Acórdão nº 0777/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Setembro de 2018
Magistrado Responsável | ANTÓNIO PIMPÃO |
Data da Resolução | 05 de Setembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: * 1.1.
A Autoridade Tributária e Aduaneira recorre da sentença do TAF do Porto de 23/04/2018 (fls. 870-A/870-AG) que julgou procedente a ação intentada contra o ato do diretor de finanças do Porto, datado de 13/04/2017, que, concordando com as conclusões de relatório dos Serviços de Inspeção, fixou o rendimento tributável para efeitos de IRS, por métodos indiretos, para o ano de 2010, referente a acréscimo patrimonial não justificado no valor de € 8.624.930,00 euros, e determinou a sua anulação.
Termina as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo: «i) Visa o presente recurso reagir contra a sentença que concedeu provimento ao recurso interposto ao abrigo do disposto no Art.º 146.º-B do CPPT – manifestação de fortuna –, com a consequente anulação da decisão recorrida, a qual sufragou que não existe caso julgado, na medida em que nos recursos das decisões de derrogação de sigilo bancário – no que concerne à inaplicabilidade do n.º 5 Art.º 45.º da LGT – apenas foi feita no Acórdão proferido no Proc. n.º 1796/15.0BEPRT, uma mera referencia à “latere” à questão da extinção do procedimento criminal por morte do marido da ora Recorrida e ao alegado abuso do referido n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, não consubstanciando uma verdadeira apreciação jurídica, muito menos para efeitos de formação de caso julgado, sendo que a eventual referência a tais argumentos, é feita sobre a égide da derrogação do sigilo bancário e respectivos pressupostos, e não para efeitos de análise da legalidade da decisão de tributação por métodos indirectos, com fundamento em manifestações de fortuna.
ii) É contra tal entendimento que se insurge a Recorrente.
iii) A factualidade dada como provada na sentença recorrida, teve a sua génese nos procedimentos de derrogação do sigilo bancário à Recorrida e a A…………, tendo no âmbito, dos recursos interpostos a Recorrida invocado a inaplicabilidade do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, bem como a extinção do processo de inquérito criminal, atendendo ao falecimento de A………….., e do abuso do processo de inquérito criminal nos termos do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT.
iv) Tais argumentos foram apreciados no âmbito das sentenças proferidas pelo TAF do Porto no âmbito dos Procs. n.º 2449/15.5BEPRT e 1796/15.OBEPRT, tendo sido posteriormente objecto de recurso por parte da ora Recorrida, e no âmbito dos acórdãos proferidos por esse Venerando Tribunal nos Procs. n.ºs 2449/15.5BEPRT e 1796/15.0BEPRT, os mesmos negaram provimento aos recursos interpostos, tendo as decisões de derrogação de sigilo bancário transitado em julgado.
v) Nos presentes autos de manifestação de fortuna, a ora Recorrida suscitou novamente a inaplicabilidade do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, bem como a extinção do processo de inquérito criminal atendendo ao falecimento de A…………., do abuso do processo de inquérito criminal nos termos do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, ou seja, a Recorrida escorou a sua pretensão na mesma fundamentação que já havia esgrimido no âmbito dos processos de derrogação de sigilo bancário, e sob os quais já recaíram sentenças e acórdãos transitados em julgado (veja-se a este propósito o entendimento proferido no Acórdão n.º 1796/15.0BEPRT de 14.01.2016).
vi) Entendeu o Recorrente que a sentença procede a uma errada interpretação e aplicação de facto e de direito, no que respeita o trânsito em julgado dos argumentos atinente à inaplicabilidade do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, à extinção do processo de inquérito criminal atendendo ao falecimento de A…………, e ao abuso do processo de inquérito criminal nos termos do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT.
vii) Tem-se entendido que a determinação dos limites do caso julgado e a sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado, ou seja o caso julgado visa essencialmente a imodificabilidade da decisão transitada e a irrepetibilidade do juízo contido na sentença.
viii) Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – que é o problema dos limites objectivos do caso julgado –, temos de reconhecer que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada ix) Efectivamente, a decisão não é mais nem menos do que a conclusão dos pressupostos lógicos que a ela conduzem — precisamente, os fundamentos — e aos quais se refere x) Como refere M. TEIXEIRA DE SOUSA (“Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 579), “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão (realce nosso) (e ainda Castro Mendes In Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, pp. 43-44 e ao nível da jurisprudência vejam-se os acórdãos do STJ de 13.12.2007, relatado pelo Juiz Cons. Nuno Cameira no Proc. n.º 0743 739; de 06.3.2008, relatado pelo Juiz Cons. Oliveira Rocha, no Proc. n.º 08B402, de 23/11/2011, relatado pelo Juiz Cons. Pereira da Silva no Proc. n.º 644/O8.2TBVFR.P1.S1 e Acórdão do STA de 23.11.2016, no Proc. 915/16).
xi) Em face da jurisprudência e da doutrina elencada, recorta-se que para efeitos do caso julgado, a sentença como conclusão e silogismo de determinados fundamentos, atinge tais fundamentos como pressupostos daquela decisão.
xii) Tendo presentes autos a Recorrida invocando a questão inaplicabilidade do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, bem como a extinção do processo de inquérito criminal, atendendo ao falecimento de A……………, e do abuso do processo de inquérito criminal nos termos do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, tais questões já haviam sido objecto de apreciação por sentenças e acórdãos em sede de procedimento de derrogação de sigilo bancário, ou seja, tais fundamentos enquanto pressupostos daquelas decisões encontravam-se abrangidos no segmento decisório das sentenças os quais foram confirmadas por acórdãos desse Venerando Tribunal.
xiii) Logo, relativamente a esses argumentos e ainda que apreciação em ambas as instâncias, tenha sido à “latere” como alega do tribunal a quo, tendo tais fundamentos enquanto pressupostos da decisão sido julgados improcedentes por decisões transitadas em julgado, verificam-se os pressupostos do caso julgado.
xiv) É que, as decisões proferidas reiteraram que o procedimento de derrogação do sigilo fiscal observava os requisitos estatuídos na lei, e não ofendia qualquer dos fundamentos alegados pela Recorrida – a extinção do processo de inquérito criminal, atendendo ao falecimento de A……………, e do abuso do processo de inquérito criminal nos termos do n.º 5 do Art.º. 45.º da LGT, e nesse desiderato, a sentença enquanto silogismo dos fundamentos esgrimidos pelas partes, atinge tais fundamentos como parte da decisão, tendo-se formado caso julgado.
xv) E nesse desiderato a sentença recorrida ofende o caso julgado ao aludir que as decisões não se pronunciaram expressamente acerca da extinção do processo de inquérito criminal, atendendo ao falecimento de A…………., e do abuso do processo de inquérito criminal nos termos do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, pois tendo os mesmos sido julgados improcedentes, não faz sentido que em cumprimento de tais decisões e em sede de fixação dos acréscimos patrimoniais – manifestação de fortuna – o procedimento se encontre ferido de anulabilidade, tais argumentos já foram apreciados e julgados improcedentes.
xvi) Ou seja, tendo as decisões determinado o acesso às contas bancárias da Recorrida e julgado improcedentes os fundamentos esgrimidos em sede de derrogação do sigilo bancário, o tribunal a quo procede à errónea a apreciação de factos e de direito e labora em manifesto erro ao não julgar verificada a excepção de caso julgado.
xvii) Até porque, se os fundamentos esgrimidos pela Recorrida em sede de derrogação do sigilo bancário foram julgados improcedentes, ainda que à “latere” mas inseridos na decisão, e que aquelas determinaram o acesso às contas bancárias, como é possível que em sede de manifestação de fortuna, este procedimento venha a ser a anulado com base nos mesmos fundamentos que já haviam sido apreciados em sede de derrogação do sigilo bancário? xviii) Recorta-se assim que a sentença procede a erro de julgamento ao julgar não verificada a excepção caso julgado, em manifesta e clara violação do disposto na alínea i) do n.º 1 do Art.º 577.º do CPC xix) No que respeita à inaplicabilidade do disposto no n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, aquilatou a sentença recorrida em face da jurisprudência dos tribunais superiores que tal normativo legal não se encontra gizado por forma a permitir que toda e qualquer situação em que haja um inquérito no qual estejam a ser investigados factos aos quais o direito à liquidação respeite, o prazo de caducidade desse direito seja sempre, sem mais prolongado, considerando que para que o alargamento do prazo regra de caducidade consagrado no n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, é necessário que as correcções que originaram a liquidação decorram da factualidade material investigada no âmbito do inquérito criminal, ou seja, exige que a liquidação dependa do desfecho do processo de inquérito para que possa ser efectivada.
xx) Entendeu assim a sentença que em termos que permitem a respectiva liquidação, o Recorrente está obrigado a encetar o procedimento, sem aguardar pelo desfecho do inquérito, uma vez que a qualificação ou não desses factos como crime é irrelevante para a liquidação, escorando a sua fundamentação nos acórdãos proferidos por esse Colendo Tribunal nos Proc. n.º 01619/09.9BEBRG de 15.10.2010 e Proc. n.º...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO