Acórdão nº 216/15.5T8GRD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2018
Magistrado Responsável | FERNANDA ISABEL PEREIRA |
Data da Resolução | 12 de Julho de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA, Lda, instaurou a presente acção declarativa de condenação contra BB, Lda, CC e DD, Lda, pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 302 998,14.
Para o efeito, alegou, em síntese que: Contratou, em 10/09/2008, “os serviços dos Réus” como técnicos habilitados para execução da totalidade dos documentos de planeamento e gestão urbanística exigidos pela legislação vigente, para aprovação pela Câmara Municipal de … (C.M. de …) de um empreendimento urbanístico designado por “EE”, que compreendia a edificação de um hotel de 5 estrelas e um campo de golfe; Os réus vincularam-se a praticar todos os actos necessários e adequados para que o projecto viesse a ser classificado como de Potencial Interesse Nacional (PIN), bem como à execução dos trabalhos acordados.
Os réus, apesar de terem recebido da autora o montante global de 216 000,00€, não cumpriram todas as obrigações a que se vincularam, omitindo a prestação de informações quanto ao desenvolvimento dos estudos e projectos, chantageando a autora com a exigência de pagamentos, até que, em 23/12/2011, esta descobriu que aqueles não tinham cumprido qualquer das suas obrigações contratuais, criando na autora a expectativa de que iriam prestar os serviços para os quais publicitavam estarem especialmente habilitados, sem que efectivamente o estivessem com o único objectivo de receberem verbas que aquela ia pagando.
Os réus agiram com conhecimento da ilicitude das suas condutas e com o propósito conseguirem um ilegítimo enriquecimento à custa da autora, o que lhe confere o direito à restituição do valor que lhes entregou, € 216 000,00, acrescido dos juros que essa quantia podia render numa aplicação bancária, com uma taxa de juro de 4%, no montante de € 36 998,14, bem como à indemnização da quantia de € 50 000,00 pelo tempo, esforço e espectativas depositadas no projecto, que se frustraram por culpa exclusiva dos réus”, tudo no montante global de € 302 998,14.
Contestou a ré DD. Excepcionou a falta de poderes de representação da pessoa que subscreveu o contrato em seu nome, dado resultar dos seus estatutos que só pode obrigar-se pela assinatura conjunta de dois gerentes, e admitiu ter recebido a quantia de € 24 000,00 pelos serviços de engenharia civil que prestou, sendo os demais serviços da responsabilidade exclusiva do réu arquitecto CC.
No mais impugnou o alegado na petição inicial e concluiu pela improcedência da acção e absolvição do pedido.
Os réus BB, Lda, e CC contestaram e deduziram pedido reconvencional.
Impugnaram o essencial da alegação da autora, reveladora de má fé e integradora de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, concluindo pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.
Na reconvenção, alegaram ter prestado outros serviços (nos termos acordados na “nota de honorários” de Junho de 2008), que não foram pagos, pedindo que: a) se declare a resolução do contrato; e, em consequência, b) se condene a autora a pagar-lhes a quantia global de € 1 554 858,73, acrescida de IVA e juros à taxa comercial, desde a citação até efectivo pagamento.
A autora replicou, sustentando a inadmissibilidade da reconvenção deduzida, e excepcionou a prescrição do direito de indemnização invocado pelos reconvintes, impugnando a factualidade alegada na reconvenção.
Finalizou pedindo a improcedência da reconvenção e a condenação dos réus como peticionado e, ainda, como litigantes de má fé.
Teve lugar a audiência prévia, tendo o pedido reconvencional sido admitido no saneador e relegado para final o conhecimento da prescrição.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que: - Julgou totalmente improcedente a acção e absolveu os RR do pedido; - Julgou procedente em parte a reconvenção, condenando a Autora a pagar à Reconvinte BB, Lda., a quantia de €159.712,90, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da notificação da reconvenção à A; - Condenou a A. como litigante de má fé na multa de € 50,00 UCs.
Apelaram a autora e a ré/reconvinte BB, Lda.
O Tribunal da Relação de … proferiu acórdão, em 14 de Novembro de 2017, no qual decidiu: «conceder parcial provimento ao recurso da Autora e negar provimento ao recurso da Ré, e revogando-se a sentença, julga-se a acção e a reconvenção totalmente improcedentes, absolvendo-se Autora e Ré dos pedidos contra elas formulados; a Autora vai absolvida da condenação como litigante de má fé».
Irresignadas, recorreram de revista a autora e os réus.
A autora formulou na respectiva alegação as conclusões seguintes: «1. No acórdão recorrido cometeram-se erros na aplicação da matéria de direito, nomeadamente, no que concerne aos efeitos da revogação do contrato de prestação de serviços celebrado entre A. e RR., impondo-se, por isso, uma solução inversa à decidida.
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O presente recurso tem por objecto a decisão do Tribunal da Relação de … de considerar que, por força da revogação do contrato de prestação de serviços, a recorrente não tem direito que os RR. lhe restituam os € 216.000,00 que lhes pagou, deduzido do montante de € 114.000,00 que a recorrente aceita como valor dos serviços efectivamente prestados pela recorrida.
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O Tribunal da Relação de … andou bem ao qualificar o contrato celebrado entre as partes como um contrato de prestação de serviços, na medida em que, os RR. apenas assumiram perante a A. a obrigação de executar a totalidade dos documentos de planeamento e gestão urbanística necessários à aprovação de um empreendimento que a recorrente pretendia construir em …, não assumindo qualquer obrigação de realizar qualquer obra.
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Aceita-se que ao contrato celebrado entre as partes se aplicam as regras do mandato, nomeadamente a prevista no artigo 1170.º do Código Civil, que dispõe que o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, salvo se tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro.
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O contrato em causa nos presentes autos não foi concedido no interesse dos RR., uma vez que, conforme tem vindo a ser pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, a simples onerosidade não traduz esse interesse por parte do mandatário ou do prestador de serviços, pelo que, a revogação podia operar unilateralmente, não sendo exigível a vontade de ambos os contraentes.
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Nos termos do artigo 1171.º do Código Civil, a revogação pode ser tácita, pelo que, é manifesto que ao celebrar o contrato de prestação de serviços com a FF, Lda., em substituição dos aqui RR., revogou tácita e validamente o contrato de prestação de serviços celebrado com os mesmos.
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Contrariamente ao que se entendeu no Acórdão de que se recorre, é nossa opinião que a revogação tem os efeitos que resultarem da interpretação do contrato revogatório ou da vontade das partes, sendo que, normalmente, a intenção das partes é a de considerar o contrato como se não tivesse sido concluído, portanto, fazendo extinguir os efeitos já produzidos.
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À semelhança da resolução e da denúncia, a revogação constitui uma excepção ao princípio da irretratibilidade da relação contratual (art.º 406º, n.º 1 do Cód. Civil) baseada em fundamentos supervenientes, só que, diferentemente do que sucede nos restantes casos, a mesma depende apenas do livre querer das partes e não está sujeita à verificação de um qualquer fundamento especial, nem da intervenção do tribunal, consistindo na destruição do vínculo contratual mediante uma declaração dos contraentes oposta à primitiva que lhe deu vida, a qual terá ou não efeitos retroativos, consoante a vontade das partes.
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A matéria constante dos autos é reveladora de que a intenção da A. ao revogar o contrato era a de retirar todos e quaisquer efeitos ao contrato de prestação de serviços celebrado com os RR., fazendo com que ele nem sequer tivesse sido celebrado, pois, não se poderá esquecer que a A. só celebrou o contrato de prestação de serviços com a sociedade FF, Lda. porque os RR. não cumpriram o contrato que haviam celebrado com aquela, ou seja, porque, apesar de terem recebido o montante de € 216.000,00 não prestaram os serviços a que se tinham obrigado por força do aludido contrato.
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No período de vigência do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes em 10.09.2008, o Plano de Pormenor ainda não tinha sido aprovado, nem tinham sido praticados os actos necessários para que o projecto pudesse ser qualificado como de Potencial Interesse Nacional.
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Do contrato de prestação de serviços e do respectivo aditamento contratual resulta que as partes sujeitaram a obrigação de pagamento de honorários à efectiva prestação dos serviços por parte da recorrente, ou seja, à verificação de uma condição, a qual não veio a ocorrer.
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Os projectos/estudos/trabalhos documentais e escritos apresentados pelos RR. não estavam de acordo com a legislação vigente, pelo que o indeferimento do pedido de informação prévia assentou apenas na conduta dos RR., que apesar de deverem conhecer a Lei do ordenamento do território, e em concreto do Plano Diretor Municipal para o local em causa, apresentaram um projecto inviável.
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O Plano de Pormenor elaborado pela Câmara Municipal de ..., inicialmente teve por base os estudos/projectos apresentados pelos RR., sendo ainda certo que, o mesmo não mereceu aprovação do Turismo de Portugal por causa das desconformidades que os mencionados estudos/projectos apresentavam, sendo ainda certo que os RR. não auxiliaram a Câmara Municipal de … a suprir tais desconformidades, com vista à obtenção do referido Plano de Pormenor.
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Os RR. não cumpriram igualmente a obrigação assumida no contrato quanto à preparação dos documentos necessários para que o projecto fosse aprovado pela Câmara Municipal de Seia, sendo ainda certo que, tal obrigação se tornou definitivamente impossível, quando a C. M. de … chamou a si o processo de aprovação do Plano de Pormenor.
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A preparação da documentação necessária para que o projeto fosse...
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