Acórdão nº 4668/17.0T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelS
Data da Resolução08 de Maio de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra O Autor intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, peticionando: 1) Declarar-se o Autor dono e legítimo possuidor do prédio urbano que se destina a habitação e se compõe de rés-do-chão e 1º andar, sito ..., por além do mais o ter adquirido por usucapião; 2) Ordenar-se o cancelamento de todas as inscrições, hipotecas e penhoras e/ou outras, registadas na Conservatória do Registo Predial que ofendam a posse e a propriedade do Autor por, além do mais, serem ineficazes; 3) Ordenar-se a correcção da inscrição que consta da caderneta predial do referido prédio urbano inscrito na matriz sob o ..., conforme consta do levantamento topográfico que se juntou sob o documento nº 5.

Alegou em abono do seu pedido o seguinte: - nasceu em 23/3/1984, sendo filho dos Réus, que são proprietários de um prédio rústico referente ao artigo matricial sob o artigo ... da freguesia de ..., onde construíram uma casa de habitação, que inscreveram como prédio urbano fiscalmente, então sob o artigo ..; - esse prédio não tem actualmente a área, configuração ou confrontações que constam na caderneta predial e encontra-se há muito separado e delimitado do anterior prédio rústico; - em 1983 os Réus começaram a habitar o dito prédio, nele residindo e realizando todos os actos materiais de posse.

- em Julho de 1995 os Réus, perante a restante família e com o acordo de todos os filhos, doaram verbalmente a casa ao Autor, logo lha entregando, passando o Autor a ocupar e usufruir o prédio como sua propriedade, doação sem qualquer ónus ou encargo, que os seus pais aceitaram em sua representação em 1995 e que o Autor confirmou no dia em que perfez 18 anos, sendo que desde 1995 o Autor e, posteriormente ao seu casamento, também a sua esposa, ali tomam refeições, confeccionam as mesmas, pernoitam e realizam a higiene diária, têm residência e mobílias, efectuam limpezas domésticas, recebem familiares e amigos, estacionam os veículos no logradouro, recebem correspondência, à vista de toda a gente, incluindo os pais, pacificamente, de boa fé, sem oposição de quem quer que seja e na convicção de exercer tais actos sobre coisa sua, como legítimo e exclusivo proprietário, invocando em seu favor a usucapião; - em 2011, o Autor rogou aos seus pais a legalização de tal doação, o que aqueles recusaram, afirmando serem ainda os donos da casa, recusa que mantêm até hoje.

Não foi apresentada contestação.

Foi proferido despacho com o seguinte teor: De forma a evitar a formação de decisões surpresa, apesar da falta de contestação, atento o alegado e o disposto nos arts. 360.º, 1260.º e 1296.º, todos do CC, notifique o Autor para que se pronuncie, querendo, sobre a eventual improcedência do pedido apresentado.

Notificado o Autor, este apresentou requerimento em que solicitou a aclaração das razões que motivavam a anunciada improcedência da acção.

Foi proferido novo despacho com o seguinte conteúdo: Explicitando o já consignado, atenta a indivisibilidade da confissão, estão também confessados os factos alegados de 34.º a 36.º da petição inicial, onde se contêm os da recusa em reconhecer o Autor como proprietários, por entenderem os Réus serem donos do imóvel, o que ocorreu há cerca de seis anos, segundo o alegado.

Nessa medida, não sendo pacífica, havendo recusa de reconhecimento, nem havendo título ou registo deste ou da posse, presumida esta de má fé, não está decorrido o período exigido por lei para a procedência do pedido.

O Autor apresentou requerimento em que alegou que, mesmo que se considerasse que a sua posse era de má-fé, tendo-se ela iniciado em 1995, quando propôs a acção já havia decorrido o prazo de 20 anos que a lei exige para a aquisição por usucapião.

Foi proferida sentença que julgou improcedente a acção, tendo absolvido os Réus dos pedidos formulados.

O Autor interpôs recurso desta decisão, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: ...

Não foi apresentada resposta.

  1. Do objecto do recurso O Autor alega que o tribunal a quo violou o n.º3 do art.º 3º do C. P. Civil quando não o convidou a pronunciar-se sobre a subsunção jurídica que iria efectuar no caso sub judice, mais concretamente na aplicação da alínea b) do art.º 318º do C. Civil, que influiu decisivamente na sentença que julgou improcedente o pedido, levando à prolação de uma decisão que o Autor não tinha configurado como possível, pelo que a sentença é nula e de nenhum efeito.

    O Recorrente invoca uma nulidade processual consistente no tribunal, previamente à prolação da sentença, não lhe ter dado oportunidade para se pronunciar sobre a eventual aplicação da causa de suspensão da prescrição aquisitiva prevista no art.º 318º, b), do C. Civil.

    Embora não se desconheça a existência de opiniões em sentido contrário, o não cumprimento do disposto no n.º3 do art.º 3º do C. P. Civil não constitui uma nulidade da sentença, mas sim uma nulidade, por omissão, da tramitação processual que a antecedeu, a qual poderá determinar, consequentemente, a anulação da sentença. Apenas se poderá reconhecer que o tribunal conheceu de questões que não podia conhecer, caso se conclua que não foi cumprido, em situação que era exigível, o disposto no n.º3 do art.º 3º do C. P. Civil. E esse incumprimento constitui uma nulidade processual, não uma nulidade da sentença.

    Na verdade, as nulidades do processo constituem desvios do formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder, embora não de forma expressa, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais Anselmo de Castro, em Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 103, ed. de 1982, Almedina.

    .

    A omissão da audição das partes, excepto na falta de citação, não constitui nulidade de que o tribunal conhece oficiosamente, pelo que a eventual nulidade daí decorrente tem que ser invocada pelo interessado no prazo de 10 dias após a respectiva intervenção em algum acto praticado no processo e perante o tribunal em que teve lugar Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, in Dos Recursos, pág. 46 a 52, ed. 2009, Quid Juris.

    e, só perante discordância do despacho que sobre a mesma incidiu é que pode ser apresentado recurso – art.º 197º, n.º 1 e 199º, n.º 1, ambos do C. P. Civil.

    O Recorrente, conforme resulta da análise do processo, não arguiu essa nulidade tempestivamente – teve conhecimento da omissão da aludida notificação no momento em que foi notificado da sentença não a tendo arguido no prazo de 10 dias - só a tendo invocado nas alegações de recurso dirigidas a este tribunal, pelo que a mesma, a ter existido, ter-se-á de considerar sanada.

    A invocação daquele eventual vício em alegações de recurso já não é, como se disse, o meio idóneo ao seu conhecimento, pelo que não pode este fundamento do recurso ser aqui apreciado.

    Contudo, sempre se dirá que tendo o tribunal recorrido dado oportunidade ao Autor para alegar sobre a eventualidade do prazo necessário para a aquisição da usucapião ainda não ter decorrido, permitiu-lhe pronunciar-se sobre todos os factores que podem influir na contagem desse prazo, designadamente sobre as causas suspensivas ou interruptivas desse prazo. Tendo o próprio Autor alegado que era menor quando iniciou a posse do imóvel em questão e que este pertencia aos seus pais, a eventual aplicação da causa suspensiva prevista no art.º 318º, b), do C. Civil, era uma questão que se inseria na contagem do prazo, relativamente ao qual o Tribunal alertou o Autor que poderia não ter ainda decorrido, dando-lhe oportunidade para se pronunciar previamente sobre essa questão.

    Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente, cumpre apreciar as seguintes questões: a) Deve ser incluído nos factos provados que os actos referidos na sentença recorrida em f) e g) foram praticados pelo Autor pacificamente e sem oposição de quem quer que seja? b) Deve ser incluído nos factos provados o que consta do artigo 40.º da p.inicial? b) O tribunal não pode conhecer oficiosamente das causas de suspensão do prazo de usucapião? c) Não é possível verificar, neste caso, a ocorrência da causa de suspensão prevista no artigo 318º, b), do C. Civil, porque não está provado que os Réus exercessem responsabilidades parentais sobre o Autor? d) Essa causa de suspensão não funciona quando quem invoca a aquisição por usucapião é a pessoa sujeita às responsabilidades parentais? e) A posse exercida pelo Autor é uma posse de boa-fé? f) A posse exercida pelo Autor já decorreu pelo tempo suficiente para que tenha ocorrido a aquisição do direito de propriedade, por usucapião? g) Reconhecido o direito de propriedade pretendido, o Autor tem direito ao cancelamento dos ónus e encargos inscritos sobre o prédio em causa e à correcção da descrição matricial? 2. Os factos 2.1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ...

    2.2. Os factos provados Neste processo encontram-se, pois, provados os seguintes factos: ...

  2. O direito aplicável Na presente acção o Autor formulou um pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre um prédio urbano, invocando como causa de aquisição originária desse direito a usucapião.

    A usucapião é uma forma de aquisição do direito de propriedade que tem como causa, no dizer do art.º 1287º do C. Civil, a posse de tal direito mantida por certo lapso de tempo.

    A posse correspondente ao exercício de um direito de propriedade é um poder de facto que se manifesta quando alguém actua de um modo que se assemelha ao exercício daquele direito – art.º 1251º do C. Civil – e é integrada por dois elementos: o corpus - elemento material - que consiste no domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efectivo dos poderes materiais próprios do direito de propriedade sobre ela ou na possibilidade desse exercício e o animus – elemento intelectual ou volitivo – que consiste na intenção de exercer sobre a coisa como seu titular o direito real correspondente àquele domínio...

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