Acórdão nº 901/14.9T8SNT.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução25 de Outubro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO 1. Em 26.10.2015, no âmbito de incidente de incumprimento das responsabilidades parentais (falta de pagamento de alimentos a menores), pendente na Comarca de Lisboa Oeste, 1.ª Secção de Família e de Menores de Sintra, em que é requerente Lúcia e requerido Carlos, foi proferido despacho no qual se determinou que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) pagasse à requerente a quantia mensal de € 66,66, correspondente à pensão de alimentos que a favor da menor Joana (nascida em 24.01.1999) havia sido anteriormente fixada, e bem assim igual quantia a favor do menor Rui (nascido em 21.5.2005).

  1. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP (IGFSS) iniciou o pagamento das aludidas prestações em novembro de 2015.

  2. Em 28.11.2016 proferiu-se despacho determinando a continuação das prestações a serem pagas pelo FGADM, por se entender que se mantinham os respetivos pressupostos.

  3. Em 17.9.2017 a requerente juntou aos autos documentos destinados a comprovar a necessidade da manutenção das prestações a cargo do Fundo.

  4. Em 10.10.2017 o Ministério Público declarou que, face aos documentos apresentados pela requerente não se opunha a que o FGADM continuasse a suportar o pagamento das prestações alimentícias devidas pelo requerido e em substituição deste. Mais promoveu que se obtivesse na Base de Dados da Segurança Social e na Base de Dados das Finanças informação atualizada sobre a situação laboral e fiscal do requerido e se notificasse a requerente para comprovar documentalmente nos autos que a jovem Joana, que atingira a maioridade em janeiro de 2017, continuava o seu processo de educação e formação profissional.

  5. Em 23.11.2017 foi proferido, a fls 112 dos autos, o seguinte despacho: “Atendendo à prova documental apresentada pela requerente, à promoção do Ministério Público, entendo que estão reunidos os requisitos legais para a requerente continuar a beneficiar da prestação concedida pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores em substituição do devedor.

    Notifique e comunique ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.

    * Como se promove.

    Prazo à requerente: 10 dias.

    Junte print do resultado das buscas e, após, abra vista.” 7. Em 30.11.2017 o IGFSS foi notificado nos seguintes termos: “Fica por este meio notificado, de que por despacho do MºJuiz de Direito nos autos supra referenciados e cuja cópia se junta, foi ordenada a manutenção da garantia, por essa instituição, do pagamento da prestação atribuída à menor Pedro Manuel Pinta da Cruz.” 8. Em 11.12.2017 a requerente juntou nos autos documentos destinados a comprovar que a sua filha se encontrava a estudar, com aproveitamento.

  6. Em 30.01.2018 foi proferido o seguinte despacho: “Quanto à jovem Joana: está a frequentar o curso técnico de turismo na Escola Profissional Gustave Eiffel com aproveitamento, conforme resulta da documentação que antecede. Assim, mantém-se a intervenção do FGA quanto à mesma conforme já decidido a flhs. 112.

    Em Novembro de cada ano, a progenitora deverá juntar documentação relativa à frequência escolar e aproveitamento da Joana.

    Notifique a requerente e o FGA.” * O IGFSS apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões: I. A Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, criou o FGADM, e o Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio, veio regular a garantia dos alimentos devidos a menores previstos naquela Lei, com o objetivo de o Estado colmatar a falta de alimentos do progenitor judicialmente condenado a prestá-los, funcionando como uma via subsidiária para os alimentos serem garantidos ao menor.

    II. O n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, com entrada em vigor a 23 de junho de 2017, veio permitir que o FGADM, em substituição do progenitor obrigado a alimentos, continue a assegurar o pagamento das prestações que hajam sido fixadas durante a menoridade, até que o jovem complete 25 anos de idade se e enquanto durar processo de educação ou de formação profissional (desde que, cumulativamente, se encontrem preenchidos os restantes requisitos legalmente exigidos – n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, artigo 48.º do RGPTC, DL n.º 164/99, de 13 de maio, e DL n.º 70/2010, de 16 de junho).

    III. Todavia, a obrigação de continuidade do pagamento em causa a assegurar pelo Fundo, cessa se: - O respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes de atingida a maioridade; - O processo de educação ou formação profissional tiver sido livremente interrompido; - Se o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.

    IV. No caso em apreço, foi decido manter-se a prestação de alimentos a suportar pelo FGADM para a jovem, ora maior, Joana.

    V. Sucede, porém, que a prestação de alimentos foi cessada automaticamente com a maioridade, nos termos da legislação aplicável à data, pelo que, não há prestação a manter.

    VI. Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que não se encontram preenchidos os pressupostos legais subjacentes à intervenção do FGADM, no que se refere à jovem, ora maior.

    VII. Recorde-se que a Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, que alterou o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, apenas entrou em vigor a 24 de junho de 2017, ou seja, em data posterior à data em que a jovem atingiu a maioridade (24.01.2017).

    VIII. E a Lei só dispõe para o futuro, nos termos do artigo 12.º do CC.

    IX. Não foram salvaguardadas as situações de maioridade anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 24/2017, de 24 de maio.

    X. Nestes termos, e tendo presente o pressuposto de continuidade que a lei confere à garantia daquele pagamento, não pode o ora recorrente, salvo o devido respeito, concordar com o entendimento explanado na douta decisão, na medida em que o FGADM não se encontrava obrigado ao pagamento da prestação de alimentos à jovem Joana Cruz, no momento em que a lei se torna aplicável no ordenamento jurídico.

    XI. O pagamento da prestação de alimentos que o FGADM se encontrava obrigado cessou com a maioridade, nos termos da legislação aplicável à data.

    XII. A circunstância de o processo educativo ou de formação não se encontrar completo, no momento em que é atingida a maioridade, exceciona a cessação automática das prestações a que o FGADM se encontra a pagar, todavia, no momento em que esta possibilidade passa a existir no ordenamento jurídico a prestação já havia cessado, logo não há prestação a manter.

    XIII. Por conseguinte, e embora a 2ª parte do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, remeta para o regime previsto no n.º 2 do artigo 1905.º do CC, não podemos esquecer o âmbito em que o mesmo é aplicado, ou seja, ao “pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado” – cfr. Artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro.

    XIV. Não pode assim, o recorrente concordar com a decisão recorrida, na medida em que o FGADM foi condenado a assegurar uma prestação de alimentos à jovem dos autos, mas da letra da lei resulta que o pagamento cessa com a maioridade, salvo nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil, ou seja, o Estado tem de estar obrigado ao pagamento e no momento em que a alteração legislativa entra em vigor tal não se verificou in casu.

    XV. Pelo que, no presente caso tratar-se-ia não de uma continuidade ou manutenção do pagamento, mas de pela primeira vez o FGADM ser chamado a intervir na maioridade.

    XVI. É de referir que a obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM é autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal e não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.

    XVII. Todo o regime de garantia dos alimentos devidos a menores, estabelecido na Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, e regulamentado no DL n.º 164/99, de 13 de maio, é construído com um objetivo e um sentido: o Estado assegurar um valor de alimentos ao menor, na sequência da verificação ou preenchimento dos requisitos legalmente previstos, entre eles o incumprimento por parte do progenitor que estava obrigado a prestar alimentos, por não se conseguir tornar efetiva essa obrigação pelos meios previstos no artigo 48.° do RGPTC, bem como pela reunião de todos os requisitos previstos na Lei n.º 75/98, de 19 de novembro [com a redação dada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio].

    Por outro lado, XVIII. O FGADM considera ter sido igualmente violado o princípio do contraditório, estatuído nos artigos 3. °, 4.º e 415. ° do Código de Processo Civil, segundo os quais, enquanto parte, nenhuma questão de direito ou de facto pode ser decidida sem que tenha tido possibilidade de sobre ela se pronunciar, nem admitida ou produzida prova sem que tal ocorra.

    XIX. Pronuncia-se sobre questão idêntica e nestes precisos termos o Tribunal da Relação do Porto, no recente Acórdão proferido no agravo n.º 20030B/1999.P2.de 26/06/2012.

    XX. O Fundo é, enquanto interveniente incidental, não apenas a entidade pagadora de uma prestação de cariz social determinada judicialmente, mas também parte legítima no processo no qual intervém, mas desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente exigidos para a sua intervenção.

    SEM PRESCINDIR SEMPRE SE DIRÁ QUE, XXI. Não há qualquer referência [e prova nesse sentido], de que o progenitor devedor continua a não poder satisfazer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 48.º do RGPTC, conforme exigido na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/05.

    E que, XXII. Dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/05, determinando como um dos pressupostos necessários para o pagamento da prestação de alimentos pelo FGADM em substituição do devedor é “que o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do...

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