Acórdão nº 376/04.0TBVPA.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelROSA RIBEIRO COELHO
Data da Resolução04 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I - Em representação do Estado, o Ministério Público propôs contra a Assembleia de Compartes de AA, representada pelo Conselho Diretivo dos Baldios de AA, uma ação declarativa, onde pede que se declare que a parcela onde se encontra implantada a casa florestal nº B-95 é propriedade do Estado Português, condenando-se a ré a reconhecer esse direito de propriedade.

Alegou, em síntese nossa, que: - na freguesia de …, concelho de Vila Pouca de Aguiar, há uma área florestal de baldio, gerida em regime de associação pelo Estado/Direção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes e por aquele Conselho Diretivo; - nesse baldio foi construída pelo Estado em data anterior a 1958 e está implantada a casa florestal nº B-95, com anexos e logradouro, inscrita a favor do Estado na matriz predial urbana daquela freguesia sob o art. 824; - destinava-se esta casa a servir de habitação aos guardas florestais, que tinham a missão de fazer serviço de polícia nas matas do Estado, vigiando a área florestal a seu cargo, tendo por esses guardas sido habitada, conservada e limpa desde 1958, pelo menos, até 1997; - estando na titularidade do Estado, aquela casa não foi abrangida pela devolução de baldios estabelecida no art. 3º do DL nº 40/76, de 19.1, tendo ficado afetada a fins de interesse e utilidade pública implicados no regime florestal.

A ré contestou, pedindo a absolvição do pedido e defendendo, em resumo, que: a) apesar de serem administrados pelo Estado, os baldios sujeitos ao regime florestal a que se refere a Lei nº 1971, de 16.6.38 continuaram a pertencer aos povos a que estavam afetos; b) o Estado realizou no mencionado baldio um projeto de arborização, cujos lucros líquidos foram divididos entre ele, a Câmara Municipal de V…, sem prejuízo de os povos titulares do baldio exercerem sobre o mesmo atos de aproveitamento, nomeadamente quanto a algumas lenhas, pastos, limpeza e águas; c) após a devolução a que procedeu o DL nº 39/76, os compartes do mesmo baldio deliberaram a instituição do regime de associação com o Estado, sendo os resultados da exploração repartidos na proporção de 40% para o Estado e de 60% para os compartes.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, fixando a matéria de facto provada, julgou a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido.

Apelou o Estado, tendo a Relação de … proferido acórdão que, revogando a sentença, reconheceu o direito de propriedade do Estado Português sobre a parcela de terreno onde está implantada a casa florestal nº B-95.

Agora inconformada, a ré interpôs recurso de revista, pedindo a revogação daquele aresto e a improcedência do pedido do autor, formulando, para tanto, as conclusões que passamos a transcrever: 1ª – O pedido, formulado pelo Autor, de declaração e reconhecimento, pela Ré, do direito de propriedade do Estado da parcela de terreno baldio, onde se encontra implantada a casa florestal B-95, enquadra-se no âmbito da acção de reivindicação de direitos reais, nomeadamente no âmbito da acção de reivindicação do direito propriedade, sobre bem imóvel.

  1. – Aquele que reivindica o direito de propriedade, de um bem, tem que alegar, e provar, factos que consubstanciem e demonstrem a aquisição do referido direito de propriedade, por uma das formas previstas na lei, competindo-lhe, deste modo, o ónus da prova. (artigo 342º CC).

  2. – Na presente acção o Estado Português vem reivindicar o direito de propriedade da parcela de terreno baldio, onde se encontra implantada a casa florestal B-95, e alega, como causa de pedir, que a referida parcela de terreno baldio, onde se encontra implantada a casa florestal B-95, é uma parcela de baldio submetido ao regime florestal do perímetro do Alvão – por força do disposto no Diário do Governo nº 07, II série, de 14 de Outubro de 1944 – situada na freguesia de …, concelho de Vila Pouca de Aguiar, gerido pelo estado Português em associação com o Conselho Directivo dos Baldios de AA.

    (artigos 1º, 3º, 4º e 8º da pi) 4ª – Que a referida casa foi construída pelo Estado Português, em data anterior a 1958, e que se destinava a servir de habitação aos guardas florestais, que diligenciavam pela sua conservação e limpeza, que tinham como missão fazer serviço de polícia nas matas do Estado e vigiar de dia e de noite a área florestal a seu cargo, e que foi habitada desde pelo menos 1958 até 1997.

    (artigos 7º, 9º, 10º, 11º e 12º da pi) 5ª Ora a causa de pedir, constante da petição inicial, é manifestamente insuficiente, para que possa ser reconhecido ao Estado o direito de propriedade da parcela de terreno baldio objecto dos autos, quer por via da aquisição originária, vulgo, usucapião, que aliás nem sequer foi invocada, quer por via da acessão industrial imobiliária, que também não se mostra invocada na petição inicial.

  3. – O douto acórdão recorrido viola os artigos 342º e 1316º do Código Civil.

  4. – Resta assim, saber se a referida parcela de terreno baldio, onde foi implantada a casa florestal B-95, bem como o respectivo logradouro, ficou exceptuada da devolução do restante baldio ao uso e fruição da Ré.

  5. – É verdade que sobre esta questão a jurisprudência se tem dividido.

    - No sentido de que a parcela de terreno baldio onde foi construída uma casa florestal não passa a pertencer ao estado, o AC. RP de 23/3/06, www.dgsi.pt/jtrp, processo nº 0630356; o AC., do Tribunal da Relação de …, nº 2068/07-2 de 29/11/07.

    - Em sentido contrário, o AC. da RP de 22/2/05, www.dgsi.pt/jtrp, processo nº 0426749, o Ac. do STJ de 15-09-2011.

  6. – A Lei do povoamento florestal, Lei nº 1971 de 15/6/38, nomeadamente: - A Base I, estabelece que os baldios reconhecidos como mais próprios para a cultura florestal do que para qualquer outro fim, seriam arborizados pelos corpos administrativos ou pelo estado.

    - A Base VI, refere que os terrenos baldios, depois de submetidos ao regime florestal, entram na posse dos serviços à medida que forem arborizados ou a contar da respectiva notificação.

    - A Base VII, refere que os trabalhos construções e outras obras, serão executadas pelo Estado, se os corpos administrativos não possuírem recursos para isso, nem comparticiparem nas despesas, em conformidade com os projectos definitivos.

  7. – “A construção das casas florestais e dos postos de vigia inseria-se no projecto de florestação, como parte de um todo não cindível, tendo em vista o objectivo visado, a arborização do baldio e providenciar a guarda e vigia das florestas.

  8. – O Estado ao intervir nos baldios, tendo em vista o florestamento, assumiu para si, em atenção a tal fim, o ónus de por si proceder às construções necessárias ao florestamento, em que as casas se inserem, como consta da Base VII e VIII da supra citada Lei.

  9. – Fê-lo contudo sem transferência de propriedade, como resulta da Base VI, reservando-se tão somente a posse dos terrenos, através dos correspondentes serviços, o que constitui aliás a essência do regime florestal parcial, mantendo-se os terrenos na “titularidade” dos respectivos “donos” – municípios, freguesias, associações, estabelecimentos pios, particulares, etc.

    “O Decreto que submeteu o baldio ao regime florestal parcial não constitui qualquer acto de alienação do direito de propriedade respectivo a favor do Estado” Ac. RP de 23/3/06, www.dgsi.pt/jtrp, processo nº 0630356.

  10. – Tanto assim é que o § único do artigo 403º do Cod. Adm. garante aos compartes determinados aproveitamentos.

    As Bases IV e XVI da lei nº 1971 mandam ter em atenção determinados interesses dos povos do concelho ou freguesia a que pertencem os baldios.

    As Bases X e XI da citada Lei estabelecem o modo de dividir os rendimentos das matas e florestas, assentando o critério no pressuposto da manutenção do direito de propriedade no originário detentor.

    O Estado baseia o seu pedido na Base VI, mas esta não atribui qualquer direito de propriedade.

  11. – A posse que a Base VI implica, em função do interesse público associado à florestação, não pode ver-se como “afectação do baldio à utilidade pública”, enquanto forma de aquisição do domínio, pois tal circunstância é contrariado por todo o regime traçado na lei.

    Por outro lado, o que se declara de interesse público é o “regime florestal” e não o solo do baldio.

    Mas, ainda que se concluísse de tal modo, sempre teria ocorrido desafectação.

  12. – A propósito o AC., do Tribunal da Relação de ...., nº 2068/07-2 de 29/11/07, onde se refere: “… Sucede que, mesmo que a referida Base VI da Lei nº 1971 possa conduzir à tal “afectação” enquanto meio administrativo de aquisição da dominialidade pública – o que nem sequer se concede – o facto é que, tal como a administração tem o poder de “afectar”, também tem o poder de “desafectar”.

  13. – Diz a respeito da “desafectação”, Marcello Caetano, obra citada, p 956: “A dominialidade cessa por virtude do desaparecimento da coisa, ou em consequência do desaparecimento da utilidade pública que as coisas prestavam, ou de surgir um fim de interesse geral que seja mais convenientemente preenchido noutro regime”.

  14. – O Estado invoca sobre a parcela um direito de propriedade de natureza privada. O direito do Estado não se configura no entanto com as características plasmadas no artigo 1305º do CC, nos termos do qual o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas – Dominium est jus utendi fruendo et abutendi re sua quatenus júris ratio patitur -, nem em qualquer figura de domínio público, cabendo-lhe apenas a posse e posse limitada aos fins exclusivos para a qual foi concedido conforme Lei nº 1971 e Dec. de 12/5/44.

  15. – Repare-se que ao longo do tempo, divergindo-se embora na doutrina e na jurisprudência quanto à natureza do “direito de propriedade” alusivo ao baldio, e quanto à sua titularidade, certo é que nunca a propriedade desta foi atribuída ao Estado “central”.

  16. – Devolvidos os baldios, cessa a...

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