Acórdão nº 1585/10.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Julho de 2018
Magistrado Responsável | ANA CELESTE CARVALHO |
Data da Resolução | 11 de Julho de 2018 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O Estado português, representado pelo Ministério Público, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, proferida em 28/11/2014, que no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma ordinária instaurada por .....
, julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu, Estado português, a pagar ao Autor a título de indemnização, por violação do direito a uma decisão em prazo razoável, a quantia de € 10.000,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento.
O Autor, Recorrente, igualmente não se conformando com a sentença proferida, veio igualmente interpor recurso jurisdicional.
Em consequência do recurso interposto pelo Autor, o Réu, Estado português veio interpor recurso subordinado.
* Formula o aqui Recorrente, Estado português, representado pelo Ministério Público, nas respetivas alegações do recurso principal (cfr. fls. 788 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “1.
É sabido que a responsabilidade pela demora de decisão em prazo razoável não dispensa a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos.
2.
A ilicitude, segundo a sentença recorrida, residiu, tão só, na circunstância objectiva da demora no atraso de decisão, de cerca de 10 anos, e baseou-se na ilicitude objectiva consubstanciada no “defeituoso funcionamento do serviço da justiça”.
3.
Enquanto, se deu como provada a culpa como efeito directo e imediato, ou, como presunção derivada da ilicitude do acto do atraso na decisão.
4.
A culpa do serviço, abarca a culpa colectiva, atribuível a um deficiente funcionamento do serviço, e a culpa anónima, resultante de um concreto comportamento de um agente cuja autoria não foi possível determinar.
5.
Porém, a culpa de serviço funciona residualmente quando não seja possível descobrir os verdadeiros autores do facto/omissão, “por se tratar de um facto anónimo e colectivo de uma administração em geral mal gerida”, e não existindo presunção geral, deveria a sentença sustentar-se em concretos factos necessários para a materializar, maxime, que fossem susceptíveis de consubstanciar qualquer das modalidades acima referidas e que excluíssem a culpa pessoal determinável.
6.
Ora, nem o A alegou nem a sentença refere facto algum, real, preciso e específico susceptível de fundamentar a concreta culpa na demora da conclusão do Inquérito, ou seja, de revelar a modalidade dessa culpa se anónima, colectiva ou pessoal mas identificável.
7.
Sendo que, a utilização de presunção judicial como meio de prova exige um juízo crítico de apreciação dos factos conhecidos, por parte do juiz, afastando a ideia simplista de equivalência entre ilicitude e culpa 8.
E quanto aos danos, foi contabilizado como atraso todo o tempo de pendência do processo respectivo, havendo, por isso, de descontar o prazo normal e adequado que demoraria a ultimar um tal processo.
9.
Como há que tomar em consideração outros actos lesivos ou outras causas, maxime, ligadas à exclusão do A. do Curso Superior de Guerra e a decisões proferidas em processo disciplinar e processo-crime, idóneas, para, de per si, originarem os invocados danos morais.
10.
Pelo que, ao não ser afastada a ilicitude e culpa, deverá o montante dos danos ser substancialmente reduzido.
11.
Ao não decidir de tal forma fez a sentença recorrida errada interpretação e aplicação do preceituado, mormente, dos art.s 2º, 4º e 6º do DL nº 48051, de 21/11, 7º, 9º e 10º da Lei nº 67/2007, de 31/12 e 342º, 483º, 487º e 494º do Cod. Civil, pelo que deverá a mesma ser revogada e proferida outra que julgue, também nesta parte, a acção improcedente ou que reduza o montante indemnizatório fixado na sentença, pelo menos para metade.”.
* O Autor, .....
, ora Recorrente, nas suas alegações de recurso formulou as seguintes conclusões: “A – Vem o presente recurso interposto da douta sentença, proferida em 28.11.2014, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o Réu/Recorrido a pagar ao Recorrente a quantia de € 10.000,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento; B – Salvo o devido respeito, a sentença recorrida não efectuou correcta apreensão, valoração, enquadramento e ponderação da prova documental e testemunhal constante dos autos, com consequências na resposta à matéria de facto e inerente erro de julgamento.
Impugnação da Matéria de Facto: C – O Recorrente impugna a decisão da Mmª Juiz “a quo” em considerar Não Provados os factos 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 que, no entender do Recorrente, deveriam ter sido considerados por provados, com a fundamentação constante das presentes Alegações; D – No que se refere ao Facto 2, dos Factos Não Provados, a testemunha ..... - Instrutor e Escrivão, do processo de inquérito subsequente à inspecção –em sede de produção antecipada de prova, afirmou que a inspecção ao campo de tiro de Alcochete visava, fundamentalmente, o tenente-coronel ….. e não o coronel……., ora Recorrente.
Mais afirmou, no mesmo depoimento, que a recusa do Recorrente em aceitar a imputação exclusiva das responsabilidades ao seu subordinado, 2º comandante, em obediência aos princípios aprendidos e transmitidos na Academia Militar, assumindo ele próprio essas responsabilidades e acusações, até à demonstração que aquele tivesse agido à sua revelia (dep. prestado em sede de produção antecipada de prova, em 06.04.2014 – 56m58s a 58m23s - gravação em suporte digital na aplicação informática em uso no Tribunal).
A testemunha……., também a este propósito, afirmou que a inspecção inopinada que despoletou todo o processo o visava a ele próprio e não Recorrente, porque o sucessor deste no comando do Campo de Tiro, o coronel……., tinha contra ele depoente questões pessoais decorrentes do facto de, no tempo da guerra colonial, ter sido colocado em Nacala, Moçambique, por proposta dele testemunha.
Reafirmando que a inspecção em causa tinha sido determinada para o atingir a ele depoente, corroborou o depoimento da testemunha …… quanto às razões da “propagação” das consequências dos efeitos da inspecção ao Recorrente, esclarecendo que este se recusou a aceitar a imputação das acusações aos seu subordinado (ele depoente), uma vez que se trata de um militar íntegro e disciplinado, que não poderia aceitar que o sub-comandante fosse acusado de situações e de acções que já constavam do seu relatório de posse e que eram do conhecimento do Estado Maior da Força Aérea (Dep. prestado em sede de produção antecipada de prova, em 06.04.2014 –1h45m17s a 1h57m50s - gravação em suporte digital na aplicação informática em uso no Tribunal).
Em abono da conclusão manifestada pelas testemunhas supra mencionadas está o facto de, como se provou, o Recorrente ter sido nomeado para a frequência do curso Superior de Guerra Aérea, já após a realização da inspecção à sua acção de comando (136, factos provados, procº nº 13256/04.0 TDLSB) e de, em “vésperas” do início do mesmo, ter sido desnomeado (YY dos factos provados).
Efectivamente, à luz das regras da experiência comum, sendo conhecidas do Estado Maior da Força Aérea as conclusões do relatório de inspecção, o Recorrente jamais teria sido nomeado para o curso, caso as mesmas lhe fossem imputadas, num primeiro momento, facto que demonstra a sustentabilidade, fundamento e veracidade da tese defendida por este.
Consequentemente, dos depoimentos prestados, conjugados com os sobreditos factos dados por provados, deve a factualidade em causa ser considerada como provada.
E – No que tange aos facto 4 e 5 dos Factos Não Provados, o que o Recorrente pretendeu comprovar foi a omissão, por parte das entidades que tutelavam o Campo de Tiro de Alcochete, de um conjunto alargado de factos, fundamentados em documentos, práticas e procedimentos vigentes, com o intuito de imputar aos então arguidos acusações que bem sabiam, como não podia deixar de ser, carecerem de completo fundamento, não fosse essa deliberada omissão.
Como já se afirmou, o que esteve em causa foi manipulação e omissão de factos e documentos, cuja existência os ordenantes da inspecção não podiam deixar de conhecer.
Desde logo, grande parte das acusações imputadas ao Recorrente decorrem da completa omissão da existência e do teor do seu Relatório de Tomada de Posse, datado de 14.07.1992, do conhecimento do Estado Maior da Força Aérea e onde se destacam as principais linhas de orientação da futura acção de comando, com expressas preocupações na área da prevenção e combate a incêndios e com a aquisição meios para o efeito, com a segurança da unidade, com a rede de energia, que apresentava frequentes variações de tensão, com a necessidade de reparação dos arruamentos e caminhos existentes na unidade, face ao elevado estado de degradação de alguns deles, como viria a ficar evidenciado no julgamento do processo-crime.
Na questão específica da denominada “saibreira”, o Instrutor do processo de inquérito subsequente à inspecção (Sr. General……) omitiu, de forma flagrante e grosseira o Relatório da Direcção de Infra-estrutura, de 29.09.1995 - de cuja necessidade tinha feito eco o próprio inspector (pag. 35 do relatório de inspecção) e que avalia a disparidade entre o material “saibro” cedido e o custo da realização da carreira de tiro, relatório esse que demonstra as manifestas vantagens financeiras da opção então tomada pelo ora Recorrente.
Mais se omitiu o teor do relativo ao incêndio de 08.07.1992 (102, factos provados, procº nº 13256/04.0 TDLSB), onde se apontavam falhas nos meios de combate a incêndio, designadamente a falta de viaturas para esse fim.
Omitiu-se, também, um rol extenso de factos, cujo desconhecimento não pode ser invocado ou levado em consideração, factos esses que sustentavam, de forma irrefutável...
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