Acórdão nº 3844/13.0TCLRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelHELDER ALMEIDA
Data da Resolução27 de Setembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1] I – RELATÓRIO 1. AA e mulher BB intentaram a presente acção de anulação das deliberações tomadas em assembleia de proprietários ou comproprietários da Administração Conjunta da AUGI do Bairro do …, com processo comum sob a forma ordinária, contra a Administração Conjunta da AUGI do Bairro …, pedindo que sejam declaradas ilegais e, consequentemente, nulas e de nenhum efeito as seguintes deliberações da Assembleia de proprietários e comproprietários da referida AUGI, realizada em 10 de Março de 2013, nestes termos:

  1. Sejam declarados ilegais e nulos os seguintes pagamentos e a assunção das obrigações inerentes aos mesmos: 1 - Despesas com o fornecedor CC — ar condicionado do Pólo Cívico, no montante de € 147.600,00 c/ IVA inc;.

    2 - Despesas com o fornecedor DD — fornecimento e montagem de equipamento de cozinha, cafetaria e lavandaria do Polo Cívico do … no montante de € 56.302,78 + IVA, no total de € 69.252,41; 3 - Despesas com o fornecedor EE no montante de € 9.225,00 - elaboração das fichas dos imóveis do Bairro do …; 4 - Despesas com o fornecedor FF, Lda. no montante de € 17.197,50 - elaboração das fichas dos imóveis do Bairro do …; b) Sejam declaradas ilegais e nulas as deliberações de aprovação do relatório e das contas referentes ao ano de 2012; c) Seja declarada a ilegalidade e a consequente nulidade da constituição e realização da assembleia da Administração Conjunta da AUGI do Bairro do … e de todas as deliberações nela tomadas, por motivo em relação a todas, de: - falta de afixação dentro do prazo legal do aviso convocatório na Junta de Freguesia de …; - falta de publicação da convocatória num dos jornais de divulgação nacional; - falta da disponibilidade do relatório de contas e de todos os documentos referentes às propostas aprovadas durante os 15 dias antecedentes à data de 10.3.2013; - inexistência do parecer da Comissão de Fiscalização às contas anuais intercalares; - inexistência da certificação prévia das contas por um revisor oficial de contas ou por uma sociedade de revisores, não entregues aos proprietários, nem depositados na Junta de Freguesia de …, d) Seja declarada ilegal e nula a deliberação de alteração da ordem de trabalhos da assembleia, tomada apenas por maioria dos proprietários presentes, na decorrência da assembleia, que passou a constituir o ponto 1 na ordem de trabalhos; e) Seja declarada ilegal e nula a deliberação de aprovação da perda de direito de participação nas assembleias de proprietários que tenham débitos referentes a alegadas comparticipações; f) Seja declarada ilegal e nula a deliberação de aprovação da transferência de fundos financeiros da Administração Conjunta para a Associação GG no montante de € 17.975,00; g) Seja declarada ilegal e nula a deliberação de aprovação da proposta de dação em pagamento do Lote 220-A em cumprimento das despesas de reconversão do Bairro do … a favor da GG e a consequente extinção de créditos de comparticipações que venham a recair sobre o lote 220-A, com todos os efeitos decorrentes da ilegalidade das referidas deliberações.

    Para tal, alegaram diversa factualidade que, segundo os AA., determinaria a ocorrência dos vícios que apontaram às deliberações tomadas na predita Assembleia de proprietários e comproprietários da AUGI, tudo em violação do disposto nos artigos 1°, 3°, 4°, 8°, 9°, 10°, 12°, 15°, 16-c, 18°, 26°, 27°, 29° e 31° da Lei n.° 91/95, de 2 de Setembro, na sua actual redacção, com os inerentes efeitos.

    A Ré contestou, sustentando que a pretensão dos AA. é absolutamente infundada e concluiu pela improcedência da acção, devendo consequentemente manter-se as deliberações tomadas e aprovadas na referida Assembleia.

    Os AA. replicaram, tendo este articulado sido considerado não escrito nos termos constantes do despacho de fls. 591-592.

    Proferiu-se despacho saneador, identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova, sem reclamações.

    1. Realizada a audiência final, veio a ser proferida sentença, que, julgando a acção parcialmente procedente: - Declarou a anulabilidade e consequentemente anulou as deliberações da Assembleia de proprietários e comproprietários da AUGI do … realizada no dia 10.3.2013, de aprovação do relatório e das contas referentes ao ano de 2012, de alteração da ordem de trabalhos da assembleia e de apenas poderem usar da palavra na assembleia geral os proprietários que hajam cumprido com a totalidade dos deveres de reconversão, designadamente com as quotizações deliberadas em Assembleia Geral integralmente pagas; - Declarou ineficaz a deliberação de aprovação da proposta de cedência pelo - comproprietário HH à associação de proprietários do …, GG, da sua compropriedade, sob a forma de dação em cumprimento, pelo valor das quotizações em dívida deliberadas para o lote 220; e - Absolveu a Ré do demais peticionado.

    2. Inconformados com parte do assim decidido, os AA. interpuseram recurso de apelação para a Relação de …, que, por acórdão de fls. 874 e ss., a julgou improcedente, mantendo a sentença recorrida.

    3. De novo inconformados, os AA. interpuseram o vertente recurso de revista, cujas alegações findam com as seguintes conclusões: 1.

      A Administração Conjunta da AUGI, nos termos e para os efeitos da Lei nº 91/95, de 2/9, é uma "associação forçada", e não, constituída ao abrigo do Princípio da Liberdade de Associação, estabelecido no artº 46º da Constituição da República Portuguesa, ao invés do que sucede com a Associação GG, em que podem ser associados quaisquer pessoas, quer sejam proprietários e/ou comproprietários do Bairro do ..., quer não sejam.

    4. Os proprietários e comproprietários da AUGI do Bairro do ... não são automaticamente associados da Associação GG, podendo a sua admissão ser recusada se houver razões para tanto, não sendo, pois, os mesmos, ipso facto, associados, pelo mero facto de serem comproprietários.

    5. Não resulta da matéria de facto provada nos autos a afirmação constante do último parágrafo de fls. 32 do Acórdão recorrido.

    6. Por essa razão, não se aplicam as normas do regime jurídico do direito de associação do código civil, e sim as da Lei n^ 91/95 e no que na mesma não esteja especificamente regulado, aplicam-se as regras gerais da compropriedade (artºs 1403º e ss do Código Civil).

    7. E também por esta razão, a Administração Conjunta é titular, e apenas, de meros poderes de administração do património comum, não dispondo de quaisquer, sejam quais forem, direitos de alienação ou de oneração do património comum.

    8. A Administração Conjunta da AUGI não tem personalidade jurídica e, como tal, não tem património autónomo e independente do património comum de todos os comproprietários.

    9. A Administração Conjunta da AUGI não pode dispor de quaisquer bens, em dinheiro ou de outra espécie, que não sejam para o efeito de atingir os fins e objectivos da Administração Conjunta.

    10. Os órgãos da AUGI não podem utilizar comparticipações dos proprietários para, com elas, praticar doações e/ou liberalidades a favor e no interesse de terceiros.

    11. Os órgãos da AUGI não podem proceder a actos de doação e/ou de liberalidades porque tal lhes está vedado pelas normas que definem as competências de um e outro, ao invés do que decidiu o Acórdão recorrido, em ostensiva violação dos artºs 10º e 15º da Lei nº 91/95.

    12. A deliberação de transferência de comparticipações no montante de € 17.975,00 é absolutamente nula e de nenhum efeito, por violação das normas – artºs 10º e 15º - que regulam a competência dos órgãos da AUGI, na Lei nº 91/95, e, consequentemente, por vício de incompetência.

    13. Tendo em conta o artº 46° da Constituição da República Portuguesa e o disposto no artº 1º. nº 1 da Lei 91/95, não é possível, nem admissível, o recurso à "analogia de situações" sobre a qual se baseou o Acórdão recorrido, em ostensiva violação do artº 11º do Código Civil, para legitimar "donativos" por parte dos órgãos da AUGI, para outros fins que não sejam para reconversão do solo (visto que a legalização das construções individualmente consideradas caberá a cada um dos proprietários, cfr. artº 32 nº 2 da Lei n°. 91/95, de 2/9).

    14. O Acórdão recorrido contém vícios ao nível da análise crítica dos factos e das normas envolvidas (da Lei n2 91/95, de 2/9, Lei Civil e Constituição).

    15. É totalmente inaceitável que se decida, como decidiu o Acórdão recorrido, que os órgãos da AUGI (cujas competências se encontram claramente definidas nos artºs 10º e 15º da Lei 91/95) possam praticar actos de doação e/ou liberalidades, por analogia ao regime jurídico que regula as Associações (analogia vedada ao Tribunal pelo artº 11º do Código Civil em virtude de a Lei 91/95 ser especial).

    16. Doações e/ou liberalidades (que os Autores já praticaram múltiplas vezes) praticam-se com valores monetários próprios e não alheios, e muito menos quando esses valores têm, segundo o entendimento da Administração Conjunta, a natureza concreta e definida de comparticipações (cfr. artº 3º nºs 1 e 2 da Lei nº 91/95, de 2/9).

    17. Mesmo que se entendesse ser necessário integrar uma "lacuna" da Lei n°- 91/95, de 2/9, o que não se concede, sempre se dirá que as normas aplicáveis seriam as regulam as figuras jurídicas da compropriedade (cfr. artºs 1403º a 1413° do Código Civil), e, similarmente da propriedade horizontal (cfr. art°s 1414º e ss do Código Civil), e não as normas a que se recorreu no Acórdão recorrido.

    18. A deliberação legitimada pelo Acórdão recorrido é ilegal e constitui um abuso de poder por parte dos órgãos da AUGI.

    19. O Acórdão recorrido aponta para uma apreciação imotivável e incontrolável, e, portanto, arbitrária, da prova produzida e das normas envolvidas.

    20. E que, pelo que se verifica, nem sequer viola o princípio constitucional, geral, que prevê a defesa da propriedade privada (artº 62º da CRP).

    21. Os vícios identificados constituem causas previstas da lei, para que seja declarada a sua nulidade ou, a sua revogabilidade.

    22. Deve ser revogado o Acórdão proferido pelo Tribunal da...

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