Acórdão nº 10290/13.3YIPRT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução05 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 21 de Janeiro de 2013, AA - Indústria de Reciclagem, S.A., apresentou um requerimento de injunção contra BB - Pavimentos, S.A., pretendendo o pagamento de € 102.434,49 (€ 100.916,50 a título de capital e € 1.517,89 de juros de mora vencidos), acrescido dos juros de mora vincendos. Para o efeito, e em síntese, alegou ter vendido à ré, “no exercício da sua actividade comercial”, granulado de borracha, no valor de € 664.538,77, entre Fevereiro de 2008 e Maio de 2010, e ter ocorrido inexactidão na aplicação da taxa devida de IVA nas facturas correspondentes, a taxa reduzida de 5%.

Alegou ainda que, para regularizar essa inexactidão, emitiu as notas de débito e de crédito que identifica, relativas “à diferença entre o imposto liquidado no momento das aquisições e o montante que resulta da aplicação da taxa correcta de IVA (taxa normal em vez da taxa reduzida)”; estarem vencidos desde 4 de Outubro de 2012 os correspondentes avisos de lançamento, enviados à ré por carta registada recebida em 24 de Outubro de 2012, ré essa que não procedeu a qualquer pagamento, apesar de interpelada “por diversas vezes”, entrando assim em mora.

A requerida opôs-se, não reconhecendo qualquer dívida à requerente e alegando ter oportunamente pago “todos os produtos adquiridos à requerente nos anos de 2008, 2009 e 2010, bem como em qualquer outro momento (…), de acordo com as facturas elaboradas e apresentadas pela própria à requerida”, sendo apenas da responsabilidade da requerente qualquer inexactidão na aplicação da tava de IVA, e afirmando que as notas de débito foram emitidas “à sua revelia”, não lhes reconhecendo “legitimidade e/ou obrigatoriedade”.

Remetido o processo ao Tribunal de Família e Menores e de Comarca de …, foi determinado que o processo passasse a seguir a forma ordinária (despacho de fls. 38).

A autora replicou. Afirmou, nomeadamente, que “improcede totalmente a invocação do pagamento do preço dos produtos adquiridos”, pois “a obrigação do adquirente dos bens que é sujeito passivo de IVA, de suportar o imposto que lhe seja, posteriormente, imputado, nada tem a ver com o cumprimento da obrigação de pagamento do preço”; e que “é manifestamente falso” que tenha procedido “às correcções do imposto sem” dar conhecimento à ré.

Recordou ainda que era sua obrigação proceder à repercussão do imposto “para os seus clientes que eram sujeitos passivos de IVA”, como a ré, e que, para o efeito, após ter apresentado “um pedido de informação vinculativa à Administração Tributária, ao abrigo do artigo 68º da Lei Geral Tributária (…), obteve o esclarecimento de que as operações em causa (…) estavam sujeitas à taxa normal de IVA” e “foi alvo de um procedimento inspectivo, que resultou numa liquidação adicional de IVA, pela aplicação inexacta da taxa de imposto”. Assim, procedeu “à rectificação das facturas já emitidas”, cabendo à ré fazer a dedução correspondente, ou, sendo caso disso “apresentar um pedido de reembolso”; e que “não se trata de apurar responsabilidades”, já apuradas – pagou “o imposto que não liquidou a todos os seus clientes, bem como (…) [as] coimas junto da Administração tributária”, “mas, pelo contrário, de respeitar o mecanismo do imposto”.

Frisou também que as notas de débito eram documento equivalente a facturas, para o efeito de conferir “o direito à dedução do IVA”.

A sentença de fls. 488 julgou a acção improcedente. Considerando que a questão a resolver era a de “saber se, tendo havido erro da Autora na taxa de IVA aplicada nas facturas emitidas à Ré e por esta pagas, deve a Ré, que não é consumidora final, pagar o remanescente de IVA à taxa legal devida”, o tribunal entendeu que o CIVA (artigo 37º) “consagra o dever de repercutir o imposto”, mas “não prevê expressamente qualquer limite temporal para o exercício desse dever”; que, “não obstante existir obrigação de repercutir o imposto, o sujeito passivo adquirente dos bens só pode ser obrigado ao seu pagamento se as facturas ou documentos equivalentes forem emitidos a tempo de lhe permitir exercer a respectiva dedução ou pedido de reembolso, pois só assim poderá ser assegurado o funcionamento do imposto de forma neutral”; que “nos termos do art. 19º, nº 2” do CIVA; “só confere direito a dedução do imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos além do mais, os consagrados no art. 36º, nº 5 do CIVA”.

Por conseguinte, “em finais de Outubro de 2012, na melhor das hipóteses no dia 24/10, quando foram recepcionados os avisos de lançamento de fls. 114 e segs., já a Ré estava impossibilitada (por motivo totalmente imputável à Autora) de efectuar qualquer dedução (e consequentemente qualquer pedido de reembolso) relativamente às operações anteriores a 24 de Outubro de 2008.

Conclui-se assim que, por esta razão, a Ré não estava obrigada a pagar o imposto adicional de IVA relativamente às aquisições de bens feitas até 24 de Outubro de 2008, cobrado decorridos mais de 4 anos desde tais aquisições, por se encontrar impedida de efectuar a respectiva dedução ou pedido de reembolso, o que contraria toda a lógica do IVA, tornando este agente económico em consumidor final quando de modo algum o erro de facturação lhe é imputável." Quanto às aquisições posteriores a essa data, entendeu ainda a sentença que os “avisos de lançamento «não contêm nem “em si, nem por remissão (…) os elementos legais necessários que caracterizam a factura, não se mostrando, nessa medida, preenchida a condição formal para o direito de dedução do imposto”, tal como se exige nos artigos 29º, nº 7 e 36º, nº 5, então vigentes, do CIVA.

Concretamente, “são datados, numerados sequencialmente e contêm os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como o número de identificação fiscal da Ré. Porém, naquilo que parece ser a descrição da operação pode ler-se de forma idêntica nos avisos de lançamento, variando apenas o mês e ano a que respeitam: «valor de vossa conta referente ao valor adicional de IVA do período de Fevereiro de 2008 decorrentes de correcções efectuadas pela administração fiscal (operação não sujeita a IVA)», após o que aparecem enumerados numa coluna números de facturas (sendo que em alguns avisos esta coluna não é sequer precedida da menção ‘factura’ (…), seguindo-se uma coluna com uma correspondência de valores, com a designação ‘débito’. Os ditos avisos não contêm a quantidade a denominação usual dos bens transmitidos, a taxa aplicada e a taxa devida, e nem contêm, relativamente a cada factura indicada, o respectivo preço líquido de imposto, e nem a data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente ou a respectiva data de emissão”.

É certo que estes dados omissos constam das facturas juntas a cada um dos avisos, todavia não há nos avisos de lançamento qualquer menção de que dos mesmos fazem parte as facturas correspondentes ou que estas lhe estejam anexas (…), donde, julgamos que as mesmas não podem considerar-se incluídas ou incorporadas em tais avisos”.

A improcedência da acção foi totalmente confirmada pelo Tribunal da Relação de ….

A autora interpôs recurso de revista excepcional, que foi admitido.

2. Nas alegações que apresentou, a autora formulou as seguintes conclusões (deixando agora de lado as que se referem aos pressupostos da revista excepcional): «(…) XII. O Acórdão Recorrido não pode manter-se na medida em que incorre em erro de julgamento das normas legais aplicáveis, nomeadamente: i. No que respeita ao fundamento da impossibilidade de repercutir IVA a adquirentes que, pelo decurso do prazo, se encontrem impossibilitados de deduzir o mesmo imposto: 1. Violação da obrigação da Recorrente em proceder à repercussão do IVA na esfera da adquirente e ora Recorrida, prevista no número 1 do artigo 37.

º do Código do IVA; 2. Violação do princípio da responsabilidade solidária do adquirente, previsto no número 1 do artigo 79.º do Código do IVA; ii. No que respeita ao fundamento de os Avisos de lançamento não serem conformes o artigo 36.º do Código do IVA, erro na interpretação do referido artigo e, nomeadamente, dos requisitos que os documentos rectificativos de factura devem conter.

  1. O número 1 do artigo 37.º do Código do IVA impõe que o sujeito passivo do imposto, neste caso o vendedor, exija ao adquirente das mercadorias o imposto liquidado na factura e, correspondentemente, que o adquirente das mercadorias proceda ao pagamento do imposto liquidado – trata-se de uma obrigação consagrada na Lei e não de um Direito; XIV. A violação da obrigação do sujeito passivo em repercutir o imposto é, inclusivamente, punida com a coima prevista na alínea a) do número 5 do artigo 114.º do RGIT; XV. Não decorre do referido artigo 37.

    º do Código do IVA, de qualquer outra disposição legal do mesmo Código, ou de qualquer legislação relevante, incluindo a Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 [na redacção que lhe foi conferida pela Directiva 2010/88/EU do Conselho de 7 de Dezembro de 2010], relativa ao sistema comum do Imposto sobre o valor acrescentado, que a obrigação de repercussão do IVA (para o transmitente) e a obrigação de pagar o imposto (pelo adquirente) cessa quando o adquirente fique impedido de deduzir o IVA repercutido; XVI. Tratando-se da repercussão de um Imposto, não estava na esfera da Adquirente, ora Recorrida, recusar a sua repercussão pelo facto de não poder deduzir o referido imposto.

  2. A própria Informação Vinculativa pedida pela Recorrida e junta ao processo a fls. 98 e 99 não faz qualquer referência quanto ao facto de existir uma limitação temporal à obrigação de repercutir o imposto.

  3. Consequentemente, o fundamento da impossibilidade de repercutir IVA a adquirentes que, pelo decurso do prazo, se encontrem impossibilitados de deduzir o mesmo imposto viola expressamente o número 1 do artigo 37.º do Código do IVA.

  4. Acresce...

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