Acórdão nº 1848/16.0YLPRT.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Maio de 2018
Magistrado Responsável | FERNANDA ISABEL PEREIRA |
Data da Resolução | 24 de Maio de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA requereu contra BB, LDA., procedimento especial de despejo do 2° andar direito do prédio situado na Rua …, …, em Lisboa, e o pagamento das rendas em atraso.
Invocou, para o efeito, a celebração de contrato de arrendamento com a ré, que teve por objecto daquele andar, e, bem assim, a actualização, por si, da renda do locado, a redução unilateral e injustificada da renda em 20% por parte da ré e a comunicação à ré da resolução do contrato de arrendamento.
Foi deduzida oposição, peticionando a ré que fosse o requerimento de despejo julgado não provado e improcedente. Para o efeito pretendido, invocou como questões prévias o carácter prematuro da instauração da acção de despejo, a sua própria falta de interesse em agir, a ilegitimidade da autora e a ausência de causa de pedir. Mais se pronunciou sobre a dimensão e pagamento das rendas, a realização de obras e a sua consequente opção unilateral de redução do valor dessas prestações.
Os autos foram remetidos à distribuição como «acção especial de despejo».
A Autora respondeu à oposição, concluindo como na petição inicial.
Foram realizadas a instrução, a discussão e o julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que decretou: «Nestes termos, julga-se integralmente procedente, por provado, o presente procedimento especial de despejo e, em consequência, condena-se a R. a despejar o 2° andar direito do imóvel sito na Rua …, …, em Lisboa, entregando-o à A. livre de pessoas e bens, bem como, condena-se a R. no pagamento à A. da quantia total de € 16.196,38 (dezasseis mil cento e noventa e seis euros e trinta e oito cêntimos), referente ao remanescente da renda relativa a Março de 2015 e às rendas dos meses de Abril de 2015 a Maio de 2016».
Inconformada apelou a ré BB, Lda.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido em 13 de Julho de 2017, julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.
De novo inconformada, a ré interpôs recurso de revista excepcional e concluiu (sic): «1. A recorrida e autora/requerente na ação que agora se decide considera estar em atraso o pagamento de rendas pela Ré, agora Recorrente, e por isso a notificou da rescisão do contrato de arrendamento celebrado relativo ao 2.º andar direito da Rua …, n° … em Lisboa.
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A Ré agora Recorrente, afirmou por sua vez não o ter feito em virtude, conforme arguiu na sua resposta e posterior oposição e recurso, de não ter aceitado como legal esse aumento e por isso não ter pago o valor atualizado da renda por ela, autora/recorrida, unilateralmente estabelecido, para além de parte da renda ter também sido alvo já posteriormente a uma redução parcial nos termos legais. Acrescente-se no entanto que sempre e mesmo após essa notificação a renda foi paga nos termos e pelos valores constantes do contrato celebrado e em vigor.
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Os fundamentos concretos para a não-aceitação do valor unilateralmente estabelecido, conforme consta da oposição da Ré ao requerido e não aceites nas decisões da 1.ª instância e agora sufragada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, prendem-se pelo não cumprimento pela Recorrida, aquando da notificação para esse aumento unilateral de renda, das regras legais impostas pelo art° 54° e 35°, n° 2 ai. a) e b) do NRAU - lei 6/2006 de 27/2, ou seja um valor decorrente do valor da avaliação realizado especificamente ao 2o andar direito nos termos do CIMI, atendendo a que a inquilina, agora recorrente, era e é uma micro entidade, conforme consta dos autos e dos documentos neles existentes.
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Na verdade a Recorrente considerou que, existindo um contrato de arrendamento celebrado e especificamente respeitante ao 2.º andar direito da Rua … em Lisboa, a junção pela senhoria, agora recorrente, nessa notificação de aumento de renda, duma única avaliação fiscal, por si requerida, para a totalidade do 2o andar, incluindo o 2.º andar direito, que aliás agora discute em resultado da ação proposta pela autora que assim o definiu, mas também um 2.º andar esquerdo, não estavam preenchidos os requisitos legais que permitiam eleger a renda legal exata e concreta para o arrendado, decorrente exatamente desses critérios - valor patrimonial do 2.º andar direito, agora em causa - e assim sendo continuou a pagar somente o valor sempre pago e decorrente do contrato celebrado.
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Assim sendo a Recorrida não respeitou a norma legal que impõe a existência duma avaliação nos termos do art. 35.º da Lei 6/2006 de 27/2, por remissão do art° 54° do mesmo diploma legal e consequente informação dessa avaliação, especificamente para o imóvel em causa, concretamente e neste caso o 2º andar direito do prédio sito na Rua …, n° … em Lisboa e que assim é exigido em virtude de só assim se poder aferir da bondade, justiça e legalidade do aumento imposto e, consequentemente, a inquilina, agora Recorrente poder livremente decidir da aceitação, ou não, dessa renda e da manutenção da relação contratual.
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Consequentemente, não foi legal a notificação feita pela Recorrida do aumento da renda e por isso não estava a Recorrente obrigada ao seu cumprimento, não devendo também por isso ser eficaz essa notificação, nem ser considerado incumprido o pagamento da renda pelos valores anteriores e contratualmente estabelecidos, como se processou.
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Assim sendo não deverá ser a Ré/Recorrente condenada ao despejo do imóvel sito na Rua …, n° … em Lisboa nem ao pagamento da quantia peticionada pela Autora/Recorrida.
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Também e posteriormente e durante uns meses e por existirem durante largos meses obras no prédio, e não somente nas partes comuns do mesmo, que afetaram o desenvolvimento normal da atividade por si, recorrente, desenvolvida, reduziu esta parcialmente e nos termos da lei – art. 1040° C.C.-, concretamente em 20% do valor mensal normal, valor esse que continuou a pagar.
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Redução essa que respeitou os requisitos legais plasmados no art° 1040° C.C. e que se aplicam ao caso, ou seja, o motivo atinente à redução não é da responsabilidade da agora recorrente pois emanam e são consequência dos transtornos causados à Ré e à sua atividade empresarial decorrentes das obras efetuadas no prédio pela senhoria agora Recorrida a maior parte deles em áreas não comuns do mesmo, alterando e diminuindo o direitos que emergiam do contrato de arrendamento celebrado, tendo sido essa redução meramente parcial do valor de renda normalmente pago e proporcional ao tempo em que tais obras decorreram.
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Foi pois uma redução que, também por ter sido primeiramente requerida e posteriormente anunciada pela Recorrente à Recorrida, foi-o de boa-fé e no estrito cumprimento, repete-se, dos requisitos legais e por isso justificadora do não pagamento do valor total da renda normalmente paga.
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Se no entanto e em consequência duma decisão de V. Exs. somente proceder o pedido na parte relativa à redução da renda paga pela Recorrente, considerando-a um incumprimento, o que tem que se admitir por necessidade de raciocínio, restaria aferir se essa quantia relativa à redução parcial da renda efetuada pela Ré/Recorrente seria suficiente para poder, só por si, permitir a rescisão do contrato de arrendamento.
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Ora, conforme decorre dos documentos junto aos autos com as importâncias retidas e registadas no doc. 64, entregue pela ré na audiência de julgamento, percebe-se que essa redução foi no montante mensal de € 122,51 (cento e vinte e dois euros e cinquenta e um cêntimos), quantia essa que, multiplicada por 12 meses, os equivalentes aos meses decorridos desde o seu início, em Abril 2015 - renda relativa ao mês de Maio 2016 - até ao mês reclamado pela autora no seu requerimento - Maio de 2016, perfaz a quantia de € 1 470,12 (mil quatrocentos e setenta euros e doze cêntimos), o valor portanto em suposto incumprimento.
Ou seja e mesmo utilizando o método da autora que afetou, nos termos do art° 784° do C.C., todos os pagamentos aos meses que nele couberam as quantias efetivamente pagas e atendendo a que a renda reclamada é € 1 135,19 (mil cento e trinta e cinco euros e dezanove cêntimos), tal quantia - € 1 470, 12 - não será suficiente para considerar dois meses de renda em atraso (1 135,12 x 2= 2 270,24). Muito longe disso.
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Em conformidade, se esse Supremo Tribunal de Justiça se pronunciar concluindo somente como procedente o incumprimento decorrente da redução parcial de renda efetuada pela ré, nunca haveria, nos termos do art° 9, n° 7 al. b) do NRAU e art° 1084°, n° 2 do C.C., como indicado pela Autora no seu requerimento, tal rescisão ser possível por ilegal e desrespeitadora dos prazos indicados na lei e consequentemente inadmissível a rescisão do contrato por incumprimento das rendas devidas, por ser o incumprimento de valor inferior ao valor das rendas pedidas x 2.
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Assim sendo não poderá, nesse caso, proceder à rescisão unilateral do contrato com a correspondente entrega do imóvel.
Nestes termos e nos melhores de Direito que Vs. Ex. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, serem julgados improcedentes os pedidos da autora, agora Recorrida devendo a Recorrente ser absolvida, concretamente, dos pedido de despejo do imóvel sito no 2° andar direito do prédio sito na Rua …, n° … em Lisboa bem como do pagamento dos valores peticionados».
A Formação a que se refere o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil admitiu o recurso de revista excepcional.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar.
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Fundamentos: De facto: Vêm provados os seguintes factos: 1 - Mediante escritura pública lavrada no dia 24 de Abril de 1986, no 9° Cartório Notarial de Lisboa, a folhas 48 a 50, do Livro 661-C, a A., na qualidade de senhoria e a R., na qualidade de inquilina, celebraram contrato de arrendamento mediante a qual a primeira deu de arrendamento à segunda o segundo andar direito do prédio sito na Rua …, n. ° …, em...
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