Acórdão nº 802/14.0TBTNV.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução12 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. AA intentou acção declarativa contra “BB, S.A.

pedindo a condenação desta a pagar-lhe a importância global de 61 806,06 €, acrescida dos respectivos juros legais, vencidos e vincendos, desde a data da citação até ao integral pagamento, a título de indemnização pelos prejuízos causados por um incêndio ocorrido no dia 4 de Janeiro de 2014, pelas 08,30 horas num seu pavilhão/armazém, sendo que o meio de ignição de tal incêndio foi uma descarga eléctrica, proveniente de um posto de transformação (PT) e consequente rebentamento do quadro eléctrico, posicionado no interior do armazém com o consequente curto-circuito na caixa de fusíveis e contador, instaladas no muro de vedação.

A ré contestou negando ter celebrado qualquer contrato de distribuição de energia eléctrica com a A. e alegando que foi na decorrência das condições meteorológicas de carácter excepcional que foram provocados os danos na rede e no PTD 106 que alimentava o local de consumo da autora.

Por fim aduziu que, à data dos factos, a rede eléctrica da concessão da BB, S.A. estava em perfeitas condições de exploração, cumprindo com todas as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação, sendo que o evento que ocorreu em 4 de Janeiro de 2014 foi considerado pela ERSE um evento de carácter excepcional. Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Na sequência da contestação da ré, BB S.A., a autora veio requerer a intervenção principal passiva da CC, S.A. e da DD, S.A. e tendo sido admitida a intervenção da primeira e indeferida a intervenção da segunda.

Elaborado saneador, delimitado o objecto do processo e determinados os temas da prova, procedeu-se a julgamento e subsequentemente foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção.

  1. Inconformada, a A. apelou da sentença. Em recurso o Tribunal da Relação de Évora julgou procedente a apelação e, revogando a alínea b) do dispositivo da sentença recorrida, condenou a Ré, BB, S.A a pagar à Autora, AA, uma indemnização – a liquidar em competente incidente – pelos danos descritos nos pontos 26 a 29 dos “ Factos Provados “, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação da Ré e até integral pagamento.

  2. A Ré, BB S.A, pede revista do Acórdão, apresentando as seguintes conclusões da revista (transcrição): “I. Introito 1.

    A Autora intentou acção com vista à condenação da BB, ora Recorrente, por danos alegadamente sofridos, por descarga eléctrica proveniente de um Posto de Transformação (PT) em Torres Novas, no dia 4 de Janeiro de 2014.

  3. A Ré, aqui Recorrente, impugnou, dado que na data e no local dos factos ocorreram de rajadas de intensidade excepcional e descargas atmosféricas, tendo, o PT em causa, sido atingido por um raio/uma trovoada, facto esse, que esteve na origem dos danos alegados.

  4. Veio a ser proferida sentença que considerou totalmente improcedente o pedido da Autora, considerando provada a ocorrência de uma causa de força maior nos termos do n.º 2 do art.º 509.º CC, alicerçando-se na prova testemunhal (com fundamentação expressa ao longo das páginas 14 a 20 da sentença da análise crítica dos depoimentos) e documental produzida.

  5. Inconformada, a Autora interpôs recurso da Sentença, por errónea apreciação da matéria de facto (os pontos 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 dos factos provados) e por erro de julgamento na apreciação jurídica dos factos, pugnando pela revogação da sentença, tendo a Ré, contra-alegado.

  6. Decidiu o Tribunal da Relação de Évora julgar procedente o Recurso interposto revogar a Sentença proferida em 1ª Instância, pelo que, em consequência condenou, a ora Recorrente, no pedido, em montante a apurar em sede de liquidação de sentença – não se conformando com essa decisão, a Ré, aqui Recorrente, interpôs o presente Recurso.

    1. delimitação objectiva do recurso 6. Entende a Recorrente que o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora se encontra ferido de ilegalidade por violação da lei substantiva e errada aplicação das leis do processo, uma vez que considerou como não admissível toda a prova testemunhal produzida em sede de julgamento, precludindo, os princípios basilares do Processo Civil, da imediação e da livre apreciação da prova pelo juiz, em clara violação do disposto nos artigos 368.º, 392.º a 396.º do Código Civil e no art.º 674.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do C.P.Civil, incumprindo ainda, por não ter procedido à análise de depoimentos de testemunhas e da demais prova, o determinado quanto aos poderes de alteração/modificação da decisão de facto, que lhe são conferidos nos termos do art.º 662.º, n.º 2 do do CPC.

  7. Veio ainda o Tribunal da Relação, no entender da Recorrente, fazer uma errada interpretação, com o devido respeito, do n.º 2 do artigo 509.º do Código Civil, no que concerne à definição legal de “causa de força maior”, em sede da apreciação do mérito da decisão de direito - motivos pela qual a Recorrente vem intentar o presente recurso.

    1. da não admissão da prova Testemunhal, e da violação do poderes de alteração/modificação da decisão de facto 8. É certo que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na decisão da matéria de facto está limitada, dado que, em regra, apenas está acometida a reapreciação de questões de direito. No entanto não está vedado legalmente ao Supremo Tribunal de Justiça verificar se a decisão do Tribunal da Relação ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados – estando possibilitada a intervenção do STJ nos casos previstos nos artigos 674.º n.º 3 e 682.º n.º 3 do CPC – como foi concluído no Ac. do STJ de 07-07-2016, Proc. 487/14.4TTPRT.P1.S1.

  8. Nem está vedado, ao Supremo Tribunal de Justiça, que sindique o correto ou incorrecto uso dos poderes da Relação, no tocante à alteração ou modificação da matéria de facto, solicitando, no fundo, que se avalie se a Relação, ao efectuar a dita apreciação, se conformou, ou não, com a lei - avaliação esta que será uma avaliação de direito e, portanto, da competência do STJ – conforme foi decidido, no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 02-03-2011, Proc. 1675/06.2TBPRD.P1.S1 10. No caso concreto, entende a Recorrente, que o Acórdão de que recorre procedeu à ofensa de uma disposição expressa que fixa a força probatória de determinado meio de prova, já que o Tribunal da Relação afastou a prova testemunhal, considerando-a admissível sem fundamentar a que título; 11. Com efeito, salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que não andou bem o Tribunal da Relação quando, na fundamentação do recurso, afirmou que: “a determinação das condições atmosféricas do local do sinistro, com o rigor que o objeto do processo demanda, não se compadece com mera prova testemunhal (mais a mais produzida há mais de três anos após o evento).

    Isto é, a determinação da existência de um “tornado”, de um “raio” naquele local concreto (..., Torres Novas) tem de ser evidenciada através de registo adequado da entidade competente que no caso é o I.P.M.A.”– cfr. 1º e 2º parágrafo da página 16 do Acórdão de que se recorre).

  9. A Relação ao concluir como concluiu, desconsiderou o valor probatório da prova testemunhal que foi produzida, pois ao concluir, que a prova de um determinado facto (a determinação da existência de um “tornado”, de um “raio” naquele local concreto) necessitaria de ser evidenciada por “um registo adequado da entidade competente”, ou seja, um documento autêntico, desvirtuou as normas que exigem certa espécie de prova ou fixam a força probatória de determinado meio de prova, já que afastou a prova testemunhal, considerando-a admissível, sem contudo observar o disposto no art.º 393.º CC.

  10. Desconhece, a aqui Recorrente, que norma é que impõe que a prova de tais factos tenha de ser obrigatoriamente provada com recurso a um documento escrito, emanado de determinada entidade…dado que o artigo 392.º do CC estabelece que a prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada, devendo a força probatória ser apreciada livremente pelo Tribunal, nos termos do artigo 396.º do CC.

  11. Não se alcança, pois, a que título é que a Relação decide o afastamento da prova testemunhal, sobretudo com o argumento de que não pode ser admissível por o rigor do objecto do processo assim o demandar e por terem decorrido mais de 3 anos sobre a data dos factos…ou que a queda de um raio, naquele concreto local, só pode ser evidenciada através de registo adequado de entidade competente… 15. Sobretudo atendendo a que o IPMA não só não tem estações meteorológicas em todos os locais do país…como nenhuma estação meteorológica do IPMA tem forma de mensurar a queda de raios.

  12. Não tomou, o Tribunal da Relação, em consideração as evidências documentais nas quais o Tribunal de primeira instância se alicerçou para decidir como decidiu, como sejam as fotografias que registaram o estado dos descarregadores de sobretensão (DST) do Posto de Transformação onde ocorreu a descarga atmosférica directa e que apresentavam o estado de derretidos “queimados por uma descarga atmosférica directa” como foi indubitavelmente testemunhado por todas as testemunhas da Ré.

  13. Conforme é sabido, princípios da imediação e da oralidade devem integrar a legalidade da decisão e são de extrema importância para a justa e correta composição do litígio e apreciação de mérito da causa, devendo, em situações em que são afastados, conforme a dos Autos, ser, pelo menos, devidamente justificado – o que não sucedeu.

  14. O modo como a Relação procedeu à apreciação da matéria de facto não foi formalmente correto, nos termos dos poderes de alteração/modificação da decisão de facto que lhe são conferidos nos termos do art.º 662.º, n.º 2 do CPC, por não ter procedido à fundamentação, de uma forma especificada, da decisão.

  15. O Tribunal da Relação em face aos depoimentos indicados e a outros elementos probatórios, deveria ter justificado a sua convicção, só assim realizando o...

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