no que se refere aos crimes de falsas declarações (contra F.A. e M.P.), burla tributária (contra F.A.), fraude na obtenção de subsídio (contra F.A.), fraude fiscal e burla (estes contra F.A. e M.P.), em violação do art. 48.° do Código Penal (CP) - nulidade insanável -, e insuficiência de actos de inquérito no que se refere à denunciada fraude fiscal, em violação do disposto no art. 262.°, n.º 1 do CPP, nos termos do disposto nos arts. 119.°, n.º 1, al. b) e 120.°, n.º 2, al. d), do CPP. Nulidades que se impõe sejam declaradas, com as devidas consequências.

III– Mas, na análise dos factos imputados aos denunciados, também mal andou o Tribunal a quo, ao considerar que o requerimento de abertura de instrução não contém a narração dos fatos relevantes para a imputação dos crimes de falsas declarações, fraude fiscal, burla fiscal e fraude na obtenção de subsídio, designadamente no tocante aos elementos subjetivos que presidem à atuação do agente, tal requerimento omite por completo os elementos fatuais subjetivos, pressupostos da responsabilidade criminal. Não devia ter sido a instrução declarada inadmissível por falta de objeto - tendo assim o despacho recorrido violado o disposto no art. 287.°, n.ºs 2 e 3 do CPP.

IV– No que respeita ao crime de falsas declarações, confrontando os factos vertidos nos pontos 1, 2, 5 e 8 da queixa apresentada pela denunciante com o teor dos documentos 1, 4, 8 e 9 (juntos à queixa), com as declarações remetidas aos autos pela Autoridade Tributária de fls. 119 e com o documento, assento de nascimento de F.A. , de fls. 187 e 188 dos autos (os últimos trazidos ao processo no âmbito dos actos de inquérito promovidos pelo MP), constata-se que F.A. e M.P. falsamente declararam o respectivo estado civil.

V– A assistente ao alegar que «Ao, em 31.05.2014, em 23.07.2014 e em 31.05.2015, declararem-se "unidos de facto" nas declarações de IRS dos anos 2013 e 2014, apresentadas via plataforma online, F.A. e M.P. , mentem declarando / atestando falsamente à Autoridade Tributária estado a que a lei atribui efeitos jurídicos.», precisa a data (quando), a declaração (o quê), o local (onde) e a forma (como), factualidade a que os denunciados mentiram, atestando - pois se é mentira -falsamente, à Autoridade Tributária (a quem) estado (estado civil, objecto das falsas declarações) a que a lei atribui efeitos jurídicos - elemento objectivo do crime de falsas declarações (art. 348.°-A do CP).

VI– A assistente ao alegar que «bem sabiam os denunciados, não podendo, nomeadamente em resultado da sua formação/actividade profissional, invocar desconhecimento, que o estado civil é um elemento manifestamente decisório, com efeitos jurídicos indiscutíveis na determinação da matéria colectável em sede de IRS e, consequentemente, na liquidação deste imposto, conforme arts. 13.° e ss. do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS)» e ao alegar que os denunciados «agiram livre e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era e é proibida e punida por lei», factualiza o dolo (definido no art. 14.° do CP20) -, elemento subjectivo do crime de falsas declarações, p. e p. pelo art. 348.°-A do CP: "bem sabiam" (concretizando-se que não poderiam desconhecer, nomeadamente por serem técnicos oficiais de contas) o que estavam a fazer quando se declararam unidos de facto à Autoridade Tributária, conheciam os efeitos, designadamente na determinação da matéria colectável. Fizeram-no de forma livre (foram os denunciados que quiseram a acção, fizeram-no de forma "independente", "à vontade", "em liberdade" com conhecimento e consciência da ilicitude, estando afastada qualquer causa de exclusão da culpa) e voluntária (voluntariamente e deliberadamente são sinónimos). Sabiam os denunciados que a sua conduta era e é punida por lei.

VII– Encontram-se, no que ao crime de falsas declarações, p. e p. no art. 348.°-A do CP, respeita, alegados e demonstrados todos os elementos (objectivo e subjectivo) integradores do respectivo tipo legal de crime, designadamente sob o prisma volitivo e intelectual, e que, a provarem-se em julgamento, determinarão a inexorável condenação dos [a constituir] arguidos, necessariamente - como bem caracterizado - co-autores materiais. O Tribunal a quo violou assim o disposto no art. 14.° do CP e no art. 287.°, n.ºs 2 e 3 do CPP.

VIII– No que respeita ao crime de burla tributária contra a Segurança Social p. e p. art. 87.° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e ao crime de fraude na obtenção de subsídio p. e p. no art. 36.° do D.L n.º 28/84, de 20 de Janeiro, respectivamente, a assistente ao alegar que F.A. , por meio de falsas declarações, no pedido de reconhecimento do direito e atribuição do respectivo subsídio de parentalidade, meio idóneo para o efeito, levou a Segurança Social a determinar o reconhecimento e a concessão (e pagamento) daquele (atribuição patrimonial da qual resultou enriquecimento de F.A. e empobrecimento, na mesma medida, da Segurança Social) factualizou o elemento objectivo dos crimes em causa. Fê-lo também ao alegar que F.A. requereu e obteve - para os períodos de 20.12.2013 a 26.12.2013, de 27.12.2013 a 02.01.2014, de 03.01.2014 a 03.01.2014, de 06.01.2014 a 10.01.2014, de 13.01.2014 a 16.01.2014 e de 18.04.2014 a 17.05.2014 - subsídio de protecção social na parentalidade, pelo período total de 50 (cinquenta) dias, sem ter deixado de trabalhar no período de tempo obrigatório e facultativo (50 dias) de gozo de licença parental e tendo, ao que tudo indica, recebido, para esse mesmo período, vencimento e o subsídio (na ordem dos € 15.000,00).

IX– Quanto ao elemento subjectivo, o dolo, está concretizado quando a assistente alega que «bem sabia F.A. , não podendo, nomeadamente em resultado da sua formação/actividade profissional, invocar desconhecimento, que não podia beneficiar de um subsídio de parentalidade sem gozar a respectiva licença e auferir ao mesmo tempo e pelo mesmo período vencimentos laborais», quando alega a vontade de obter o benefício, o conhecimento/consciência de que, no caso concreto, era ilegítimo, sem que o pudesse ignorar e ainda na afirmação de que F.A. agiu de forma livre (independente) e voluntária (com vontade), deliberadamente, conscientemente, e consciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo o que fazia e que a sua conduta era e é punida por lei.

X– Encontram-se, no que ao crime de burla tributária p. e p. nos arts. 87.° do RGIT e ao crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. no art. 36.°, n.º 1 als. a) e b) do DL n.º 24/84, de 20 de Janeiro, respeita, alegados e demonstrados todos os elementos (objectivo e subjectivo) integradores dos respectivos tipos legais de crime, designadamente sob o prisma volitivo e intelectual, e que, a provarem-se em julgamento, determinarão a inexorável condenação do [a constituir] arguido, necessariamente - como bem caracterizado - autor material. O Tribunal a quo violou assim o disposto no art. 14.° do CP e no art. 287.°, n.ºs 2 e 3 do CPP.

XI– No que respeita ao crime de fraude fiscal, p. e p. no art. 103.° do RGIT, cometidos por F.A. e M.P. , ao alegar que: - F.A. e M.P. , aquando da apresentação da declaração de IRS referente a 2013, se declaram unidos de facto quando estavam divorciados um do outro e quando, já em 2013, F.A. vivia em condições análogas à dos cônjuges com a assistente, com a qual casou em 2014; - F.A. e M.P. , aquando da apresentação da declaração de IRS referente a 2013, falsamente declarando-se unidos de facto, não declaram as pensões recebidas pelos filhos; - F.A. e M.P. , em 2013, efectuaram as partilhas por divórcio, omitindo (alterando factos e valores), na declaração de IRS referente a este ano, mais-valias daí decorrentes; - F.A. e M.P. e fectuaram declaração de substituição da declaração de IRS referente a 2013, mantendo os mesmos factos falsos; - no requerimento de fls. 101 e 102, F.A. e M.P. , afirmam que já tinham promovido a correcção da declaração referente ao período de 2013, ao passo que o Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2 – MCP (em depoimento prestado 29.03.2016, momento posterior ao da apresentação do aludido requerimento) - diz que com respeito à declaração de 2013 (a mesma citada no dito requerimento) ainda está pendente e embora tenha sido pedida a junção da declaração de 2013, à...

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