Acórdão nº 132/17.6GAPNL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE FRAN
Data da Resolução07 de Novembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Nos autos de inquérito que, sob o número 132/17.6GAPNL, correram termos pela Procuradoria do Juízo de Competência Genérica de Condeixa-a-Nova, por estar em causa crime de natureza particular, findo o inquérito, pela assistente (…) foi formulada acusação particular contra a arguida (…), pela prática de um crime de injúria, p.p. pelo artº 181º do Código Penal.

O MP não acompanhou tal acusação.

Remetidos os autos a juízo, com vista ao seu julgamento em processo comum (juiz singular) e distribuídos pelo Juízo de Competência Genérica de Condeixa-a-Nova, Comarca de Coimbra, viria a ser proferido despacho do seguinte teor (transcrição integral): Autue como processo comum singular.

O tribunal é absolutamente competente.

A assistente (…) deduziu acusação particular contra a arguida (…), nos termos e fundamentos que constam do documento com a referência Citius n° 76764822, imputando-lhe a prática de um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181° do Código Penal, não acompanhada pelo Ministério Público, conforme despacho constante do Citius com a referência n° 76774335.

Numa análise mais impressiva do teor da referida acusação particular constata-se que dela não constam os factos relativos à descrição da voluntariedade e da imputação a título doloso, sendo que tais elementos constituem os pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena, na noção contida no artigo 1°, alínea a) do Código de Processo Penal.

Com efeito, a acusação particular deverá conter, sob pena de nulidade, a "narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada" - cfr. art" 283°, n° 3 alínea b) "ex vi" do art" 285°, n° 3, ambos do Código de Processo Penal.

Esta exigência processual é compreensível, pois os poderes de cognição - e, consequentemente, de decisão - do tribunal estão limitados pelo princípio de vinculação temática quanto ao objecto (essencial) do processo, tal como definido na acusação.

Como é sabido, no processo penal está em causa não a verdade formal, mas a verdade material, entendida numa dupla perspectiva: por um lado, trata-se de uma verdade subtraída à influência que, através do seu comportamento processual, a acusação e a defesa queiram exercer sobre ela; por outro, uma verdade que, não sendo absoluta ou ontológica, há-de ser, antes de mais, uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida - cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Princípios gerais de processo penal, 193/4.

No caso em concreto, tal desiderato processual é ainda mais premente, dado tratar-se de um tipo legal de crime de natureza dolosa, ou seja, apenas a conduta dolosa é punida e não, já, a negligente, cfr. art 13° do Código Penal, donde o elemento subjectivo, no que à situação interessa, apenas se pode traduzir no dolo.

Ora, não se encontrando descritos na acusação particular os factos integradores do dolo - como é o caso - a arguida desconhecendo, por um lado o nexo de imputação dos factos, e por outro a modalidade do dolo, que a acusadora tem por subjacente, vê-se impedido de exercer de forma cabal, o seu direito de defesa constitucionalmente consagrado.

Sem a descrição dos factos, não existe objecto idóneo à actividade do Tribunal e da mesma forma, fica o arguido impossibilitado de se defender.

Em face do princípio geral "nulla poena sine culpa" consagrado no art" 13° do Código Penal, fica demonstrada a necessidade, a imprescindibilidade, mesmo, de os elementos integradores da culpa (do dolo, no caso do crime de injúria), para fundamentar a aplicação ao arguido de uma pena.

"Os elementos da culpa são a imputabilidade do agente, a sua actuação dolosa ou negligente e a inexistência de circunstâncias que tornem não exigível outro comportamento" - cfr. Eduardo Correia, in Direito Criminal, I, 322.

Destarte, conclui-se pela necessidade de a acusação dever conter factos que permitam formular um juízo de censura ético-jurídico ao arguido, isto é, factos donde se retire a vontade de realizar um tipo legal conhecendo o agente todas as suas características fácticas objectivas (o dolo como elemento subjectivo constitutivo do tipo legal do crime de injúria).

De volta ao libelo acusatório particular, a assistente apenas referiu de forma genérica o velho chavão: «6 - A arguida actuou livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei».

A assistente não cuidou de à acção, típica e...

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