Acórdão nº 7656/15.8TDLSB-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | JOÃO CARROLA |
Data da Resolução | 16 de Outubro de 2018 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I.
No processo comum n.º 7656/15.8TDLSB do Juízo Central Criminal de Lisboa, Comarca de Lisboa, o arguido S. foi submetido a julgamento, após ter sido pronunciado da prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217º, n.º 1, 218º, n.º 2, al. a) do C. Penal, e de um crime de falsificação de documento autêntico, p. e p. pelos art.ºs 256º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 3 do C.Penal.
Realizada a audiência, foi decidido: “-1. Condenar o arguido J. pela prática, em autoria material de um crime de burla agravada, de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo artº 217 e 218/2/ a), do C.P. na pena de 3 anos de prisão e por um crime de falsificação de documento agravada, p. e p. pelo artº 256, nº1, als. a) e c) e nº 3 do C. Penal na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
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Em cúmulo condenar o arguido na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.
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Nos termos do disposto no artº 50 do C. Penal suspender a execução desta pena por igual período.” Inconformado com a decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões: “I. A consumação do crime de burla depende da ocorrência de um efectivo prejuízo patrimonial.
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O prejuízo patrimonial efectivo deverá ser determinado através da aplicação de critérios objectivos de natureza económica à concreta situação patrimonial da vítima, concluindo-se pela existência de um dano sempre que se observe uma diminuição do valor económico por referência à posição em que o lesado se encontraria se o agente não houvesse realizado a sua conduta.
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A CEMG foi integralmente paga do capital mutuado, juros e encargos por um dos avalistas e a assistente não sofreu nenhuma diminuição patrimonial efectiva porque, tendo sido executada pela primeira, opôs-se mediante embargos com sucesso.
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A inexistência da garantia traduzida na fiança da assistente não representou nenhuma desvalorização económica patrimonial para a CEMG, porque esta última aceitava exonera-la do contrato de mútuo com fiança onde consta a assinatura suspeita.
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O empréstimo nº ... foi integralmente utilizado no pagamento do empréstimo nº ....
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A assistente assinou o contrato de empréstimo nº ... de livre e espontânea vontade e com plena consciência do significado e do conteúdo das obrigações que estava a assumir enquanto fiadora.
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Com a celebração do contrato nº ..., a assistente deixou de estar obrigada pelo contrato nº ..., que se extinguiu, para passar a estar obrigada no primeiro, pelo mesmo montante e em termos mais favoráveis, pelo que a dita celebração não representou nenhum desvalor económico para si.
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Não se encontra preenchido o elemento objectivo do tipo do crime de burla traduzido na ocorrência de prejuízo efectivo no património da CEMG ou da assistente.
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Não foi produzida prova directa de que foi o arguido que apôs a assinatura suspeita no contrato de Mútuo co Fiança, nem que encarregou outrem de a apor a seu mando.
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A valoração da prova retirada por presunção exige a verificação de uma pluralidade de factos indiciários plenamente provados ou absolutamente credíveis, a relacionação com o facto a provar e a racionalidade da inferência, bem como a necessidade de expressar o iter da inferência e a de demonstrar o facto indiciário que é a base desta última, por prova directa.
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A fundamentação do facto, fixado por presunção, segundo o qual foi o arguido ora recorrente quem apôs a assinatura suspeita no contrato, ou encarregou outrem de a apor a seu mando, alicerçou-se unicamente nos factos periféricos, demonstrados de forma directa, de que o arguido possuía os dados de identificação e documentos assinados pela assistente e que foi ele que pediu à advogada que reconhecesse a assinatura da mesma.
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Para além destes factos, os demais fundamentos são conclusões retiradas das regras da experiência, através das quais se procurou explicar a relacionação daquele facto com o facto a provar, bem como a lógica e o iter da inferência.
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A douta sentença recorrida não valorou o facto de o relatório pericial de exame à assinatura da assistente não ter chegado a resultados conclusivos quanto à probabilidade da autoria da assinatura suspeita ser do arguido ou da advogada Dra. DC.
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A douta sentença recorrida não valorou o facto de que todos os intervenientes no contrato que contém a assinatura suspeita terem interesse na sua celebração, incluindo a assistente.
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A douta sentença recorrida não valorou o facto de a assistente ter recusado a assinatura no contrato como retaliação, no âmbito de um conflito familiar com o arguido por causa do filho mais velho de ambos.
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A douta sentença recorrida não ponderou a hipótese de ter sido a assistente a mandar outrem apor a assinatura suspeita no contrato, tendo em conta a possibilidade de arguir a sua falsidade para se libertar das obrigações que assumiu no contrato de empréstimo nº ....
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A douta sentença recorrida, ao não valorar nenhum destes factos, nem ponderar esta hipótese, violou o princípio in dubio pro reo, pois os mesmos instalam uma dúvida inultrapassável quanto à autoria material ou moral da assinatura suspeita.
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Não estando provados suficientes factos indiciários, periféricos ao facto a provar ou interrelacionados com este último, dos quais se possa deduzir, objectivamente e com o auxílio de uma regra da experiência, o facto a provar, forçoso é concluir que, também por aqui, o tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo.
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A fundamentação da imputação ao arguido da autoria da assinatura suspeita, baseia-se em factos indiciários insuficientes, sendo que a sua relacionação, bem como a racionalidade e o iter da inferência com o facto a provar, resultam de meras conclusões retiradas de regras da experiência comum e não de nenhum outro facto indiciário relevante, apurado de forma directa.
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Pelo que não se pode considerar provado que o arguido praticou o crime de falsificação.
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E também não se poderá considerar preenchido o elemento objectivo do tipo traduzido na verificação dum comportamento astucioso e/ou ardiloso por parte do agente que induziu o sujeito passivo em erro sobre a realidade fáctica, que é outro dos elementos objectivos do tipo do crime de burla.
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As competências decorrentes do D.L. nº 76-A/2006, de 29/03, para os advogados, entre outras entidades privadas, não lhes confere a qualidade de autoridades públicas, uma vez que estas actuam sempre no exercício de prerrogativas de direito público.
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A presunção de que os actos dos advogados são verdadeiros, decorre dos deveres deontológicos que estão legalmente vinculados a cumprir pelo Estatuto da sua própria Ordem profissional e não de quaisquer prerrogativas de direito público.
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O reconhecimento por advogados das assinaturas dos intervenientes no contrato que contém a assinatura suspeita não lhe confere a mesma força que um documento autêntico, por falta do elemento de fé pública inerente aos actos praticados pelas autoridades no exercício das suas prerrogativas de direito público.
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Não se encontra preenchido o elemento objectivo do tipo de falsificação na forma agravada, que exige que aquele incida sobre documento autêntico ou com igual força.
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A douta sentença recorrida violou, nomeadamente, as normas do artigo 32º, nº 4 da CRP e dos artigos 217º, nº 1 e 256º, nºs 1 e 3 do CP.
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A douta sentença condenatória deverá ser revogada e substituída por decisão que absolva o arguido ora recorrente dos crimes por via dos quais vem condenado.” Termina no sentido da sua absolvição.
O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu, concluindo: “1 – Carece de razão o recorrente, nos fundamentos de facto e de direito aduzidos na sua douta motivação; 2 - E sendo que o Tribunal recorrido, não só não violou qualquer das diversas normas indicadas na douta motivação, como também fez uma criteriosa apreciação e valoração da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e uma judiciosa aplicação do Direito, e estando também suficientemente fundamentada a decisão sob recurso; 3 – Outrossim, se nos afigura ter sido feita uma salutar aplicação in casu do princípio processual basilar da livre apreciação da prova consagrado no artº 127º do C.P.Penal; 4 - Contrariamente ao sustentado pelo recorrente, da leitura do Acórdão recorrido ressalta a enorme clareza do texto e do sentido da decisão, não existindo a mais pequena obscuridade ou contradição, daí que o texto da decisão se mostre integralmente lógico, bem estruturado e devidamente fundamentado, sendo que o mesmo não enferma de qualquer vício, nomeadamente, dos previstos no n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal; 5 - O Acórdão recorrido fundamentou devidamente os factos que deu como assentes, nada resultando que tenha apreciado a prova produzida em julgamento de forma discricionária e subjetiva; nem está ferido de qualquer nulidade que o invalide, mormente a cominada no artº 379º nº 1 al. a) do C. P. Penal; 6 - Da leitura do Acórdão recorrido constata-se que no exame crítico levado a efeito se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova e que esta foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre apreciação do Tribunal, nos termos do disposto no art. 127.º do Código de Processo Penal; 7 - O Acórdão recorrido de forma alguma pode ser tido como uma decisão arbitrária e contrária às regras da experiência, sendo que a prova foi corretamente apreciada e não ocorreu qualquer erro de julgamento; 8 – De igual modo, não se mostra violado o princípio...
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