Acórdão nº 10248/16.0T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2018
Magistrado Responsável | TOMÉ GOMES |
Data da Resolução | 27 de Setembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (A.) intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, em 13/05/2016, contra BB (1.º R.) e CC e cônjuge DD (2.ºs R.R.), alegando, no essencial, que: .
O A. é credor do 1.º R. na quantia de € 74.500,00, conforme confissão de dívida constante do documento reproduzido a fls. 11, datado de 09/10/2010; .
Por sua vez, o 1.º R., BB, mediante escritura pública outorgada em 26/10/2011, declarou dar em pagamento de uma dívida no montante de € 200.000,00, ao 2.º R. CC, o único prédio que era de sua propriedade sito na Rua … n.ºs … e … da freguesia de …, concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º 1…3 de Valbom, inscrito na matriz predial urbana sobre o artigo 4350.º, com o valor patrimonial de € 127.190,00, bem como o respetivo recheio; .
Porém, nunca existiu qualquer dívida e/ou crédito, nunca sendo intenção do 1.º R. dar em pagamento ao 2.º R. CC o prédio urbano em causa, nem a este recebê-lo; .
Tal declaração de dação em pagamento traduziu-se num favor prestado então pelo R. CC ao R. BB, em face das elevadas dívidas por este assumidas, nomeadamente perante o A.; .
Desse modo, os 2.ºs R.R, CC e DD, amigos do pai do 1.º R. BB, prestaram-se a auxiliá-lo na dissipação do bem, num momento bastante difícil da sua vida, fingindo realizar um certo negócio jurídico, quando, na verdade, não queriam realizar negócio jurídico algum, o que se traduz na simulação absoluta da dita dação em pagamento.
Concluiu o A. a pedir que fosse: a) - declarada nula e de nenhum efeito, por simulação absoluta, a referida escritura pública de “compra e venda” celebrada a 26/10/2011, com todas as demais consequências legais; b) - ordenado o cancelamento das ap. 3…5, de 2011/10/26 bem como de qualquer outra que posteriormente pudesse vir a ser efetuada e que delas dependesse.
2.
Os R.R. apresentaram contestações separadas, impugnando, no essencial, os factos aduzidos na petição inicial e sustentando que: .
A requerimento do A., o 1.º R., BB, foi declarado insolvente, tendo, no âmbito desse processo, sido julgado verificado e graduado o crédito do 2.º R. CC sobre o ora 1.º R. BB, no valor de € 200.000,00, sem oposição do aqui A.; .
No mesmo processo, o administrador da insolvência declarou a resolução incondicional do negócio de “dação em pagamento” em benefício da massa insolvente, mas tal resolução foi impugnada pelo ali credor e ora 2.º R. CC, impugnação que foi julgada procedente.
Concluíram os R.R. pela improcedência da ação com a sua consequente absolvição do pedido.
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Findos os articulados e após a realização de audiência prévia, foi proferido o despacho saneador de fls. 212-221, datado de 05/07/2017, a julgar verificada a exceção dilatória de caso julgado, com a absolvição dos R.R. da instância, considerando que, no incidente de reclamação de créditos deduzido no sobredito processo de insolvência, fora já reconhecido o ora questionado crédito do 2.º R. sobre o 1.º R., sem impugnação do ora A., também ali credor do 1.º R..
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Inconformado com essa decisão, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do qual foi proferido o acórdão de fls. 289-299, datado de 06/02/2018, a dar provimento ao recurso, considerando não verificada tal exceção dilatória e ordenando o prosseguimento do processo.
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Desta feita, vêm os R.R. pedir revista, formulando as seguintes conclusões: 5.1.
O 1.º R./Recorrente BB, dizendo que: 1.ª - A revista por si interposta sustenta-se no estatuído na al. b) do n.º 1 do art.º 674.º do CPC - “A violação ou errada aplicação da lei do processo”, sendo admissível, atento o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 629.º do mesmo Código, com fundamento na ofensa de caso julgado; 2.ª - Decidiu a 1.
a instância, em sede de saneador-sentença, conhecer oficiosamente e julgar procedente a exceção dilatória de caso julgado e, consequentemente, absolver os RR, entre os mais o aqui Recorrente, da instância.
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- Atento a que, nesta ação, o A. pretende ver discutido, porque põe em crise, a existência de um crédito de € 200,000,00 do R., CC, sobre o aqui Recorrente, pretendendo que se declare a sua inexistência, e consequentemente, defende que a dação em pagamento foi um negócio simulado, sendo que esta questão material fora já decidida; 4.ª - Anteriormente à instauração desta ação declarativa, correu termos o processo de insolvência n.º 715/12.0TJPRT, no âmbito do qual as partes nos presentes autos, foram igualmente partes no processo de insolvência; 5.ª - O R./Recorrente era o insolvente, o A. era credor que requereu a insolvência, o R. CC igualmente credor; 6.ª - Estes últimos, A., e R., CC, ambos credores reclamantes viram os seus créditos, respetivamente, serem reconhecidos, verificados e graduados; 7.ª - O A. não impugnou o crédito reclamado pelo R. CC no apenso do processo de insolvência, o qual foi reconhecido como definitivo, sendo proferida a sentença de verificação e graduação de créditos que homologou a lista de credores reconhecidos e graduou os respetivos créditos, tendo a mesma transitado em julgado; 8.ª - Estes foram os factos que sustentaram a decisão do tribunal de 1.
a instância, decidindo pela verificação e procedência de caso julgado, absolvendo os RR da instância.
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- O A, parte vencida, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, sem questionar e/ou impugnar os factos dados como assentes, tendo sido proferido acórdão a ordenar a revogação da sentença recorrida e a ordenar o prosseguimento do processo; 10.ª - Estando em análise saber se a decisão proferida no apenso de reclamação de créditos no processo de insolvência que determinou reconhecido, verificado e graduado um crédito faz caso julgado material, entendeu o tribunal “a quo” que não: "Que o caso julgado apenas se forma quanto à graduação, mas não quanto à verificação dos créditos".
Que o caso julgado formado pela decisão proferida na reclamação de créditos é um caso julgado formal com força obrigatória restringida ao próprio processo em que foi proferida - E assim decide pela procedência do recurso de Apelação.
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- Assim a acórdão recorrido ofendeu o caso julgado; 12.ª - O caso julgado sendo de natureza formal, e que se refere a questões de mero carácter processual, tem força obrigatória apenas dentro do processo respetivo ..., o caso julgado material refere-se à relação material ou substancial objecto do processo, e tem força obrigatória dentro e fora do processo respetivo, precisamente para evitar contradição de decisões ou reprodução de uma anterior já transitada em julgado; 13.ª - Está assim na sua génese a repetição de julgamento de uma causa que anteriormente foi já conhecida e decidida por sentença transitada em julgado; 14.ª - Esta repetição, atento o disposto no n.º 1 do art.º 581.º do CPC, pressupõe uma causa idêntica a outra, quanto: aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir; 15.ª - Há identidade de sujeitos, porque as partes intervenientes em ambas as ações são as mesmas - processo de insolvência - apenso de reclamação de créditos “versus” ação declarativa autónoma posterior; 16.ª - Há identidade de pedido, que implica obter o mesmo efeito jurídico, que será a declaração de inexistência do crédito do R. CC, sendo que o meio adequado e oportuno para se impugnar o crédito reclamado seria no apenso da reclamação de créditos inserido no processo de insolvência; 17.ª - Por aquela via, adequada e oportuna, o impugnante tem todos os meios processuais ao seu alcance para levar à discussão e julgamento a pertinência da existência do crédito em crise para, afinal, ser decidido se o mesmo crédito existe ou não e, consequentemente, manter-se ou ser excluído dos créditos reconhecidos; 18.º - Se a impugnação do crédito for suscitada, o efeito pretendido é o não reconhecimento do crédito reclamado; 19.º - O A., não impugnou o crédito do R. CC em sede de reclamação de créditos processo de insolvência, aceitando com a sua inação o crédito que o R. CC havia reclamado, após reconhecido definitivamente e constante da lista de credores, seguindo-se sentença de verificação e graduação de créditos transitada em julgado; 20.
ª - Nestes autos, o A. pretende voltar a obter a possibilidade de discutir a existência desse crédito, que defende não existir, peticionando que seja declarado nulo o negócio de dação em pagamento na sequência da alegada inexistência de qualquer crédito a favor do R. CC; 21.
ª - Há identidade de causa de pedir, porque o facto subjacente e em crise em ambas é a existência ou não existência do crédito a favor do R. CC que, na verdade, está decidido, porque o A., que não impugnou em sede própria, aceitou sem reservas a sua existência e verificação do mesmo; 22.ª - Invoca-se o acórdão do STJ proferido a 12/12/213 no âmbito do processo n.º 1248/11.8TBEPS.GI.S1 disponível em www. dgsi.pt, segundo o qual: “Existe caso julgado entre a decisão que, no processo de insolvência julgou reconhecido um crédito e a posterior ação declarativa em que se pede a declaração de nulidade do contrato em que se funda tal crédito.
A questão de fundo que aqui se debate é a de saber se a decisão proferida no processo de insolvência reconhecendo determinados créditos faz caso julgado face a futura acção em que se debata a existência de tais créditos.
Como bem se assinalou em 1.ª instância, trata-se de uma acção declarativa completa, com a observância do principio do contraditório - a impugnação dos créditos e do princípio do julgamento.
Não pode é o interessado que falhou a impugnação dos créditos tentar superar essa falta por meio da propositura de uma acção declarativa autónoma, com o conteúdo do que deveria ter sido a sua impugnação, tentando transformá-la em causa prejudicial do processo de reconhecimento, como fez a recorrida, ao apelar da decisão de reconhecimento dos créditos.
Como se referiu em 1.ª instância: (...) tendo existido processo declarativo - o apenso de verificação de créditos - no qual foram facultadas...
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