Acórdão nº 23839/15.8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelPAULO DE SÁ
Data da Resolução16 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – 1. AA propôs, contra BB (SGPS), SA, anteriormente designada CC (SGPS), SA, DD (Portugal), SA, EE, SA, FF, SA, GG, SA, e HH, acção com processo comum, distribuída à comarca de Lisboa – Instância Central, pedindo a condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia de € 1.540.000, acrescida de juros, à taxa legal, alegadamente devida, nos termos de acordo celebrado, na sequência da cessação das funções desempenhadas pelo A. em empresas do Grupo II.

Contestaram todos os RR, impugnando a responsabilidade a cada qual imputada, concluindo pela improcedência da acção.

Efectuado julgamento, foi proferida sentença, na qual, considerando-se a acção parcialmente procedente, se condenou o R. HH a pagar ao A. a quantia peticionada, absolvendo-se as demais RR. do pedido.

Inconformado, veio aquele R. interpor recurso de apelação, tendo apresentado as respectivas alegações.

Em contra-alegações, pronunciou-se o A. pela confirmação do julgado.

A Relação veio a conceder provimento ao recurso, alterando a decisão recorrida e, julgando a acção, quanto a ele, improcedente, absolveu do pedido o R. apelante.

De tal acórdão, veio o A. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido como tal.

O recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: Da nulidade do Acórdão recorrido 1.

O objecto do litígio da presente acção, definido pela primeira instância, é o seguinte: "Na presente acção pretende apurar-se se ao A. assiste o direito de ser pago das quantias previstas no "Acordo de Revogação" pelos réus por incumprimento contratual".

  1. Este objecto processual foi aceite pelas partes e não foi alterado no decurso do presente processo, mantendo-se válido.

  2. Em primeira instância foi proferida Sentença que julgou parcialmente procedente a acção, com a absolvição das rés sociedades do pedido e com a condenação do ré HH.

  3. A primeira instância, em face dos factos dados como provados, entendeu que "O primitivo devedor" da quantia em dívida e reclamada é o réu HH, que foi quem contratou com o autor o contrato de prestação de serviços por força do qual aquele exerceu funções em sociedades do grupo "CES", designadamente, junto das sociedades Rés, e quem negociou e acordou com o autor as condições de cessação daquele contrato." 5.

    O réu II interpôs recurso, impugnando parte da matéria de facto, provada e não provada, alegando ainda que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade, das obrigações constantes do Acordo de Revogação, porque não assumiu qualquer responsabilidade no objecto do presente litígio.

  4. Após uma alteração cirúrgica e sem imediação, da matéria de facto, o Tribunal da Relação de Lisboa, muito sucintamente e com parca fundamentação, decide alterar a decisão recorrida e absolver o réu II do pedido.

  5. Não se conforma o autor com esta decisão, que não coloca em causa a construção jurídica da primeira instância e que omite por completo uma decisão sobre a identificação do "devedor primitivo" da assunção de dívida.

  6. No nosso sistema processual continua a vigorar o "modelo do recurso de substituição" e não o "sistema de cassação".

  7. O Tribunal de recurso tem o poder de sobrestar sobre a totalidade da Sentença proferida, revogando-a e substituindo-a por forma a adequar uma decisão ao caso concreto.

  8. Assim, com o modelo de substituição, o Tribunal de recurso passa a conhecer do mérito da causa, para se conseguir alcançar a justiça do caso concreto e não somente a justiça parcial, como ocorreu no Acórdão-recorrido, com a absolvição do réu II.

  9. O Tribunal da Relação, com a absolvição do réu II tinha de conhecer sobre a responsabilidade das sociedades rés, mesmo que fosse para as absolver (o que seria um contra-senso).

  10. De facto, considerando que a sociedade luxemburguesa assumiu uma dívida que não era sua, tem de haver um devedor primitivo ou principal.

  11. No Acordo de Revogação, dos presentes autos, não houve liberação do credor primitivo, pelo que estamos perante uma assunção de dívida cumulativa.

  12. Pelo Acordo de Revogação a sociedade luxemburguesa constituiu-se, em princípio, como assuntor da dívida e, em face das circunstâncias, tinha o Tribunal de identificar o devedor principal: as rés sociedades e/ou o réu II.

  13. Tendo em consideração todos os factos e circunstâncias conhecidos, não há mais possibilidades de devedores primitivos: ou são as sociedades rés ou é o réu II. Não há um terceiro, nem quarto devedor primitivo.

  14. Assim, no que diz respeito à matéria de facto, existem no processo todos os elementos para se apurar quem é o devedor primitivo, da obrigação decorrente do Acordo de Revogação. Não há neste processo um "non liquet" no que diz respeito à matéria de facto.

    Não havendo um terceiro, nem quarto devedores primitivos e se o Tribunal da Relação, considerou que o réu II não é o devedor primitivo, então, teria de condenar as rés sociedades como devedoras primitivas, exactamente porque a absolvição do 6° réu implica a condenação das sociedades rés.

  15. A absolvição do réu II prejudica inelutavelmente a absolvição das sociedades rés.

  16. Com a sua decisão, o Tribunal da Relação estava obrigado a sobrestar no processo, devia ter considerado revogada a totalidade da Sentença e a decidir sobre a totalidade do mérito da causa.

  17. O Tribunal da Relação, ao absolver o réu II e ao manter a absolvição das rés sociedades, perpetrou um "non liquet" de Direito (abstenção de pronúncia), o que, salvo melhor opinião, não é admissível, porque consubstancia uma situação de denegação de justiça e a violação do direito a uma tutela judicial efectiva.

  18. Ao não decidir sobre a responsabilidade das rés sociedades, o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre uma questão que tinha de apreciar, sendo o Acórdão nulo por força da alínea d), do nº 1 do artº 615º, do CPC.

  19. O direito de garantia de acesso aos tribunais implica que seja proferida uma decisão sobre a pretensão deduzida, ou seja, que o Tribunal aprecie a questão suscitada como um todo e que profira uma decisão completa.

  20. A decisão de absolvição do réu II prejudica a decisão de absolvição das rés sociedades, pelo que o Tribunal da Relação tinha de apreciar a responsabilidade destas e condená-las no pagamento ao autor (não há outros devedores primitivos).

  21. Na verdade, nada obsta a que o Tribunal da Relação conheça da responsabilidade das rés sociedades, antes pelo contrário, tinha mesmo de conhecer sobre essa responsabilidade, considerando que tinha e tem poderes para o fazer, por sobrestar na totalidade no processo e ter poderes para declarar revogada a totalidade da Sentença.

  22. Com esta sua decisão o Tribunal recorrido violou o nº 2, do artº 684º, do CPC, bem como o artº 6º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e ainda os art°s. 20º, 202º/2, 209º/1/ a) e 210/ /1/5, todos da Constituição da República Portuguesa.

  23. E a violação do artº 6º, da CEDH, decorre da violação do direito ao exame da causa, ou seja, por estarem definidos todos os factos o Tribunal de Recurso tem o dever de apreciar na sua totalidade a questão de Direito, incluindo a responsabilidade das sociedades rés, o que não logrou fazer e se absteve de concretizar.

  24. Por sua vez, a violação da Constituição decorre da violação de um "duplo e pleno julgamento, por dois tribunais diferentes ou de hierarquia diferente (dentro da mesma ordem jurisdicional" porque, apesar de não previsto constitucionalmente o duplo grau de jurisdição, a verdade é que, nos casos em que o mesmo é admitido, tem de se considerar como uma emanação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, porque este "é implicitamente reconhecido pela admissibilidade de tribunais de recurso em dois sucessivos graus hierárquicos na ordem jurisdicional comum" (Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, Almedina, págs. 389 e 390).

  25. Procedendo a nulidade agora invocada, deve o processo baixar ao Tribunal da Relação, para se fazer a reforma do Acórdão recorrido, por força do nº 2, do artº 684º, do CPC, devendo o Tribunal da Relação cumprir o previsto no nº 3, do artº 665º, do CPC.

    Sobre a nulidade da alteração da matéria de facto 28.

    O Tribunal da Relação de forma cirúrgica alterou três factos da matéria de facto provada, retirando o cariz pessoal do réu II na sua relação com o autor.

  26. Nos factos 1. e 9. o Acórdão recorrido elimina o advérbio "pessoalmente" e no facto 3. elimina o modo verbal "decidida".

  27. Para tanto, o Tribunal da Relação entendeu que "não resulta, nomeadamente, dos depoimentos prestados, haja revestido natureza pessoal a intervenção do apelante, quer no convite ao apelado para colaborar na administração das empresas do CES e na atribuição das remunerações respectivas, quer nas negociações referentes às condições da cessação dessa colaboração".

  28. Na Sentença, e no que diz respeito a estes factos consta da respectiva fundamentação razões mais substanciais, temperadas com o princípio da imediação.

  29. No que diz respeito aos factos 1 e 9 a fundamentação da Sentença e do Acórdão recorrido é exactamente a mesma: as declarações de parte do autor e do réu II. Só há alteração do sentido que cada Tribunal extrai dessas declarações.

  30. No entanto, no que diz respeito ao facto provado nº 3, a Sentença é muito mais explícita na sua fundamentação, porque transcreve depoimentos de testemunhas indicadas pelo próprio réu II.

  31. Por força do previsto no nº 3, do artº 675º, do CPC, a apreciação da matéria de facto não é susceptível de recurso de revista, salvo se ocorrer desrespeito de uma disposição legal sobre a força probatória dos meios de prova.

  32. O Tribunal da Relação não fundamentou devidamente a alteração dos factos provados 1,3 e 9, fazendo uma profissão de fé e usando uma forma conclusiva, insuficiente para um Tribunal que não teve a imediação da prova.

  33. A falta de fundamentação, bem como a deficiente fundamentação, por contraposição com a fundamentação da Sentença e com a imediação da Juiz da primeira instância, implica a...

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