Acórdão nº 1567/11.3TVLSB.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Junho de 2018
Magistrado Responsável | TOMÉ GOMES |
Data da Resolução | 28 de Junho de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.
AA, S.A. (A.), intentou, em 12/06/2011, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra: - BB (1.ª R.), viúva de CC, falecido em 21/06/2003, demandada por si e na qualidade de co-herdeira deste; - DD (2.ª R.), casada, EE (3.ª R.), casada, e CC (4.º R.), casado, todos eles filhos do falecido CC, demandados na qualidade de co-herdeiros deste; - FF (5.º R.), solteiro, GG (6.º R.), solteiro, e HH (7.ª R.), menor, representada por sua mãe II, demandados também como co-herdeiros CC, por serem filhos de JJ, por sua vez, filho daquele e também falecido em 23/12/2007, no estado de divorciado. Alegou a A., no essencial, o seguinte: .
A A. tem como principal acionista a sociedade “LL”, a qual, em 30/11/1987, celebrou com CC e mulher BB, ora 1.ª R., um contrato em que prometeu comprar a estes o prédio urbano sito na Av. ..., à data em vias de conclusão, destinado a ser o ... Hotel, unidade de 4 estrelas, a acabar de acordo com as condições e especificações da MM Inc.; .
Desse contrato-promessa consta que CC se obrigava a obter a rescisão de um contrato de management outorgado em 07/ 01/1987 com a MM Inc., de forma a que a promitente-compradora “LL”, pudesse explorar o hotel que viesse a ser instalado no sobredito prédio em regime de franquia a celebrar com a MM; .
Tendo CC e mulher negligenciado o cumprimento daquele contrato-promessa, a sociedade LL, demandou-os através do processo n.º 339/88, instaurado no então 5.º Juízo Cível, que terminou mediante transação realizada em 08/10/1988 e homologada por sentença, nos termos da qual ficou acordado que as obras e instalação do hotel estariam concluídas até 31/01/89, conforme o estabelecido no caderno de encargos; .
No âmbito dessa transação, CC e mulher entregaram à “LL”, uma garantia bancária emitida pelo NN a favor desta sociedade, no valor de 250.000.000$00, destinada a caucionar os defeitos de construção do prédio e de instalação de aparelhagem, bem como a boa receção do mesmo prédio e do hotel nele instalado; .
Porém, em 31/01/89, CC e mulher não procederam à entrega do prédio nem do hotel, alegando atraso na conclusão da obra e da instalação; .
Em 21, 22, 23, 24 e 28 de fevereiro e 2 e 29 de março de 1989, procedeu-se a vistoria do edifício e hotel, tendo sido detetados os defeitos constantes de atas e relatórios, concluindo-se que, quanto à construção civil e instalações técnicas, a obra estava concluída em mais de 90%, mas não quanto ao equipamento; .
Subsequentemente, por escritura pública de 31/03/1989, CC e mulher declararam vender à A., pelo preço de 1.675.000.000$00, o terreno em que o edifício se encontrava em construção, o equipamento e recheio destinado ao hotel de 4 estrelas, sendo que, nesse momento, o prédio continuava a não estar concluído e o hotel não instalado; .
Nessa escritura, CC e mulher declararam-se responsáveis pelos defeitos na construção e obra que pudessem surgir no prazo de um ano, ou seja até 31/03/1990, até ao valor de 167.500.000$00; .
Apesar de instados, CC e mulher, ora 1.ª R., não procederam à reparação dos defeitos verificados nem disponibilizaram meios financeiros à A. para que o fizesse em substituição deles; .
Perante isso, a A. viu-se na necessidade de proceder à retificação dos defeitos, bem como à aquisição de equipamentos e mobiliário para o hotel com as especificações MM para hotel de 4 estrelas, de acordo com uma lista de desconformidades, datada de 13/06/89, elaborada na sequência de vistoria da MM Inc.; .
Em tais circunstâncias, a A. adjudicou a terceiro trabalhos de construção civil e adquiriu equipamentos e mobiliário, no valor global Esc. 180.142.659$60, equivalente a € 898.547,80; .
Em 30/03/1990, a A. instaurou ação declarativa contra CC e mulher a pedir a condenação destes a pagar-lhe a quantia de Esc. 167.500.000$00 (equivalente a € 835.486,47), acrescida de juros vencidos desde 30/03/1990, bem como em lucros cessantes no valor provisoriamente calculado em 67.109.621$00 (equivalente a € 334.741,37), a qual correu termos no processo n.º 3036/90 da 10.ª Vara Cível de Lisboa, tendo sido julgada improcedente por falta de alegação e prova de factos tendentes a concluir pelas reparações pretensamente efetuadas e montante gasto com as mesmas, conforme sentença da 1.ª instância de 17/10/2007, sucessivamente confirmada por acórdão da Relação de 02/07/2009 e acórdão do STJ de 09/02/2011.
Invocando agora o instituto do enriquecimento sem causa, a A. veio pedir através da presente ação a condenação dos R.R. a pagarem-lhe: a) - A quantia de € 898.547,80, equivalente ao valor com que os R.R. se locupletaram à custa do empobrecimento da A.; b) – A quantia de € 1.609.754,53, correspondente aos juros vencidos, à taxa legal anual, sobre o sobredito montante do enriquecimento, desde 31/03/1990 até 12/07/11; c) - Os juros vincendos, à taxa legal, sobre o referido capital de € 898.547,80, a partir de 13/07/11 até efetivo reembolso desse capital à A..
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As R.R. BB, DD e HH apresentaram contestação, na qual, além de invocarem, em sede excetiva, a ineptidão da petição inicial, a prescrição do direito peticionado e o pagamento por via da garantia prestada, impugnaram uma boa parte dos factos alegados pela A., sustentando que: .
Não existiu a entrega do hotel, uma vez que o empreiteiro e o seu pessoal foi expulso da obra em 11/05/1989, sem que tivesse tido a possibilidade de terminar o trabalho e sem que houvesse receção provisória; .
Na escritura de constituição da A. de 31/03/1989, esta outorgou a vontade de manter a garantia bancária emitida pelo NN a favor de LL Ltd., acionista da A, no valor de 115.000.0000$00/€ 573.617,58; .
Contrariamente ao alegado pela A., esta garantia foi-lhe paga, conforme documento junto aos autos; .
CC e a mulher tinham conhecimento do conteúdo de um contrato de management, no qual se refere que as especificações deveriam ser acordadas a contar de 60 dias da outorga; daí a realização de reuniões em obra onde se encontravam representados os técnicos das diferentes especialidades, o dono da obra e empreiteiro das quais resultaram atas.
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Uma vez que se tratava de um hotel fora dos EUA, o empreiteiro teria de cumprir o eventual caderno de encargos e o especificado no contrato de compra e venda inicial e não quaisquer outros documentos; .
Da transação efetuada resulta a apresentação de garantia bancária contra defeitos de obra, mas a A. não logrou demonstrar que as deficiências detetadas pelas duas equipas de engenheiros, durante as vistorias indicadas nas atas, não tenham sido corrigidas à data da escritura de 31/03/1989; .
Em 02/05/1989, o empreiteiro e subempreiteiro ainda estavam na obra, não havendo então licenciamento das instalações elétricas, o que só ocorreu em 23/05/89, sendo que, em abril de 1989, já existiam intervenções de correção.
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Em 11/05/89 não estava disponível o equipamento telefónico, nem informático, sendo este da responsabilidade da acionista da A..
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CC e mulher não foram notificados de quaisquer defeitos, daí a improcedência da ação que correu termos na 10.ª Vara Cível de Lisboa; .
A A. resolveu antes introduzir várias alterações no prédio de sua propriedade, bem como no hotel, pelo que não pode imputar o valor faturado ao empreiteiro, além de nem sequer juntar comprovativos dos pagamentos efetuados pelas faturas juntas.
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A A. age de má fé, na medida em que apresenta como defeitos de construção determinadas situações, como a pintura nas portas dos elevadores e corrimão das escadas, quando o empreiteiro foi expulso da obra em 11/05/89, estando o hotel já a funcionar há mais de um ano, alegando ainda como defeito de construção “trabalhos diversos de canalizador” ou “fornecimento de torneiros e chaves”.
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Se é verdade que o contrato de management previa que as licenças ou autorizações são da responsabilidade do então proprietário, CC e depois da A., e que o contrato-promessa previa igualmente que incumbia ao promitente-vendedor obtê-las, tal não significa que os pagamentos fossem suportados pelo empreiteiro; .
Os subempreiteiros contratados por CC prestaram garantias e, após 11/05/89, foram questionados se haviam sido confrontados por parte da A. com reclamações de defeitos, tendo-se pronunciado pela negativa; .
Após a instalação do equipamento informático e a sua ligação à central telefónica, que não era da responsabilidade do empreiteiro, o Hotel abriu em 06/07/89 com muito boa crítica; .
A questão da piscina não foi resolvida pelo dono da obra enquanto o empreiteiro esteve na obra conforme atas de 07/04/89 e 17/04/89, pelo que não pode ser imputada a este, tanto mais que a alteração da mesma exigia alteração dos projetos aprovados; .
Não se encontram preenchidos os pressupostos legais de aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, nem ocorre a subsidiariedade exigida por lei.
Concluíram as R.R. contestantes pela sua absolvição da instância, fundada na invocada ineptidão da petição inicial e, subsidiariamente, pela procedência das exceções de prescrição e de pagamento e, por último, pela própria improcedência da ação, em qualquer destas hipóteses com a consequente absolvição dos R.R. do pedido, requerendo ainda a condenação da A., como litigante de má fé, em multa e em indemnização não inferior a € 60.000,00, a título de afetação do bom nome do empreiteiro, tempo e despesas com a preparação da defesa.
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A A. replicou, alegando que: .
Não foi celebrado qualquer contrato de empreitada entre a A. e CC e mulher, mas um contrato de compra e venda de um prédio destinado a hotel de 4 estrelas e equipamento destinado a tal fim.
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Não é verdade que a garantia bancária tenha sido paga pelo NN à A.; .
A A. afastou CC da obra para pôr termo a uma situação que se arrastava no tempo e sem solução, de forma a diminuir os prejuízos que acumulava crescentemente por não poder abrir o hotel ao público; .
O prédio estava mal construído, estava por acabar e o hotel não estava instalado, tendo havido...
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