Acórdão nº 3131/16.1T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução18 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA intentou ação declarativa com processo comum contra - BB e - CC - Soc. Imobiliária, Lda.

O A. alegou, em síntese, ser o único arrendatário do 2º andar esq. de um prédio urbano situado na R. …, em Lisboa, o qual fora dado de arrendamento em 1941, para o exercício de profissão liberal ou de comércio ou indústria.

Por carta recebida em 7-12-15 a 1ª R., proprietária do referido prédio, comunicou ao A. que iria vendê-lo à ora 2ª R., pelo preço de € 3.450.000,00, estando a escritura marcada para o dia 18-12-15, em escritório notarial que identificou. Uma vez que o A. tinha direito de preferência nos termos do art. 1091º do CC, comunicava-lhe os termos do negócio.

Ora, o A. escreveu à 1ª R., por carta de 14-12-15, exercendo o direito de preferência. Sucede que no dia e local aprazado para a realização da escritura a 1ª R., através do seu procurador, se recusou a reconhecer o direito do A., tendo celebrado a escritura de compra e venda com a ora 2ª R.

Em virtude dessa atuação o A. sofreu um prejuízo de € 3.577,84, correspondente a 80% dos honorários da senhora notária pela elaboração da escritura não concretizada e emissão de certificado de não outorga da escritura.

O A. terminou formulando o seguinte pedido: a) Que se reconheça ao A. o direito de preferência sobre o prédio sito na R. …, nºs … a …, freguesia de Santa Maria Maior, em Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial sob o art. 1380 e descrito na CRP de Lisboa sob o nº 1…7 da freguesia de São Nicolau, substituindo-se à 2ª R. na escritura de compra e venda, mencionada no artigo 13º da p. i.; b) Que sejam as RR. condenadas a entregar o referido prédio ao A., livre e desocupado, tal qual resulta da escritura pública, sem prejuízo dos contratos de arrendamento eventualmente existentes e em vigor à data; c) Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que a 1ª ou 2ª R., vendedora e compradora, respetivamente, hajam feito a seu favor ou a favor de terceiros, nomeadamente pela 2ª R. em consequência da compra do referido prédio, designadamente o constante da apresentação nº 2818, de 18-12-15, bem como quaisquer outros que esta ou terceiros venham a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem; d) Que seja a 1ª R. condenada a liquidar ao A. o montante de € 3.577,84, correspondente às despesas em que aquele incorreu pelo incumprimento da mesma e que correspondem a 80% dos honorários devidos à Notária pela não celebração do ato de compra e venda, e ainda pela obtenção do certificado de não outorga da escritura, com juros de mora à taxa legal aplicável desde a data da citação da 1ª R. até integral e efetivo pagamento.

Em 15-2-16 o A. juntou aos autos comprovativo do depósito, a favor do Estado, da quantia de € 3.450.000,00, efetuado por CC, S.A.

., e DD - Imobiliária, S.A.

.

As RR. contestaram a ação separadamente, mas em termos idênticos, negando o direito de preferência reclamado pelo A., e arguiram, a título de exceção, a caducidade decorrente de não ter sido ele, mas outrem, a depositar o preço e bem assim a omissão do pagamento de IMI e imposto de selo. Alegaram ainda que o A. age em abuso de direito, atenta a desproporção existente entre o valor da divisão arrendada e a totalidade do prédio.

As RR. concluíram pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido.

A convite do tribunal o A. respondeu às exceções, pugnando pela sua improcedência.

Realizou-se audiência prévia e foi proferido saneador-sentença, no qual foi julgada improcedente a ação e absolvidas as RR. RR. dos pedidos.

O A. apelou da sentença e a Relação julgou parcialmente procedente a apelação, embora com um voto de vencido, condenando a 1ª R. apenas no pagamento da quantia de € 3.577,84, com juros de mora nos termos pedidos.

Recorreu o A., suscitando-se as seguintes questões essenciais: - Existe ou não direito de preferência num caso em que o contrato de arrendamento urbano incide sobre uma parte de prédio urbano que não está constituído em regime de propriedade horizontal? - O facto de o proprietário do prédio ter comunicado ao arrendatário de parte não autónoma o projeto de venda e de este ter declarado que pretendia exercer a preferência releva para efeitos de se atribuir consistência ao direito legal de preferência, na medida em que traduz violação do princípio da confiança gerado por aquela comunicação? Houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Matéria de facto: 1. Por escritura pública outorgada em 11-11-41, lavrada no Cartório de EE, a fls. 66 vº do livro de notas nº 296-C, FF e seu marido GG deram de arrendamento a HH, II e JJ, o 2º andar Esq. do prédio urbano sito na R. …, nº …, Lisboa, freguesia de Santa Maria Maior (anteriormente S. Nicolau), inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art. 1…0 (anteriormente 1…5).

  1. Ficou estipulado que o arrendamento teria o prazo de 8 meses, a contar de 1-1-41, supondo-se sucessivamente renovado por períodos de 6 meses, nos termos da legislação então em vigor (cláus. 1ª do contrato cuja cópia se encontra junta a fls. 12 a 25).

  2. Foi ainda contratualmente fixado que a renda mensal seria de € 3,49 (anteriormente 700$00), devendo ser paga sempre antecipadamente, ao 1º dia útil do mês anterior aquele a que dissesse respeito (cláus. 2ª).

  3. O uso do locado em causa seria para escritório de qualquer profissão liberal ou de qualquer comércio ou indústria (cláus. 3ª).

  4. O A. por via da renúncia à respetiva posição contratual de HH e JJ, e por ter sucedido na posição contratual de II, é o atual e único arrendatário do sobredito local arrendado.

  5. Encontra-se registada a propriedade da 1ª R., em virtude da partilha registada sob a Ap. 1 de 15.05.1978, ¼ do prédio sito na R. …, nºs …, …, …, …, …, … e …, de Lisboa, freguesia de Santa Maria Maior (anteriormente S. Nicolau), inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art. 1…0 (anteriormente 1…5) – cf. certidão junta a fls. 26 a 28.

  6. Encontra-se registada pelas Ap. 4 e 7, a aquisição pela 1ª dos ¼ e ½ restante do referido imóvel, em 29-7-86 e 26/07/1988, respetivamente, imóvel que não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal e é composto por lojas, 5 andares e sótão, com lados direito e esquerdo.

  7. Por carta de 7-12-15, rececionada nessa mesma data, enviada pela 1ª R. ao A., a mesma informou o A. da intenção de vender à 2ª R. o prédio urbano sito na R. …, nºs … a …, supra descrito, nos termos constantes do doc. de fls. 29 a 31.

  8. Nessa mesma comunicação, o mandatário da R. deu conhecer que: (…) As condições de venda são as seguintes: I. O preço da venda é de € 3.450.000,00 (três milhões quatrocentos e cinquenta mil euros) a pagar no ato de celebração do contrato definitivo de compra e venda.

    1. O prédio será vendido livre de ónus ou encargos.

    2. As despesas com IMT, escritura e registo de transmissão a favor do comprador ficam a cargo deste.

    3. Encontram-se atualmente desocupados os seguintes andares: 2º direito, 3º esquerdo, 4º esquerdo, 5º esquerdo e mansardas.

    4. O prédio é vendido no estado de conservação em que se encontra.

    5. Fica anexa à presente notificação a seguinte documentação: (….) A escritura será celebrada no dia 18 de Dezembro de 2015, às 12:00 horas, no Cartório Notarial da Notária KK, sito em Lisboa, na Av. …, nº …, 1º esquerdo. Na medida em que, nos termos do art. 1091º do Código Civil, V. Exa. enquanto inquilino, tem direito de preferência relativamente à venda acima referida, venho pela presente comunicar os termos do projetado negócio.”.

  9. Na mesma carta constam identificados no ponto VI os arrendamentos existentes no prédio, em número de 9, além do A.

  10. O A. por carta datada de 14-12-15, cuja cópia se encontra junta a fls. 32 e 33, veio exercer o seu direito de preferência, tendo assim reportado, além do mais, que: «(…) No que concerne à comunicação para o exercício do direito de preferência na alienação do prédio propriedade da sua constituinte D. BB, sito na Rua …, números … a …, freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 1…0 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 1…7 da freguesia de São Nicolau, de cujo 2º esquerdo sou arrendatário, sou pela presente missiva a informar que pretendo exercer o direito de preferência na aquisição do referido imóvel.

    Exercido que está o direito de preferência e obedecendo a compra e venda aos tempos, preço, prazos e condições referidas na vossa missiva de 07 de Dezembro de 2015, solicito o envio no máximo até ao dia 17 de Dezembro de 2015, dos seguintes documentos: Certidão do registo predial; Caderneta predial urbana; Certificado energético; Licença de utilização ou comprovativo da sua dispensa por se tratar de prédio com construção anterior a 07 de Agosto de 1951; Cópia dos últimos recibos de renda e das últimas cartas de atualização de renda; Face ao exposto, aguardamos o envio dos documentos solicitados, dentro do prazo definido para o efeito, sendo que no dia 18 de Dezembro de 2015 às 12h estarei no Cartório Notarial de KK para a outorga da escritura pública de compra e venda. Mais solicito, que, para efeitos de liquidação de IMT e de IS me remetam a seguinte informação: - Identificação da proprietária, onde se inclui o NIF; - Estado Civil; - Se casada o regime de casamento e o NIF do cônjuge; Uma vez que a escritura é já dia 18 de Dezembro de 2015, solicito que o envio dos documentos supra referidos seja feito para o seguinte endereço de e-mail: …@gmail.com.».

  11. A 1ª R não respondeu à comunicação do A. de 14-12-15.

  12. Por escritura pública de compra e venda de 18-12-15, exarada no Cart. da Notária KK, a fls. 115 a 117 vº, do livro de notas nº 100, a aqui 1ª R., representada por procuradora substabelecida, vendeu à 2ª R., pelo preço de € 3.450.000,00, o prédio urbano supra identificado (cfr. doc. de fls. 39 a 46).

  13. Na mesma data e hora agendadas para a escritura referida, o A. encontrava-se no Cart. Not. de KK, com vista a celebrar...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT