Acórdão nº 2875/10.6TBPVZ.P1.S1  de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelACÁCIO DAS NEVES
Data da Resolução12 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - AA e mulher, e outros, intentaram ação declarativa comum, contra BB, S.A., Companhia de Seguros CC, S.A., e Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL, pedindo que as rés fossem condenadas solidariamente: a) A proceder à execução das obras de estabilização e contenção estrutural do prédio dos autores que se vieram a apurar em incidente de liquidação de sentença, no prazo de 20 dias após trânsito da sentença; b) A proceder à execução das obras de reparação dos danos verificados em cada uma das frações e no edifício dos autores, que se vieram a apurar em incidente de liquidação de sentença, no prazo de 40 dias após trânsito da mesma; c) No pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 5.000,00 por mês desde a data que for fixada na sentença para realização das obras referidas a); d) No pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 2.000,00 por mês desde a data que for fixada na sentença para realização das obras referidas b); e) No pagamento de uma indemnização a favor de cada um dos autores correspondente à desvalorização que cada uma das fracções de que são proprietários sofreu por via dos danos em que incorreram em consequência da escavação efectuada no prédio da terceira ré, a liquidar em execução de sentença e correspondente à diferença de valor de cada uma das fracções antes do prédio sofrer os danos e depois das obras de reparação; f) E no pagamento de uma indemnização a favor dos primeiros autores correspondente à quantia mensal de € 500,00, desde Março de 2008 até completa reparação da fracção “A”.

Alegaram, para o efeito e em resumo, a realização de obras num prédio da Ré Caixa de Crédito Agrícola, por parte da Ré BB, que havia transferido a responsabilidade civil emergente da execução de tais obras para a Ré Companhia de Seguros CC, e a circunstância de tais obras terem provocado deslizamentos subterrâneos de terra que causaram o assentamento da parede Sul e do piso térreo do prédio dos Autores e originaram prejuízos vários nas diversas frações. Na sua contestação, a Ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL defendeu-se por impugnação e invocou a ilegitimidade dos autores. A Ré Companhia de Seguros CC, S.A., para além de se defender por impugnação, invocou a prescrição do direito dos autores. Por sua vez a Ré BB, para além de se defender por impugnação e invocar a prescrição do direito dos autores, também invocou a sua ilegitimidade. No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade e relegou-se para a decisão final o conhecimento da excepção de prescrição.

Na sentença, a ação foi julgada parcialmente procedente, condenando-se solidariamente as Rés (sendo-o a ré CC, S.A. até ao limite do capital e com redução do valor da franquia): a) A executar as obras de estabilização e contenção estrutural do prédio dos autores que se vierem a apurar em incidente de liquidação de sentença, no prazo de 20 dias após o trânsito em julgado da respetiva sentença; b) A executar as obras de reparação dos danos existentes em cada uma das frações e no edifício dos autores que se vierem a apurar em incidente de liquidação da sentença, no prazo de 40 dias após o trânsito em julgado da respetiva sentença; c) No pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de cinco mil euros por mês pelo incumprimento do prazo fixado para a realização das obras referidas na alínea a); d) No pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de dois mil euros por mês pelo incumprimento do prazo fixado para a realização das obras referidas na alínea b). E absolvendo-se as rés do demais pedido.

Na sequência de recursos de apelação das Rés e dos autores (recurso subordinado), a Relação do Porto, por acórdão proferido nos autos: - Julgou procedentes as apelações das Rés BB, S.A., e Companhia de Seguros CC, S.A., julgando, quanto a elas, a acção improcedente, e absolvendo-as dos respectivos pedidos, com a consequente revogação da sentença nesta parte; - Julgou improcedente a apelação da Ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL, confirmando-se, quanto a ela, a sentença recorrida; - E, julgando parcialmente procedente a apelação dos autores, condenou a Ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL, ainda, no pagamento. aos Autores AA e mulher, a título de indemnização, da quantia mensal de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), a contar de Março de 2008 até à completa reparação da fracção A do prédio identificado em 1 dos factos provados.

Inconformada, interpôs a Ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL o presente recurso de revista, no qual formulou as seguintes conclusões: 1ª - O Acórdão recorrido não interpretou bem os factos, errando na interpretação, na aplicação e na determinação da lei substantiva e das normas aplicáveis. 2ª -Também fez errada aplicação da lei do processo. Na verdade, 3ª - Provado que a “escavação atingiu mais de 6 metros de profundidade, que a obra foi realizada até à extrema do terreno que confronta com o prédio dos Autores, com o objectivo de construir os dois pisos de cave do edifício da 3ª Ré”, embora em si possa não constituir um acto ilícito por parte do dono da obra, constituirá certamente um acto que merece especial atenção por parte do construtor, como se salientada decisão de primeira instância e se alude a fls. 1477 do Acórdão em crise, donde resulta claramente a necessidade de tomar medidas de contenção ou impermeabilização que o terreno impunha. 4ª - Todos sabemos que estamos perante factos notórios, os quais não carecem nem de alegação, nem de prova (artº 412º do CPC. 5ª - De acordo com este tipo de consideração, o Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no artigo 412º -1 do CPC, podia e devia considerar certos factos como notórios ainda que não alegados ou mesmo, “independentemente - até - de os mesmos, no caso de terem sido levados ao questionário, terem obtido resposta negativa por parte do tribunal”. 6ª - Tal como este Venerando Tribunal o pode fazer. 7ª - Qualquer cidadão (quanto mais uma empresa de construção civil, dotada de técnicos especializados, como engenheiros e arquitectos, e de meios de execução adequados para execução de uma obra daquela envergadura), colocado naquela posição e pela experiência comum, sabia que deveria ter tomado as cautelas e os cuidados que a situação objectiva e subjectivamente merecia. 8ª - Contrariamente ao sustentado no Acórdão em crise, a responsabilidade do dono da obra é solidária com a do empreiteiro... - art.° 497, n.º 1, do CC. 9ª - Atento o disposto nos art.ºs 497º- 2 e 524º do CC, o dono da obra, sobre o qual recai (sem culpa) a obrigação de indemnizar os proprietários vizinhos (que sofram danos resultantes de escavações para construção de edifício no prédio daquele), tem o direito de ser reembolsado pelo empreiteiro executante dos trabalhos da indemnização que pagou, fundando-se o reembolso no direito de regresso. 10ª - O empreiteiro não é um mandatário do dono da obra, pois age, diversamente, com inteira autonomia na respectiva execução, escolhendo os meios e utilizando as regras de arte que tenha por próprias e adequadas para cumprimento da exacta prestação correspondente ao resultado contratado, sem qualquer vínculo de subordinação ou relação de dependência. 11ª - À mesma conclusão, neste pressuposto, podemos chegar através do instituto plasmado no artº 483° do CC, pois se qualificarmos o tipo de actividade desenvolvida pela empresa que executou a obra como normal, ainda que sujeita a um nível de riscos acrescidos, não se opera a subsunção na previsão do artº 493º do CC, mas antes na previsão geral da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana contida no art. 483°- 1, do mesmo código. 12ª - Na realidade, ao não ter procedido à avaliação das condições do terreno onde iria organizar os trabalhos e sabendo que a amplitude e a natureza das escavações e as máquinas a usar possuíam um poder de influenciar a estrutura do terreno e transmitir esses efeitos ao edifício vizinho, a demandada “BB, Lda” negligenciou um dos deveres de diligência e cuidado que deveria ter observado, em momento anterior, à execução da obra ou à utilização da maquinaria. 13ª - Ao ter omitido um dever de cuidado que o risco inerente à utilização da maquinaria que viria a utilizar exigia e reclamava, agiu em desconformidade com uma obrigação de prevenção e cautela negligenciadora dos eventuais efeitos danosos que poderiam ocorrer e percutir na esfera de interesses (legítimos) de terceiros, o que a faz incorrer em responsabilidade civil. 14ª - A factualidade provada é suficiente para revelar a culpa da ré “BB” na produção dos danos sofridos pelos AA, sendo certo que o dono da obra mantém com a coisa a ligação característica do proprietário, com os inerentes direitos e deveres (nomeadamente, quanto à responsabilidade pelos prejuízos), sem embargo do exercício do direito de regresso contra o empreiteiro. 15ª - Em tais circunstâncias, a “BB” passou a deter a coisa, em vista da realização da obra, segundo os seus critérios técnicos e funcionais e, com essa detenção, assumiu os poderes de direcção e controle que caracterizam o dever de guarda e de vigilância. 16ª - É, pois, concludente que no caso de realização de uma obra, como aquela que está aqui em causa, resultando, em consequência das escavações, danos no prédio vizinho, são responsáveis pelo pagamento desses danos, quer o dono da obra (o proprietário do prédio no qual as escavações são efectuadas), que responde independentemente de culpa sua, quer o empreiteiro que levou a cabo a realização material das escavações. 17ª - Perante a factualidade provada, dúvidas não podem subsistir em como os danos sofridos pelo prédio dos AA foram provocados pelas obras levadas a efeito pela empreiteira “BB”, ou seja e em concreto, pelas escavações por ela...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
5 temas prácticos
5 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT