Acórdão nº 24554/15.8T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelSOUSA LAMEIRA
Data da Resolução11 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO l.

Vidreira AA, Lda e BB - Construção Civil e Obras Públicas, Lda intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra CC Portugal, Lda alegando: As autoras incumbiram a ré de fazer o transporte aéreo de Portugal para o Brasil dos produtos e mercadorias que estariam em exposição na Feira Internacional a realizar entre 5 a 8 de maio de 2015, em Fortaleza, Estado do Ceará Brasil, como contrapartida do pagamento de €5.252,00 (incluindo o transporte e a taxa de combustível), acrescido de €36,00 (despacho de exportação).

A ré comprometeu-se a entregar as mercadorias no prazo máximo de cinco dias, em aditamento ao tempo de trânsito (três a quatro dias úteis).

Por descuido da ré, a mercadoria só chegou ao destino em 14/05/2015, o que deu azo aos prejuízos, bem como à perda de benefícios futuros no valor peticionado.

Concluem pedindo Pedido Condenação da ré a pagar às autoras: a) € 70,828,00 a título de prejuízos (directos); b) € 78,615,00 a título de danos e prejuízos relacionados com benefícios que as autoras deixaram de obter em consequência do incumprimento da ré; c) Acrescidas, as quantias referidas nas alíneas a) e b) anteriores, de juros, de mora à taxa legal em vigor, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento; d) Relegar-se para decisão ulterior, a fixação de indemnização quanto aos danos futuros, por ora não determináveis (artigos 76º e 77º da PI).

  1. A Ré citada contestou, defendendo-se por impugnação, alegando, em suma, que o serviço foi prestado em conformidade com o acordado em função da informação veiculada pela 1.ª autora, cumprindo os trâmites legais e procedimentais, e só não foi concretizado atempadamente, por razões às quais a ré é totalmente alheia.

    Conclui pedindo a sua absolvição do pedido.

  2. Foi proferido despacho saneador stricto sensu; fixado o valor da causa; o objecto do litígio e os temas da prova (fls. 207 a 209).

    Realizado o julgamento foi proferida sentença em 28/06/2017 (Ref.ª 366265326- fls. 284-304), cuja parte dispositiva tem o seguinte teor: «Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente por provada em parte e, consequentemente: A. Condeno a ré a pagar às autoras, a título de indemnização o valor global de € 66.603,00 (sessenta e seis mil seiscentos e três euros), acrescido de juros de mora contados a partir da citação, vencidos e vincendos à taxa legal comercial, por ora de 7%.

    1. Absolvo a ré do demais peticionado.

    Custas a cargo da ré e das autoras na proporção da sucumbência (art.º 527.º/1/2 do C.P. Civil).».

  3. Inconformada a Ré CC interpôs recurso de apelação, para o Tribunal da Relação do …, que, por Acórdão, decidiu julgar «procedente a apelação, e consequentemente: a) - Revogam a sentença na parte em que condenou a ré a pagar às autoras a indemnização global de € 66.603,00, condenando-a, outrossim, no pagamento de 17 direitos de saque especiais por quilograma, sendo de considerar 1.250 Kg, a calcular em euros, em conformidade com o método de valoração aplicado pelo Fundo Monetário Internacional para as suas próprias operações e transações, à data da sentença (28/06/2017), valor a apurar em sede de liquidação de sentença; b) - Revogam a sentença na parte em que condenou a ré no pagamento de juros moratórios comerciais, à taxa de 7%, e condenam as rés a pagarem à autora juros de mora (civis) à taxa de anual de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

    Custas nos termos sobreditos».

    5.

    As Autoras Vidreira AA, Lda., e BB – Construção Civil e Obras Públicas, Lda., interpuseram Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam as seguintes conclusões: 1.

    Não tem razão o Acórdão recorrido proferido em 13-3-2018, pelo Tribunal da Relação de … ora em crise, ao revogar a decisão da 1ª instância e condenando, outrossim, a Ré a pagar às AA., no pagamento de 17 direitos de saque especiais por quilograma, sendo de considerar 1.250,kg., a calcular em euros, em conformidade com o método de valoração aplicado pelo FMI para as suas próprias operações e transacções, á data da sentença (28-6-2017), valor a apurar em sede liquidação de sentença, 2.

    Como também, não tem razão, o Acórdão recorrido ao revogar a decisão da sentença da 1ª instância na parte em que esta condenou a Ré no pagamento às AA. de juros moratórios comerciais, á taxa de 7%, condenando, outrossim, a Ré a pagar ás AA., os juros de mora civis, á taxa de 4% até integral pagamento, 3.

    O Acórdão recorrido não censura nem fez qualquer reparo ou põe em crise, que os danos sobrevindos às AA., são imputáveis á conduta da Ré, não tendo esta logrado provar, como lhe competia, que ela e os seus trabalhadores, adoptaram todas as medidas que poderiam ser exigidas para evitar o dano ou que lhes era impossível adoptar tais medidas, 4.

    A questão decidenda prende-se com a determinação do valor da Indemnização, aplicação do direito interno português (regras de cumprimento defeituoso e fixação da indemnização á luz das normas respectivas do Código Civil Português como se decidiu em 1ª instancia) ou, pela aplicação do Regime Instituído pela Convenção de Montreal como resultou da decisão constante do Acórdão Recorrido, 5.

    A interpretação constante do acórdão recorrido, quanto á determinação do valor da indemnização por excessivamente simplista e redutora, não consubstanciou uma correta determinação do valor da indemnização, por total indefinição concreta do dano (conceito “abstracto” contido na convenção de Montreal), 6.

    Não é definido no Acórdão recorrido o que seja “ Atraso Relevante “, para efeitos de responsabilização do transportador que, “in casu” sempre seria o de “Atraso na chegada” porque, só nesta, se cumpriria o contratado entre as partes, sendo que esta solução viria expressamente a ser consagrada na Proposta de Novo Regulamento Europeu e do Conselho que irá rever e unificar os regulamentos U.E. nº 261/2004 e 2027/97, 7.

    A sintética expressão de “ no transporte aéreo” constante da convenção de Montreal (artº 19), do período de transporte relevante para a responsabilidade por atraso e, no facto da indemnização dever ser calculada no destino final, fizeram com que a doutrina e jurisprudência, nesta matéria especifica, viesse a pressupor sempre, na definição de Dano, a amplitude deste (danos emergentes e lucros cessantes) ou a natureza diferente (patrimonial, moral e corporal), mas sempre (todas) como um Dano, 8.

    No plano dos princípios, nada justifica que se interprete o dano, referido em 19º da convenção de Montreal, limitado, quanto á sua amplitude ou quanto á sua Natureza, 9.

    Pelo contrário no próprio sistema estabelecido pela convenção, tal limitação não se justifica: Primeiro porque os limites estabelecidos por esta são diminutos. Depois, porque quando tais limites não funcionam, o dolo ou a negligência consciente ou grave, não justificam quaisquer limitações de responsabilidade do transportador. Por fim, no contexto comunitário é consensual que os longos atrasos, causadores de danos, pela sua gravidade, merecem tutela do direito (Regulamento U.E nº 261/2004) donde, nem a limitação aos danos patrimoniais é uma conclusão fundamentada e exclusiva do regime decorrente da Convenção de Montreal (artº 19º), 10.

    Nem a Convenção de Montreal, nem o Regulamento U.E. nº 261/2004 definem o que seja o Dano, para efeito de responsabilidade civil do transportador aéreo por atraso (o artº 19º da convenção de Montreal apenas diz que tem de ser “dano resultante de atraso”, ou seja dano causado por atraso), 11.

    Não tendo a convenção de Montreal definido o dano, essa determinação não cai no âmbito da sua exclusividade: cabe, em cada caso concreto, á Lei Nacional aplicável, segundo o Direito Internacional Privado (no caso concreto, a Lei Portuguesa), tal como interpretado pela respectiva Jurisprudência; 12.

    Os prejuízos sofridos, em consequência do atraso em causa nestes autos, já se encontram provados em sede de Factos Provados, no acórdão recorrido que, nesta parte, não censurou a sentença da 1ª instância, 13.

    Os danos indemnizáveis e o seu cálculo, já os AA.- recorrentes os provaram, bem como o nexo de causalidade adequada entre o dano e o atraso, como já provaram o valor do dano causado pelo atraso, 14.

    Feita esta prova da Ré ora recorrida é responsável e deve indemnizar as AA., do valor do dano bem como sendo este superior aos limites estabelecidos na citada convenção porquanto, 15.

    A Ré-recorrida, não provou, que adoptou as medidas razoavelmente exigidas para evitar ao atraso e os danos dele decorrentes ou que lhe era impossível adoptar tais medidas ou de que o atraso resultasse exclusivamente da acção ou omissão das AA.. Mais, 16.

    Provado ficou que, a Ré e os seus trabalhadores ou agentes em funções provocaram o atraso com dolo, ainda que eventual, ou com negligência consciente, grave e indesculpável, daí que a responsabilidade da transportadora (Ré) não terá limites e deverá indemnizar integralmente o dano provado; 17.

    A Jurisprudência da U.E. (TJUE) vem decidindo que, neste âmbito, a indemnização deve abranger danos patrimoniais e não patrimoniais e, de que, nada há na Convenção de Montreal a indicar que os Estados partes quiseram atribuir um sentido ou significado especial ao conceito de “DANO” no...

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