Acórdão nº 538/08.1BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelANA CELESTE
Data da Resolução18 de Outubro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO O Estado português, representado pelo Ministério Público, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 15/10/2014, que, no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma ordinária, para efetivação de responsabilidade civil emergente de facto ilícito, instaurada por B…, Lda.

, julgou a ação parcialmente procedente e condenou o Réu, Estado português, a pagar à Autora, a título de indemnização, a quantia de € 105.454,06, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

A Autora, B..., Lda., veio interpor recurso subordinado contra a sentença recorrida.

* Formula o aqui Recorrente, Estado português, nas respetivas alegações (cfr. fls. 572 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “1. A sentença recorrida deu como verificados os pressupostos de responsabilidade civil previstos nos art. s 483 e ss. do C.C., da ilicitude do facto e da culpa, assente, quanto ao primeiro dos requisitos, na circunstância de o acto ter infringido o disposto no art. 3º, nºs 2 e 6 do DL nº 468/71, de 5 de Novembro, cuja “violação de lei, reconhecida no aresto anulatório, obriga a encarar o acto de embargo como uma actuação ilícita para efeitos de responsabilidade civil”.

E, no que respeita à culpa, o seu reconhecimento resultou como efeito directo e imediato ou como presunção derivada da ilicitude ao acto de embargo, à luz da regra de que o agente do Estado ao praticar facto ilícito não o devia fazer, e, por isso, não poderá deixar de escapar a um juízo negativo de censura, ou seja, na perfilhou-se a tese de que a culpa diluiu-se na ilicitude.

  1. Perante tal conclusão e ilação nada, praticamente, foi dado como provado sobre as razões e circunstâncias que envolveram e levaram ao embargo e, por outro lado, a culpa não se mostra consubstanciada ou materializada e facto ou acto concreto, algum.

  2. Ao contrário do que foi decidido, o acto de embargo não impôs à A., B..., Ldª, a suspensão da obra, já que, tal como consta do Auto de Embargo, tal ordem foi dada a A…, na qualidade de procurador do proprietário do conjunto habitacional em apreço.

  3. Para se dar por verificado o requisito da ilicitude, exige o art. 2º/1 do DL 48 051, de 21/11, então vigente, que a ilegalidade resida na «ofensa de direitos de terceiros» ou na violação de normas que, nos termos do pedido, tutelem o direito cuja lesão se pretende ver reparada.

  4. Na ilicitude que decorre da violação de um direito de outrem está em causa a violação de direitos subjectivos, principalmente os direitos absolutos (direitos reais, direitos de personalidade, direitos familiares e a propriedade intelectual), enquanto na segunda forma de ilicitude (violação da lei que protege interesses alheios), depende da verificação dos seguintes pressupostos: a) Que à lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal; b) Que a tutela dos interesses particulares figure entre os fins da norma; c) Que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar.

  5. Atendendo ao «concreto escopo de protecção da norma do art. 3º, nºs 2 e 6 do DL nº 468/71, de 5/11», que fundamentou o acto de embargo e em que a sentença recorrida sustentou a ilicitude desse mesmo acto é claro que a A., B..., Ldª, não pertence ao seu domínio subjectivo de aplicação, não estando, assim, incluída no círculo de pessoas que a norma abstractamente visa proteger, e, em concreto, não foi ofendido nenhum interesse dela, tutelado mediante a dita lei de protecção.

  6. Com efeito, tendo a A. equacionado a pretensão indemnizatória como decorrente da violação do direito de propriedade quer sobre um imóvel que sobre bens móveis, é evidente que os valores inerentes a tal direito, de cariz meramente particular, nada têm a ver com aqueles que resultam da infracção de normas que regulam o domínio público híbrido, por visarem, estes, em primeira linha, prioritária, imediata e directamente a protecção de interesses públicos relativos à defesa da zona ou faixa de protecção marítima, relacionados com a necessidade de assegurar uma adequada gestão urbanística, protecção do ambiente e da natureza e da própria segurança das pessoas, e que só reflexa e indirectamente protegem interesses privados 8. Depois, não sendo, a A., titular de qualquer licenciamento, nem de direito de propriedade, posse, gozo, fruição ou outro sobre o imóvel embargado, é também claro que nenhum direito subjectivo seu pode ter sido violado em função da dita norma legal, nem do art. 10º/1 do DL nº 92/95, de 9/5, isto é, por ser estranha ao embargo não lhe cabe direito algum inerente ao mesmo.

  7. O que também significa que a sua alegada lesão de interesses não corresponde à violação do citado art. 3º, nºs 2 e 6 do DL nº 468/71, porquanto só um titular daqueles direitos merece a tutela jurídica aí consagrada, sendo que a A. não constituiu com os Serviços da Administração do Estado qualquer tipo de vínculo ou relação jurídica que lhe permitisse exigir do Estado a construção dentro ou fora da servidão “non edificandi” aí estatuída, ié, a protecção jurídica nele tutelada.

  8. O mesmo é dizer que, em relação à A., a aludida violação não sucedeu, já que efectivamente não foram infringidos quaisquer preceitos constitucionais, legais, ou regulamentares, que visem directamente tutelar direitos subjectivos ou outras posições jurídicas subjectivas dela, pelos servidores do Estado, por ser terceiro em relação ao embargo, o qual apenas seria susceptível de lesar direitos daqueles que estabeleceram relações jurídicas com a administração pública, no processo de licenciamento - os proprietários e autores das obras – donde falham os pressupostos consagrados no art. 2º-1 do DL nº 48 051, de 21/11/67, para a responsabilização do Estado, pelos imputados prejuízos.

  9. Depois, não basta a violação de normas jurídicas para se verificar a ilicitude já que esta não está centrada exclusivamente no resultado danoso – ilicitude de resultado – estando sempre também na dependência do desvalor de um determinado comportamento - ilicitude de conduta.

  10. A este propósito importa ter presente os antecedentes do empreendimento urbanístico em análise, nomeadamente: - teve lugar sem que a cobertura de qualquer acto de deferimento expresso de licenciamento camarário ou de qualquer decisão ou parecer favorável das entidades responsáveis pela gestão do território, no caso, pela orla marítima.

    - no dia anterior ao embargo foi levantado um Auto pela entidade policial marítima, por violação da servidão marítima em causa; - Auto, esse, que deu origem a um processo contra-ordenacional em que os arguidos foram condenados, por sentença confirmada judicialmente, em 1ª instância; - A ilegalidade da obra foi atestada pela informação de 29/1/2002, na sequência de um levantamento topográfico efectuado no local, em 18/4/2001, por topógrafo especialista.

    - Não sendo despiciendo referir que a obra foi denominada como um atentado ambiental e efusivamente contestada pela população local e difundida pela comunicação social.

  11. Ainda neste âmbito, há que ter presente a tese de “O facto praticado no exercício regular de um direito considera-se justificado e, em consequência, lícito, deixando de satisfazer às exigências do artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil”.

  12. Neste contexto, se é incontroverso que o princípio da legalidade impõe à Administração uma actuação em obediência à lei não é menos verdade que o poder de embargar, como medida de tutela da legalidade urbanística e do planeamento do território, pelas Direcções Regionais do Ambiente e do Ordenamento do Território (Ex-DRARN), cuja legitimidade foi reconhecida no aludido acórdão do STA de 21/4/05, indicado no ponto T) dos Factos Provados, é um poder-dever, porquanto a actuação do órgão administrativo assenta na nulidade de um acto supostamente nulo (52º-2 do DL 445/91, de 20/11).

  13. E, perante a colisão entre valores e interesses inerentes ao direito público do urbanismo, do ordenamento território, das restrições e servidões administrativas e ao direito particular da propriedade, estes, como é sabido, devem ceder perante aqueles.

  14. Impunha-se, na circunstância, dar uma resposta eficaz à comunidade no sentido de se prevenir uma hipotética agressão a um valor fundamental do ambiente, natureza e do urbanismo e planeamento do território, que como agora se veio a confirmar, com a aproximação do mar ao empreendimento em causa, o tempo veio dar razão aos servidores do Estado que determinaram o embargo.

  15. “Não existindo, no domínio do Decreto-Lei nº 48 051, uma presunção legal de culpa relativamente a actos jurídicos ilícitos …Em todo o caso, a utilização de presunção judicial como meio de prova exige um juízo crítico de apreciação dos factos conhecidos, por parte do juiz, afastando a ideia simplista de equivalência entre ilicitude e culpa”, pelo que dada a ausência de factos dados como provados que consubstanciem a culpa, não poderá haver lugar a responsabilidade civil por facto ilícitos.

  16. No que concerne ao nexo causal entre o facto e o dano, seguindo -se a regra do art.º 563º do Código Civil, que consagrou, neste domínio, a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa proposta por ENNECERUS-LEHMAN: «a condição será inadequada quando, segundo a sua natureza geral, é de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano». (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, página 861), temos que existem outras circunstâncias que contribuíram decisivamente para aos assinalados danos, ou pelo menos concorreram para eles.

  17. Uma delas, atribui-se à própria A., por ter deixado ao abandono todas as suas máquinas e equipamento no local junto ao mar, sem cuidar da sua conservação e em local adequado.

  18. Quanto à...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT