Acórdão nº 119/11.2TACTTX.E.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução22 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I.

  1. Na Instância Local do Cartaxo, Secção de Competência Genérica, J1, da Comarca de Santarém, e no âmbito do Processo Comum n.º 119/11.2TACTTX, foi decidido, por sentença de 13.01.2016: “- Declarar a extinção da responsabilidade criminal da arguida “AA, Lda.”, ao abrigo do estatuído nos artigos 127º do Código Penal e 160º do Código das Sociedades Comerciais; - Condenar o arguido BB pela prática, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos artigos 107º nºs 1 e 2 e 105º nº 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias e artigos 30º nº 2 do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante de €715,00 (setecentos e quinze euros); - Declarar extinta a instância cível enxertada no processo penal, no que se refere à arguida “AA, Lda.”, em virtude da sua extinção; - Condenar o demandado civil BB a pagar ao demandante “Instituto de Segurança Social, I.P.” a quantia €56.951,49 (cinquenta e seis mil novecentos e cinquenta e um euros e quarenta e nove cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, improcedendo o pedido cível quanto ao demais”.

  2. Inconformado com esta decisão o arguido e demandado BB interpôs recurso, limitado à sua condenação ao pagamento da mencionada indemnização ao demandante Instituto de Segurança Social, I.P.”, para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 06.12.2016, decidiu negar provimento ao mesmo recurso e, em consequência, manter o acórdão recorrido.

  3. Irresignado com o assim resolvido pelo Tribunal da Relação de Évora, o demandado BB interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo da motivação que apresentou extraído as seguintes conclusões: “1ª – No acórdão recorrido propendeu-se por interpretar o prazo previsto no art.º 77.º, do CPP, como sendo o momento obrigatório para a dedução do pedido de indemnização civil conexo com o processo penal; 2ª – E que, assim, o recorrido estava legalmente impedido de poder apresentar tal pedido em momento anterior à prolação da acusação; 3ª – No acórdão fundamento entendeu-se que o prazo previsto na citada disposição do CPP, constitui o momento até quando ainda é possível deduzir o pedido cível em processo penal; 4ª – Sendo assim patente a contradição das respostas de ambos os invocados arestos sobre a mesma questão fundamental de Direito; 5ª – A resposta a final, não deixará de influir na questão de se, na verdade, ocorreu a prescrição do direito ajuizado; 6ª – Porquanto, contrariamente ao entendimento vertido no aresto recorrido, nenhum obstáculo legal se opunha ao exercício do direito de indemnização cível exercitado no processo penal pelo demandante civil; 7ª – Na verdade, este poderia ter sido exercido logo com a participação ao MP dos factos ilícitos ou ainda durante o inquérito ou instrução; 8ª – Pelo que, a notificação efectuada ao recorrido para que, no legal prazo, deduzisse o respectivo pedido cível, esta não tinha, como não tem, a virtualidade de remover suposto obstáculo legal ao início do prazo de prescrição do exercício do direito por aquele; 9ª – Destarte, o prazo para a dedução do correspondente pedido de indemnização civil conexo com o processo penal, inicia-se logo que o recorrido tomou conhecimento do direito que lhe assistia, in casu, com a omissão do pagamento das contribuições legalmente devidas; 10ª – Ora, o evento que a interromperia – a notificação ao recorrente do pedido de indemnização cível, a fim de este o contestar – somente ocorreu após o decurso do prazo máximo da prescrição previsto para a responsabilidade civil em causa, cinco anos; 11ª – Por conseguinte, o direito atuado pelo recorrido já se havia, entretanto, extinguido.

    Com efeito, considerando-se a responsabilidade civil aquiliana derivada do ilícito penal pelo qual foi condenado o recorrente e como apreciado no acórdão recorrido, então, também aqui ocorreu a prescrição, pelo decurso do prazo previsto no art.º 498.º, n.º 3, do Cód. Civil, porquanto nenhum impedimento legal existia para que o direito do recorrido pudesse ser exercido, como equivocadamente se entendeu no acórdão ora em crise e ai se extraiu do disposto no art.º 306.º, n.º 1, deste último diploma legal, porquanto se entendeu que o exercício do direito a deduzir o pedido cível estaria dependente da notificação prevista no art.º 77.º, do CPP, e, em consequência, o dito prazo da prescrição previsto na norma acima referida somente com ela se iniciaria, contrariamente ao decidido no acórdão fundamento.

    Sendo aquele primeiro entendimento o que melhor se amolda aos princípios do processo penal, à celeridade que se pretende imprimir a este e à unidade do sistema jurídico, cfr. melhor resulta da jurisprudência vertida no douto acórdão fundamento, bem como da doutrina em que o mesmo se louvou.

    Termos em que, concedendo a procedência à presente revista e revogando Vs. Exas o acórdão recorrido, na parte referente à condenação cível, farão a melhor JUSTIÇA” 4.

    Admitido o recurso, os autos subiram ao Supremo Tribunal de Justiça, onde a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, na oportunidade conferida pelo número 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido de que o processo deveria ser devolvido ao tribunal recorrido para ser tramitado como recurso extraordinário, de acordo com o disposto no artigo 439.º do Código de Processo Penal.

  4. Notificado do parecer emitido pela Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, o recorrente pronunciou-se, em suma, no sentido de que “deve ser mantido o despacho de admissão do recurso de revista excepcional interposto pelo recorrente proferido na relação de Évora, devendo o mesmo prosseguir para os efeitos de ser proferida a decisão sobre a verificação dos respectivos pressupostos de admissibilidade da revista excepcional, a que se refere o n.º 3, do art.º 672.º, do CPC, aplicável “ex vi” do art.º 4.º do CPP.” 6.

    Apresentado o processo à formação a que alude o número 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, foi decidido, por acórdão de 21.09.2017, admitir a revista excepcional.

    Decisão que é definitiva nos termos do n.º 4 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

    Colhidos vistos, cumpre decidir.

    *** II. Dos Fundamentos II.1 − De Facto A matéria de facto dada como provada é a seguinte: 1.A arguida “AA, Lda.” era uma sociedade por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o n.º ... e inscrita como contribuinte na Segurança Social com o nº ..., nos regimes contributivos dos trabalhadores por conta de outrem e regime dos membros estatutários e com sede, para esses efeitos, na Zona Industrial do ...; 2.A sociedade arguida tinha por objecto a prestação de serviços nas áreas de cedência de pessoal especializado, representações, comissionamentos, consultadoria técnica e assessoria em gestão e organização de empresas, actividade que exerceu efectivamente entre Novembro de 2003 e Novembro de 2009, satisfazendo prestações a diversos clientes e pagando aos seus fornecedores e demais credores; 3. A gerência da referida sociedade foi exercida, pelo menos entre Novembro de 2003 e Novembro de 2009, pelo arguido BB; 4. Durante os respectivos períodos, o arguido BB tomou as decisões relativas à vida da sociedade, designadamente, as que respeitavam à cedência de pessoal especializado, representações, comissionamentos e consultadoria técnica, o que fez por conta e no interesse da sociedade arguida; 5. No exercício da actividade referida em 2., a sociedade arguida, durante o período entre...

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