Acórdão nº 100/12.4EALSB.G1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução26 de Setembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 100/12.4EALSB.G1-A.S1 Recurso extraordinário de fixação de jurisprudência Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No âmbito do processo comum singular n.º 100/12.4EALSB, que correu os seus termos nos Tribunal Judicial da Comarca de ... (..., Instância Local, secção criminal, Juiz 2), a demandante civil AA (melhor identificada nos autos) veio interpor o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos arts. 437.º, n.º 2 e 438.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (doravante CPP), com fundamento em oposição entre o acórdão do Tribunal da Relação de ..., de 09.01.2017, proferido no âmbito do processo acima referido, e o acórdão do Tribunal da Relação de ..., de 30.09.2014, prolatado no âmbito do processo n.º 344/08.3GAOLH.E1.

Em síntese, alega que os acórdãos em confronto estão em oposição sobre a mesma questão de direito relativa à extinção (ou não) por inutilidade superveniente da lide do pedido de indemnização civil enxertado em um processo penal quando tenha ocorrido a declaração de insolvência da demandada.

2.

Em conferência, por acórdão de 17.05.2017, foi decidido que o recurso devia prosseguir por se verificar oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, em situações factuais idênticas, e no domínio da mesma legislação.

  1. Após o cumprimento do disposto no art. 442.º, n.º 1, do CPP, o recorrente e o Ministério Público apresentaram as alegações.

    3.1.

    O recorrente concluiu as suas alegações nos seguintes termos: «A. O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, não se aplica ao pedido de indemnização civil enxertado no processo penal.

    1. Efetivamente, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014 apenas se aplica às ações que se destinem ao reconhecimento de um crédito derivado de uma relação pré-existente, sendo que, no âmbito de pedido de indemnização civil deduzido no processo penal, o que está em causa é o apuramento de responsabilidade civil fundada na prática de crime.

    2. Pelo que, até que haja uma sentença transitada em julgado que assim o determine, não tem o demandante qualquer crédito sobre o demandado insolvente, pois a responsabilidade civil ainda não foi apurada, nascendo apenas o crédito com o trânsito em julgado da decisão judicial condenatória.

    3. Ademais, o artigo 71.º do Código de Processo Penal consagra o princípio da adesão, que obriga, salvo nos casos em que expressamente o admita, à dedução do pedido de indemnização civil fundado em crime no próprio processo-crime.

    4. Tal deve-se porque revela-se fundamental para o apuramento de responsabilidade civil o aproveitamento da prova produzida no âmbito do crime, pois os factos que fundamentos o pedido de indemnização civil e o crime são os mesmos.

    5. Igualmente razões de economia e celeridade processual fundamentam esta decisão.

    6. Bem como a necessidade de garantir a aplicabilidade de todo o regime tendente ao apuramento da responsabilidade criminal, bem como da responsabilidade civil conexa com a mesma.

    7. Assim, temos que concluir que o pedido de indemnização civil fundado na prática de crime deve ser deduzido no processo penal respetivo.

      I. Apenas após sentença transitada em julgado que decida, não só a responsabilidade criminal, mas também a responsabilidade civil é que passará a demandante a ter um crédito sobre a demandada / insolvente.

    8. E aí, querendo reclamar o seu crédito, passar-se-á a aplicar o artigo 90.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, e, terá que o fazer na pendência do processo de insolvência, na pendência deste.

    9. Pelo que razão nenhuma haverá para, nestes casos, decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, o que impediria o conhecimento do pedido de indemnização civil.

      L. Pedido de indemnização cujo crédito que daí resulte poderá ser reclamado no processo de insolvência, e mesmo após este ser encerrado.

    10. Pois, mesmo no caso da exoneração do passivo restante, este crédito não se extingue, ao abrigo do artigo 245.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.

    11. E, nos restantes regimes de insolvência, pode o demandante, mesmo após o encerramento, e dentro do prazo prescricional, fazer valer o seu direito reconhecimento pela sentença judicial condenatória.

    12. Pelo que aqui não se pode considerar existir uma situação de inutilidade superveniente da lide.

    13. Assim, por tudo o exposto, o conceito de ação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014 é a ação declarativa em que o autor pretende ver o reconhecimento de determinado crédito fundado em relação pré-existente, não aplicando ao pedido de indemnização civil enxertado no processo penal, por se fundar na prática de crime.

    14. Termos em que, salvo melhor opinião, deve ser fixada jurisprudência nos seguintes termos: 1 - O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014 não tem aplicabilidade no pedido de indemnização civil fundado na prática de crime deduzido no processo penal, ao abrigo do artigo 71.º do Código de Processo Penal.

      2 - O pedido de indemnização civil deduzido no processo penal visa o apuramento de eventual responsabilidade civil, pelo que, apenas existirá um crédito após o trânsito em julgado de sentença judicial condenatória.

      3 - Não se tratando de um crédito, mas sim de apuramento de eventual responsabilidade civil, mesmo em caso de insolvência do arguido/demandado, continua a ser o processo penal o processo próprio para conhecer do pedido de indemnização civil, não havendo lugar à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

      4 - Sendo o arguido/demandado condenado no pedido de indemnização civil formulado no processo penal, e estando o arguido/demandado insolvente, então aí deverá o demandante exercer o seu direito no processo de insolvência, não ficando assim prejudicado o princípio da igualdade de credores, pelo qual o mesmo se rege.» 3.2.

      A Senhora Procuradora-Geral Adjunta veio igualmente apresentar alegações que sintetizou do seguinte modo: « - Embora o AUJ n.º 1/2014 tenha versado sobre situação diferente da que está em causa no presente recurso, e reconheçamos a justeza e as vantagens do processo de adesão, radicado no interesse processual (interesse em agir) do demandante no âmbito do processo penal, entendemos que a jurisprudência uniformizada no AUJ n.º 1/2014 tem aplicação ao pedido cível deduzido no processo penal.

      - Conforme resulta do artigo 1.º do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem por finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista no plano de insolvência, baseado na liquidação do património do devedor insolvente e na repartição pelos credores do produto obtido.

      - Em conformidade com a natureza e finalidade do processo de insolvência, nos termos do artigo 90.º do CIRE os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos de acordo com os preceitos do mesmo código durante a pendência do processo de insolvência.

      - O carácter universal e pleno da reclamação de créditos determina uma extensão da competência material do Tribunal da insolvência.

      - A decisão respeitante ao pedido de indemnização cível no processo penal apenas produz efeitos interpartes; não exclui a necessidade de o demandante ter de reclamar o seu crédito no processo de insolvência e sujeitar‑se à possibilidade deste vir a ser impugnado no processo de insolvência, e de aí ter de fazer toda a prova respeitante à sua existência e conteúdo.

      - Destas circunstâncias resulta a inexistência da continuidade de interesse processual (interesse em agir) do demandante da acção cível no processo de adesão, pela falta de necessidade justificada, razoável e fundada de lançar mão do processo ou de fazê‑lo prosseguir.

      - Ou seja, a verificação, na pendência do processo de adesão, de uma decisão, transitada em julgado, que tenha declarado a insolvência do demandado, determina a perda do interesse processual (interesse em agir) do demandante na acção cível, uma vez que este pode obter, no processo de insolvência o mesmo efeito pretendido, e sem a inconsistência de uma decisão apenas válida interpartes. Desta circunstância resulta a inutilidade superveniente da lide, causa determinante da extinção da instância [em nota no original — nota 17: Cf. o artigo 277.º, alínea e) do CPC.

      ].

      - No caso em apreço, estão presentes as mesmas razões que, na sua essência, fundamentaram o sentido da jurisprudência uniformizada pelo acórdão n.º 1/2014, nada impedindo a sua aplicação no âmbito do processo penal.» II 1.

      A decisão, tomada na secção criminal por acórdão de 17.05.2017, sobre a oposição de julgados, não vincula o pleno das secções criminais. Por isso devemos reapreciar a questão.

      2.1.

      No presente caso, o acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Guimarães, foi proferido a 09.01.2017 e foi notificado ao Ministério Público, por termo nos autos, a 11.01.2017, e por carta registada aos restantes sujeitos processuais a 10.01.2017; o recurso foi interposto através de requerimento por carta registada a 22.02.2017. Entende-se, pois, que se encontra cumprido o prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido, conforme o disposto no art. 438.º, n.º 1, do CPP.

      O acórdão fundamento do Tribunal da Relação de Évora foi proferido a 30.09.2014.

      Considera-se tempestivo o recurso interposto.

      Ambos os acórdãos proferem decisões ao abrigo do disposto no Código de Processo Penal, maxime nos arts. 71.º e ss, no Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, em particular os arts. 1.º (na versão anterior ao Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30.06), 90.º, 128.º (na versão anterior ao Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30.06), 146.º e 245.º, e no Código de Processo Civil, no art. 277.º, al. e) (correspondente ao art. 287.º, al. e), na versão anterior a 2013).

      2.2.

      Aquando da prolação do acórdão preliminar foi ainda suscitada a questão da competência do pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça para apreciar o presente recurso.

      Ora, - sabendo...

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