Acórdão nº 34/16.3GDVFR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução21 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I. Relatório 1.

No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, Juízo 3, e no âmbito do Processo n.º 34/16.3GDVFR, por acórdão de 14.11.2017, foi julgado e condenado, no que releva para o caso, o arguido AA, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de: A - Um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, número 1 do Código Penal, na pena de um ano de prisão (NUIPC 611/15.0GBVFR); B - Um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, número 1, do Código Penal, na pena de nove meses de prisão (NUIPC 34/16.3GDVFR); C - Um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, número 1, do Código Penal, na pena de um ano de prisão (NUIPC 374/15.9GAVFR); D - Um crime de roubo simples, previsto e punido pelo artigo 210.º, número 1, do Código Penal, na pena de três anos de prisão (NUIPC 254/15.8PAVFR); E - Um crime de condução perigosa de veiculo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.º, número 1, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão (NUIPC 34/16.3GDVFR); F – Um crime de burla informática, p. e p. pelo artigo 221.º, número 2, do Código Penal, na pena de um ano e nove meses de prisão (NUIPC 34/16.3GDVFR); G - Um crime de burla qualificada na forma continuada (NUIPC 348/15.0PAVFR; 34/16.3GDVFR e 107/16.2GAVFR), com respeito ao qual foi mantida a pena de quatro anos e dois meses de prisão aplicada no Processo n.º 25/16.4PEPRT do Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia.

Em cúmulo jurídico foi o arguido AA condenado na pena conjunta de 8 (oito) anos de prisão.

Mais foi o arguido AA condenado: H – Na pena de acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 (dois) anos nos termos do artigo 69º, número 1, alínea a), do Código Penal; I – Nas sanções acessórias de: 1. Proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses por cada uma das três contra-ordenações previstas e punidas pelos artigos 145º, número 1, alínea a) e 147º, número 1, do Código da Estrada; 2. Proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses pela contra-‑ordenação prevista e punida pelos artigos 146º, alínea l) e 147º, número 1, do Código da Estrada; 3. Proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses por cada uma das três contra-ordenações revistas e punidas pelos artigos 146º, alínea o) e 147º, número 1, do Código da Estrada.

Em acumulação das sanções acessórias referidas em 1, 2, e 3 de I, foi o arguido AA condenado na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período seguido de 36 (trinta e seis) meses, a contar da data em que recuperar a liberdade, findo o período de reclusão.

  1. Inconformado com esta decisão, o arguido AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: I. O arguido encontra-se integrado na sociedade, e nunca foi este o seu “Modo de Vida”; II. Actualmente encontra-se preso no E. P. P, onde tem uma ocupação laboral e, em simultâneo, encontra-se a completar a sua Segunda formação profissional/ académica; III. Tem dois filhos, sendo que recebe a visita do mais novo, com quem mantem uma ligação próxima.

    IV. Conta, ainda, com o apoio incondicional dos familiares; V. Conseguiu ultrapassar uma base debilitada da sua vida, nomeadamente o falecimento da sua esposa, a desmoronar do seu projecto de vida que era a sua empresa e a toxicodependência, que o levou à prática dos diversos crimes; VI. O presente recurso tem como objecto toda a matéria de Direito do acórdão proferido nos presentes autos que condenou o recorrente em cúmulo jurídica na pena única de 8 (oito) anos de prisão efectiva; VII. Uma vez que se encontram verificados os requisitos para a aplicação do art.º 72º nº 2 alínea c) do C. P., deverá assim aplicar-se o artigo 73º do C. P. e consequentemente ver-se a pena reduzida”.

  2. O recurso foi admitido nos termos constantes do despacho de folhas 1681.

  3. Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido ao motivado e assim concluído pelo recorrente, em resumo, sustentando: “1-Contrariamente ao alegado pelo recorrente, não se verifica a atenuante especial da pena do arrependimento, prevista no art.º 72º n.º 2 al. c) do C. Penal.

    Com efeito, estabelece o citado preceito, no seu n.º 1, que “o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, enumerando no seu n.º 2 algumas daquelas circunstâncias, entre as quais a da al. c), “ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados”.

    Como se refere no Ac. do STJ de 8.5.91, in AJ, n.º 19, proc. 41653/3, citado em anotação ao art.º 72º do Código Penal Português, de Maia Gonçalves, 14ª Edição, 2001, “I - A atenuante do arrependimento sincero a que se refere a al. c) do n.º 2 do art.º 73º do CP” – actual art.º 72º – “verifica-se quando o agente pratica o facto punível mas logo depois arrepende-se e espontaneamente se esforça por impedir ou atenuar as suas consequências, ou antes do julgamento efectua a reparação completa do dano”. “II – Para que a pena possa ser especialmente atenuada, cada um das circunstâncias há-se produzir o efeito previsto: diminuir por forma acentuada a ilicitude ou a culpa”.

    Ora, o facto de o recorrente se ter mostrado arrependido e ressarcido os ofendidos BB e CC, proprietários do estabelecimento denominado “...” mencionado em 26 dos factos provados, como é referido no acórdão recorrido a propósito da medida da pena, não reduz de forma acentuada a ilicitude ou a culpa da sua conduta, nem a necessidade da pena.

    Com efeito, não resulta dos factos provados, nem da prova produzida que o arguido se tenha esforçado, logo após a prática dos factos, por atenuar as consequências dos factos por si praticados, nem de que tenha procurado reparar os danos, tendo apenas ressarcido os ofendidos numa das múltiplas situações em causa nos autos.

    Outrossim, as circunstâncias de se mostrar arrependido e de ter ressarcido os ofendidos numas das situações em causa nos autos, por se tratar de circunstâncias atenuantes “gerais”, foram consideradas na determinação da medida da pena em conformidade com o disposto no art.º 71º n.º 2 do C. Penal, como consta do acórdão recorrido.

    2 – Assim, deve ser negado provimento ao recurso e confirmado o douto acórdão recorrido”.

  4. Admitido o recurso por despacho de 24.01.2018, os autos subiram ao Supremo Tribunal de Justiça onde o Senhor Procurador-Geral-Adjunto, na oportunidade conferida pelo número 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal, pronunciando-se, em síntese, no sentido de não existir fundamento para a pretendida atenuação especial da pena, admitiu a possibilidade de a pena imposta ao arguido vir a situar-se próximo dos 7 anos de prisão na consideração de que tal medida “ … ainda se mostra adequada ao conjunto dos factos, personalidade do arguido e sua projecção nos crimes praticados, respondendo às fortes exigências de prevenção, ou seja, acata os critérios fixados no art.º 77.º do Cód. Penal”.

  5. Por não ter sido requerida a realização de audiência (número 5 do artigo 411º do Código de Processo Penal), os autos foram a “vistos”, seguiram para a conferência, de onde foi tirado o presente acórdão.

    *** II. Fundamentação II.1 ̶ De Facto A matéria de facto dada como assente pelo tribunal recorrido é a seguinte: “1. O arguido AA tem-se dedicado, desde pelo menos o ano de 2014 até Março de 2016, à prática de crimes, nomeadamente, contra o património, na zona norte e centro do país, em especial na área da comarca do Porto e de Aveiro, fazendo desta actividade modo de vida, nomeadamente, para angariar quantias monetárias para prover aos seus sustentos e adições a produtos estupefacientes.

  6. Assim, o arguido AA planeou deslocar-se a estabelecimentos comerciais, nomeadamente de restauração, tendo como objectivo conseguir obter quantias monetárias, usando o estratagema de solicitar a troca de uma suposta nota de €50,00 por outras de menor valor facial.

  7. Para tanto, o arguido AA entraria num estabelecimento onde efectuaria, ao balcão, um pedido de consumo de bebidas e/ou géneros alimentícios e/ou bebidas (tostas mistas, pregos no pão, bebidas e outros) e, enquanto esperava que o pedido fosse aviado, pegava no telemóvel, simulava efectuar uma chamada e falar com alguém (ou entrava já no estabelecimento a falar ao telemóvel) e, no decurso desse telefonema, solicitava à pessoa que o estava a atender, se lhe podia trocar uma nota de €50, por notas de valor inferior, geralmente com o pretexto de as utilizar nas máquinas de venda automática de tabaco ou aludindo à urgência de que precisava de determinada quantia certa para abastecer de combustível a sua viatura automóvel, tudo com vista a levar que aquela pessoa lhe entregasse as notas no valor de €50,00, convencida da seriedade do arguido e que este lhe entregaria em troca, uma nota de €50.

  8. Então, no momento em que a vítima lhe entregasse as notas solicitadas, o arguido AA pegava nelas e, simulando continuar a falar ao telemóvel, dirigir-se-ia em direcção à saída, simulando que se dirigia à máquina de tabaco ou invocaria qualquer outro pretexto convincente, tudo com vista a poder ausentar-se do local sem entregar a suposta nota de €50, que nem chegaria a exibir, entraria rapidamente no veículo automóvel, pondo-se em fuga.

    NUIPC 348/15.0PAVFR (Apenso E) 5. No dia 24 de Setembro de 2015, pelas 18h25, o arguido AA dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado “Café ...”, sito na Rua ....

  9. Entrou a falar ao telemóvel, pedindo a DD, proprietário do referido estabelecimento, que lhe servisse duas tostas mistas.

  10. Durante o tempo de espera, o arguido pediu ao DD que lhe trocasse uma nota de €50,00...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT