Acórdão nº 1832/15.0T8GMR.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Data da Resolução24 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, CC, DD, EE, FF, e GG, S.A., pedindo que: - Seja reconhecido o seu direito de preferir à 6ª co-ré (GG, S.A.) na compra - efetuada por ela aos demais co-réus - do prédio urbano, sito na Rua …, nº …, da União das freguesias de …, concelho de Vizela; - Seja reconhecido o seu direito de haver para si o dito imóvel, pelo valor pelo qual foi alienado à 6ª co-Ré (GG, S.A.) pelos demais co-Réus; - Seja ordenado o cancelamento da Apresentação 845, de 2014/05/08, e da Apresentação 2788, de 2014/12/23, relativa ao mesmo prédio (descrito na Conservatória do Registo Predial de …, freguesia de …, sob o nº 5…/19…6); - Seja ordenado o cancelamento de quaisquer outras inscrições prediais averbadas ao prédio urbano aqui em causa, relativas a qualquer transmissão ou oneração do direito de propriedade por parte da 6ª co-Ré (GG, S.A.).

Para tanto, alegou, em síntese, que: Em 24.5.1994, e por escritura pública, tomou de trespasse um estabelecimento de café e snack-bar, incluindo o direito ao respetivo arrendamento, instalado no rés-do-chão do prédio urbano identificado nos autos, não constituído em propriedade horizontal, pertencendo uma metade indivisa conjuntamente aos 1º a 4º réus, por a terem adquirido por sucessão mortis causa, e a outra outra metade indivisa à 5ª ré, por a haver adquirido por doação.

Mais alegou que os réus venderam o direito de que eram titulares sobre o dito prédio à 6ª ré (GG, S.A.) sem lhe comunicarem previamente o projeto de venda, para que pudesse exercer o direito legal de preferência que o art. 1091º, nº 1, al. a), do C.C. lhe reconhece.

Alegou ainda só ter tido conhecimento da segunda venda realizada no dia 12.1.2015, e da primeira venda em data posterior a esta, por ele próprio ter então consultado o registo predial do imóvel em causa.

  1. Os 1º, 2º, 3º, 4º e 6º réus contestaram. Em sua defesa, além de arguirem a exceção de caducidade, alegaram que, ao outorgar a escritura de compra e venda relativamente ao direito a metade indivisa do prédio em causa, pretenderam transferir esse direito para a 6ª ré no âmbito de um acordo de partilha (em vida), celebrado entre os vendedores, não tendo havido, por isso, qualquer recebimento do preço declarado. Sustentam, por isso, que o autor não beneficia de qualquer direito de preferência no negócio referido, uma vez que tal direito se mostra limitado à venda ou à dação em cumprimento e se mostra também afastado quanto à metade indivisa adquirida pela 5ª Ré, dado que o direito de preferência do comproprietário prevalece sobre o do arrendatário.

    Mais alegaram que, sob pena de abuso de direito, a ser reconhecido o invocado direito de preferência, deverá ter-se em conta, não o preço declarado na escritura, mas o valor real do imóvel, ou seja EUR 130.000,00, acrescido ainda das despesas exigidas pela aquisição.

  2. Foi requerida a intervenção principal de HH, marido da 3ª ré, o que foi deferido. O interveniente contestou, pedindo que a ação fosse julgada improcedente.

  3. Na 1ª instância, foi proferida sentença que, julgando a ação improcedente, absolveu os réus do pedido.

  4. Inconformado com esta decisão, o autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação de …, tendo sido proferido acórdão a confirmar integralmente a sentença recorrida.

  5. De novo irresignado, veio o autor interpor recurso de revista excecional para este Supremo Tribunal, admitido pela Formação a que alude o art.º. 672º, nº 3, do CPC.

    Nas suas alegações, o autor, em conclusão, disse: 1 - A apreciação da existência do direito de preferência do arrendatário de prédio urbano não constituído em regime de propriedade horizontal trata, salvo melhor opinião, uma questão de enorme relevo jurídico, cuja dilucidação urje resolver, na medida em que se impõe descortinar e tornar coerente o entendimento dos Tribunais em casos semelhantes em função do elevado número de arrendamentos efetuados em prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal.

    2 - Pois, a tese das instâncias recorridas cria uma divisão dicotómica nos arrendatários: os que podem e os que não podem exercer o direito de preferência, tutelando de modo diverso situações substantivamente iguais, discriminando negativamente o arrendatário que, não obstante usufruir de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal tem relativamente a ela contrato de arrendamento válido e o frutifica e dele retira benefícios, mesmo de índole social, presumivelmente tão relevantes como os oriundos de contratos incidentes sobre fração juridicamente autónoma.

    3 - Nesta situação, a tese das instâncias, além de violar o princípio constitucional, ínsito no art. 65° da C.R.P., de acesso à habitação própria, relativamente a muitos milhares de inquilinos, viola o princípio da igualdade perante a lei, ínsito no art. 13° da lei fundamental.

    4 - As questões de constitucionalidade, que a tese das instâncias suscita, terão a relevância jurídica exigida pelo disposto na alínea a) do n.°1 do art. 672° do C.P.C, e a resolução das mesmas será claramente necessária para uma boa aplicação do direito, sendo que as inadmissíveis consequências da questão versada nos presentes autos terá a relevância social a que alude o disposto na alínea b) do n.° 1 do art. 672° do C.P.C.

    5 - Além disso, existem no presente caso, fatores que pelo seu circunstancialismo podem e devem servir de exemplo e de sedimentação jurisprudencial de maneira a evitar a subjetividade das instâncias inferiores que ao fim ao cabo vão agindo de acordo com as convicções ou perceções momentâneas.

    6 - Não só pela multiplicidade de relações jurídicas a que esta questão de direito é direta e potencialmente aplicável, mas sobretudo no que concerne à necessidade de estabilização jurisprudencial do entendimento a sufragar em relações análogas, diremos ainda que tal relevância social surge ainda mais vincada com a necessidade e busca da maior segurança jurídica possível.

    7 - Assim, por se tratar de matéria recorrentemente tratada nos tribunais nacionais, de elevada sensibilidade e abrangência social e de díspares interpretações jurídicas por parte das várias instâncias jurisdicionais, importará a presente apreciação levar a uma melhor e mais coerente aplicação do direito sendo que, nesse sentido, poderá e deverá ser concedida e admitida a revista excecional do presente recurso, pois, para além de se encontram preenchidos os pressupostos previstos no artigo 672°, número 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, também o acórdão recorrido se encontra em manifesta contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de … no dia 23/06/2015, sob o processo 1275/12.8TBCBR.C1, já transitado em julgado, cujo relator é Carlos Moreira, proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

    8 - O Acórdão fundamento que o recorrente apresenta - Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de … no dia 23/06/2015, sob o processo 1275/12.8TBCBR.C1, cujo relator é Carlos Moreira - encontra-se em contradição com o Acórdão recorrido, quanto ao sentido e alcance a dar à atual redação do artigo 1091°, n° 1, alínea a) do Código Civil, já que apresentam conclusões e efeitos totalmente divergentes entre si.

    9 - Enquanto para o acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação de …, no âmbito do processo n° 1832/15.0T8GMR.G1, se defende que, tendo o atual art. 1091° do C.C., face ao anterior art. 47° do R.A.U., deixado de fazer referência a «prédio urbano» e a «fração autónoma» (substituindo-as por «local arrendado»), e tendo ainda eliminado qualquer disposição prevendo a licitação entre plúrimos arrendatários interessados em exercer concorrentes direitos de preferência, o arrendatário, há mais de três anos, do prédio não constituído em propriedade horizontal, não tem direito de preferência - sobre a parte arrendada, ou sobre a totalidade desse mesmo prédio - na respetiva compra e venda, ou na sua dação em pagamento, defendendo a existência de uma forçada coincidência entre o objeto do direito de preferência e o objeto do contrato de arrendamento.

    10 - Para o acórdão fundamento, proferido pelo Tribunal da Relação de …, no âmbito do processo n° 1275/12.8TBCBR.C1, em acórdão datado do dia 23/06/2015, o arrendatário do prédio não constituído em regime de propriedade horizontal, continua a ter, perante o disposto no artigo 1091°, n° 1, alínea a) do C. C, direito de preferência na venda ou dação em pagamento do prédio.

    11 - Alegando, para o efeito que, o evoluir histórico do instituto da preferência do locatário habitacional (desde a Lei n° 63/77 até à atual redação do artigo 1091° do Código Civil), não pode ser havido como "correção dogmática" desse instituto, visando restringir o exercício da preferência aos casos em que a coisa locada tenha individualidade jurídica própria, além de que, nem da análise do preâmbulo da Lei n.° 6/2006 de 27 de Fevereiro, nem da análise da sua exposição de motivos, decorre que o legislador teve a intenção de afastar o direito de preferência do locatário na compra e venda de todo o imóvel sempre que este se não encontre subordinado ao regime de propriedade horizontal.

    12 - Na verdade, a expressão "local arrendado" continua a ser sinónimo de imóvel onde o arrendamento se situa, sendo que, a supressão das expressões "prédio urbano ou de sua fração autónoma" não alterou, nem para mais (no sentido de os titulares de fração autónoma terem direito de preferência sobre a totalidade do prédio sujeito ao regime de propriedade horizontal), nem para menos (no sentido de suprimir o direito de preferência aos arrendatários de prédios que, por facto que lhes é alheio, não estão sujeitos ao regime de propriedade horizontal), o significado da sobredita expressão.

    13 - Nem tão-pouco a supressão do n.° 2 do artigo 47° do RAU contribui para essa interpretação face ao que continua a dispor o Código Processo Civil quanto ao exercício...

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