Acórdão nº 9934/13.1T2SNT-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2018
Magistrado Responsável | FERNANDA ISABEL PEREIRA |
Data da Resolução | 12 de Julho de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: O Município de … deduziu os presentes embargos de terceiro contra BB e Hockey Clube CC, por apenso à acção executiva que o primeiro moveu contra o segundo, pedindo que fosse «excluído dos bens nomeados à penhora o direito de superfície do prédio» descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 3…6/20…8.
Alegou para o efeito que é dono e legítimo proprietário daquele prédio, encontrando-se registado a favor do executado Hockey Clube CC, por 99 anos, o direito de superfície, sob condição de reversão a favor do Município, com todas as benfeitorias nele introduzidas, caso lhe seja dado destino diferente de parque de jogos.
Mais alegou não poder subsistir a penhora realizada sobre tal direito de superfície, uma vez que é impenhorável por se tratar um direito inalienável, na medida em que para esta ocorrer é necessário o consentimento do embargante, sendo a dedução dos presentes embargos a sua negação.
Alegou ainda que o direito de superfície em questão se constituiu intuitu personae, tendo em consideração as especiais natureza e actividades ali desenvolvidas pelo Hockey Clube CC, consideradas de relevante interesse público, sendo que a qualidade de vida da juventude que o clube agrega será prejudicada, afectando irremediavelmente a continuação dos treinos e a realização dos jogos calendarizados, o que é revelador do «fundado receio, lesão grave e irreparável».
Admitidos liminarmente, apenas o exequente BB contestou, invocando, em suma, a penhorabilidade do direito de superfície e a desnecessidade de o embargante autorizar a venda judicial, sendo que o embargante tem direito de preferência na venda, mediante o pagamento do valor em causa, o que afasta os pressupostos da gravidade e irreparabilidade dos danos provocados com tal venda.
Finalizou, pedindo que, na improcedência dos embargos, se mantenha a penhora já registada, prosseguindo a execução seus termos, designadamente com a venda judicial.
No saneador foram os embargos julgados improcedentes e os embargados absolvidos do pedido.
Inconformado com o assim decidido, apelou o embargante.
O Tribunal da Relação de …, dando provimento à apelação, revogou a decisão recorrida e, em sua substituição, julgou os presentes embargos de terceiro procedentes, determinando, em consequência: «a) o levantamento da penhora incidente sobre o direito de superfície de que é titular o embargado Hockey Clube CC, constituído pela escritura pública realizada no dia 30 de agosto de 1982, tendo por objecto o prédio urbano sito em …, freguesia de …, concelho de Sintra, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº 3…, com a área de 12.913 m2; b) o cancelamento do registo de tal penhora e a que se reporta a inscrição Ap. 2 de 2…3/08/05».
Recorre agora de revista o embargado BB, deduzindo na sua alegação as seguintes conclusões: «1. A penhora do direito de superfície e construções nele implantadas pelo Hockey Club CC em nada afecta a propriedade do Município de … e o acórdão confunde os conceitos entre eles, em clara violação dos art°s 1524°, 1525° do Cód. Civil; 2. O direito de superfície e o direito de propriedade do proprietário do solo constituem realidades jurídicas distintas, susceptíveis de serem objecto de relações jurídicas independentes, com a possibilidade de constituição e subsistência separada de direitos reais de garantia, como a penhora e outras; 3. O direito do superficiário Hockey sobre a coisa implantada é uma verdadeira propriedade, de domínio sobre coisa própria, não um simples direito real de gozo de coisa alheia pertencente ao proprietário do solo o Município de …, já que 4. a propriedade superficiário, incide também sobre o espaço aéreo e o subsolo por ela ocupados), direitos esses que, sendo o objecto do direito de propriedade um imóvel, abrangem o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico, tendo o acórdão violado os art.°s 1305° e 1344° e a definição legal de prédios no art.° 204°, n.° 2, todos do Código Civil; 5. O direito de propriedade do Município de … não é incompatível com a penhora, pois o que esta abrange é tão somente o direito de superfície, compreendendo as construções e instalações pertencentes ao superficiário que as erigiu e, assim não tendo entendido, o Acórdão recorrido violou, entre outros os arts 1532° 1534°, 1541°, do Cód. Civil; 6. O direito de propriedade do Município de … ao prédio descrito não se insere no domínio público pois foi-lhe doado por particulares, está registado em seu nome no Registo Predial, é bem do domínio privado do Município de … e está sujeito a um regime de direito privado e integrado no correspondente comércio jurídico; 7. Assim, não se inclui em nenhum dos fins Art. 2.° - 1, nem se insere no invocado dispositivo do art° 5º n° 1 Dec Lei 794/76 de 5/11, disposições cuja interpretação foi violada; 8. O direito de superfície, objecto de penhora, não foi constituído intuitu personae; 9. Uma obrigação é intuitu personae se eia foi assumida tendo em consideração as qualidades próprias da pessoa do devedor, podendo qualificar-se negócio jurídico intuitu personae quando a sua realização teve lugar em razão das características específicas de uma das suas partes; 10. O objectivo da constituição do direito de superfície - construção de parque de jogos - encargo habitual, se o fundeiro não quer ou não pode meter-se em construções e constitui o direito a favor de que o possa e queira fazer; 11. O direito de superfície, objecto de penhora, foi constituído gratuitamente, por 99 anos porque o Hockey Club levou a cabo importantes construções, com elevados investimentos e o Município, quando findar o contrato, ficará enriquecido e por isso, é que atribuiu esta condição; 12. A cláusula de reversão se lhe der outro destino que não o parque de jogos, é a contrapartida da concessão do direito de superfície para o Município assegurar a referida construção. Daí a "penalidade": regressa ao Município se não construir o parque de jogos.
13. O próprio título constitutivo do direito de superfície à luz das regras de interpretação do negócio jurídico, designadamente as dos arts. 236° e 238° do CC, não se descortina que o direito tenha sido constituído intuitu personae, isto é, só para o executado Hockey Clube CC e, por conseguinte, não possa ser transmitido e/ou que a sua transmissão implique a extinção do próprio direito de superfície por verificação de condição...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO