Acórdão nº 12570/16.7T8LSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Junho de 2018
Magistrado Responsável | CRISTINA NEVES |
Data da Resolução | 21 de Junho de 2018 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO COMPANHIA DE SEGUROS TRANQUILIDADE, S.A., intentou acção declarativa de condenação contra ALBINO & OLIVEIRA – COMERCIALIZAÇÃO E REPARAÇÃO DE VIATURAS, LDA., pedindo que seja o Réu condenado a pagar à Autora a quantia de € 12.705,86, acrescida de juros vincendos desde a data da citação até integral pagamento, alegando para o efeito ter efectuado uma venda de salvados à R. por esta não pagos, nem cumprida a obrigação de alterar o registo de propriedade dos veículos ou cancelar a mesma, pelo que procedeu ao pagamento aos anteriores proprietários de coimas, multas e taxas de portagem.
* Citada a Ré, impugnou os factos alegados pela Autora, invocando o pagamento, mas, alegando ter este ocorrido há mais de dez anos, não ter comprovativo dos mesmos, mais invocando que alguns dos veículos referidos já se encontram com a matrícula cancelada, acrescendo o facto de que o cancelamento das matrículas, em caso de perda total, é da responsabilidade da seguradora.
* Dispensada audiência prévia, bem como a fixação do objecto do litígio e dos temas de prova, foi proferida afinal sentença na qual se julgou “a acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Ré a pagar à Autora as seguintes quantias: a) a quantia total de € 381,44 (trezentos e oitenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos) referente às taxas de portagem.
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o valor das despesas com IUC, que a A. reembolsou aos anteriores proprietários, no valor de € 2.881,82.” * Não conformado com esta decisão, impetrou a R. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: “1 Através do presente recurso, o recorrente, pretende colocar em crise a questão da totalidade da sua condenação parcial.
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Desde logo, inexistiu prova testemunhal dos pontos 24, 25, 26, 37, 38 e 39 1ª parte (existindo um “hiato” numeral dos factos provados que certamente se deverá lapso de escrita), sendo certo que, tal prova teria que existir atenta a impugnação dos factos e documentos que suportariam tais alegações da recorrida, por parte da recorrente, razão pela qual, tais pontos terão que ser retirados dos pontos dados como provados.
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No sentido contrário, deveriam ter sido dados como provados os factos alegados pela recorrida e sustentados por documentos que não foram impugnados pela recorrida, nomeadamente, os alegados nos artigos 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 42 da contestação, dado que, sustentados por documentos idóneos e não impugnados.
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Acresce que, conforme alegado pela recorrida na sua contestação, no que concerne aos veículos que a recorrida alegou ter pago imposto de selo e portagens – como em relação a todos os demais que a recorrente comprou à recorrida – a obrigação de cancelamento de matrícula cabia, desde logo, aos proprietários inscritos, nos 30 dias seguintes ao acidente, e em segunda linha à própria recorrida, o que os mesmos não cumpriram in casu.
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E tal obrigação, decorrente da lei, nunca foi acordada de outra forma entre as partes, pois nunca existiu qualquer convenção para que, após a compra do salvado, a recorrente procedesse ao cancelamento da matrícula do mesmo, nem tão pouco esta fez promessas de o fazer ou sequer o poderia fazer, conforme infra se irá referir.
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Conforme se pode verificar pelo alegado pela própria recorrida, pelo dado como provado pela Sentença recorrida e tendo em conta o disposto no art.º 874º do Código Civil, os contratos de compra e venda supra estão, integral e pontualmente, cumpridos e deles nenhuma obrigação pecuniária insatisfeita existe que a recorrida possa exigir à recorrente.
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O que a recorrida vem exigir à recorrente é o pagamento de quantias que, alegadamente e não comprovadamente, suportou por força de uma alegada actuação negligente, pelo não cumprimento da obrigação do cancelamento da matrícula do veículo cujos salvados adquiriu, que diz caber à recorrente e que esta desrespeitou.
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É manifesto que esta situação não decorre dos contratos de compra e venda celebrados entre as partes, nem o que vem pedido é uma obrigação pecuniária emergente deles.
9 Em primeiro lugar, porque em parte alguma a recorrente se obrigou, livre e convencionalmente, a proceder ao registo/cancelamento de matrículas dos salvados junto das entidades competentes e, em segundo lugar, tal suposta obrigação não é uma prestação acessória às vendas realizadas.
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Aliás, sendo os veículos vendidos como salvados por terem sido considerados perda total, não poderia a recorrente proceder ao registo em seu nome (à altura), dado que, tais veículos (por serem salvados) estavam com os seus documentos apreendidos e, por conseguinte, apenas depois de serem reparados e de realizada a inspecção B (necessária para o efeito) poderia ser transferida a propriedade e pedido o cancelamento.
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Contudo, conforme resulta dos autos e deveria ter ficado provado, os veículos foram todos eles vendidos a terceiros, no estado de salvados.
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Além disso, sempre se dirá que a recorrida não tem razão ao assacar à recorrente qualquer responsabilidade, num outro sentido legal.
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Na verdade, nos termos do art.º 41º do regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil emergente da circulação de veículos automóveis, deve o cancelamento das matrículas em caso de perda total do veículo interveniente em acidente ser feito de acordo com o disposto no art.º 119º do Código da Estrada.
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De acordo com esta norma, o cancelamento da matrícula quando o veículo fique inutilizado (como nos casos supra sucedeu, por perda total), deve ser requerido pelo proprietário inscrito, em 30 dias (nº 4), devendo, se o proprietário não for o titular do documento de identificação do veículo, ser requerido por este conjuntamente com quem for o titular (n.º 5).
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Se houver intervenção de companhia de seguros em ato decorrente da inutilização (como aqui também sucedeu), é esta que deve comunicar o facto e remeter às autoridades competentes os documentos do veículo.
16 Isto significa, claramente, que, na situação vertente, o encargo imperativo legal de cancelar a matrícula cabia ao proprietário inscrito e à companhia de seguros, sendo a recorrente alheia a tal obrigação legal.
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Tudo isto para dizer que, mesmo que se considerasse, numa interpretação extremamente benevolente da configuração factual dada pelo autor à ação, que o registo de propriedade/cancelamento da matrícula poderia ser uma obrigação acessória do contrato de compra e venda, recaindo sobre o comprador, resulta evidente do referido regime legal que tal obrigação incide sobre o proprietário e sobre a companhia de seguros, na sequência do ato de inutilização do veículo, sendo terceiros, mesmo que adquirentes do veículo/salvado, estranhos a tais prestações.
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Não tendo o proprietário inscrito ou a seguradora provido pelo cancelamento, e sendo a propriedade, tal como resulta da matrícula do veículo inscrita no Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres, o facto gerador da obrigação tributária de pagamento de imposto único de circulação, é por demais evidente que a recorrente nada tem a ver, no âmbito do contrato de compra e venda celebrado, com tal prestação, que incumbe unicamente ao proprietário inscrito, como titular passivo dessa relação tributária.
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Sempre se deverá referir que tendo os veículos salvados sido vendidos a terceiros, inexiste qualquer responsabilidade da aqui recorrente, dado já não ser a possuidora e proprietária das viaturas à data da liquidação dos impostos e das portagens.
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A Sentença recorrida violou, a nosso ver, e entre outros, o vertido no artigo art.º 41º do regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil emergente da circulação de veículos automóveis e o disposto no art.º 119º do Código da Estrada.
NESTES TERMOS, dando-se provimento ao recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida nos termos supra expostos, substituindo-se a decisão por outra de acordo com o supra alegado que absolva a recorrente na totalidade da condenação parcial, V. Exas. farão, como sempre, INTEIRA JUSTIÇA!” * Pela A. foram interpostas contra alegações, constando das suas conclusões o seguinte: “II - CONCLUSÕES 1.
Analisadas as alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, dir-se-á que as mesmas reflectem a não aceitação da procedência parcial da acção, na medida em que a Recorrente contínua a entender que não existe qualquer responsabilidade da sua parte e como tal não deverá indemnizar a Recorrida.
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A Recorrente assenta a sua pretensão resumidamente nos seguintes alicerces:
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Que os pontos 24, 25, 26, 37, 38 e 39 1ª parte deveriam passar para o elenco dos factos não provados; b) Que por sua vez os factos 18 a 28 e 42 da contestação deveriam passar para os factos provados; c) Por ultimo, a Recorrente entende que nunca poderia ser responsável pelo cancelamento da matrícula e consequentemente também não pode ser responsável pelo pagamento dos impostos que a Autora suportou.
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Para fundamentar a primeira premissa do recurso, a Recorrente impugna a matéria de facto, nomeadamente a resposta aos pontos 24, 25, 26, 37, 38 e 39 1ª parte da matéria de facto. Para tal a Recorrente vem alegar que a Recorrida não fez prova dos factos alegados uma vez que os documentos por si juntos foram impugnados.
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A Recorrida não pode aceitar tal afirmação, em primeiro lugar, porque a sentença diz exactamente o oposto, em segundo lugar, porque o facto de os documentos serem impugnados não impede a Recorrida de fazer a prova dos factos por outra via, conforme fez, em terceiro lugar, os documentos particulares que foram juntos pela Recorrida são livremente apreciados pelo tribunal, o que significa que a simples impugnação não retira legitimidade ao tribunal de valorar os mesmos para efeitos de prova.
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Relativamente à ausência de prova quanto aos documentos que foram impugnados, a sentença é suficientemente esclarecedora nesta matéria.
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A Recorrida fez prova dos pagamentos...
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