Acórdão nº 1272/16.4T8SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelCHAMBEL MOURISCO
Data da Resolução04 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório: 1. O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou a presente ação especial para reconhecimento de contrato de trabalho, contra AA, S.A.

pedindo que seja declarada a existência de um contrato de trabalho entre a ré e BB.

Para o efeito alegou em síntese: - Não obstante a celebração de um contrato de prestação de serviço, alvo de sucessivos aditamentos, existe entre o autor e a ré um verdadeiro contrato de trabalho; - A atividade profissional desenvolvida pelo autor assume todas as características de contrato de trabalho subordinado, para além de se presumir a existência do mesmo, nos termos do art.º 12.º, n.º 1. alíneas a) e b), do Código do Trabalho. 2. A ré contestou alegando que o contrato em causa é um contrato de prestação de serviço reunindo as características deste tipo contratual.

3. Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação procedente por provada e declarou existir um contrato de trabalho entre a ré e BB, desde 2 de novembro de 1995.

4. A ré interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido julgar a mesma improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

5. Inconformada com esta decisão, a ré interpôs recurso de revista excecional, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. O presente Acórdão na sua fundamentação jurídica remete para a fundamentação já vertida no Acórdão 777/16.1T8LRS.L1 e também, para a presunção de laboralidade estabelecida no artigo 12.º do CT/2009.

2. No referido Acórdão 777/16.1T8LRS.LI vem expressamente referido, na sua linha de raciocínio, que foi tida em consideração não apenas a legislação em vigência à data do início da relação contratual entre as partes mas também "as normas estabelecidas, respetivamente, nos Códigos de Trabalho aprovados pela Lei n.º 99/2003 de 27/8 e pela Lei n.º 7/2009, de 12/2".

3. Fazendo depois inúmeras considerações sobre a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do atual Código do Trabalho, concluindo que "Se é verdade que a estipulação da presunção legal de laboralidade no Código do Trabalho de 2003 e em termos práticos, em nada beneficiava quem tinha o ónus de alegação e prova da existência de contrato de trabalho, com a estipulação desta última presunção, bastará que quem tem esse ónus alegue e demonstre que, na relação existente entre trabalhador e empregador se verificam alguns, pelo menos duas das apontados características, competindo, a partir daí, ao empregador o ónus da elisão dessa presunção de laboralidade. Ora, considerando tudo quanto acabámos de expor e revertendo ao caso em apreço..." Donde, 4. Dúvidas não há que a decisão recorrida se alicerçou na referida presunção do artigo 12º do atual Código do Trabalho, baseando a sua decisão jurídica na referida presunção. Com efeito, 5. Não apenas o Acórdão 777/16.1T8LRS.L1, para o qual se remete, tem essa menção expressa, como a decisão recorrida faz questão de salientar que a mesma é tomada também por referência à presunção de laboralidade estabelecida no artigo 12.º do CT/2009". Sendo que, 6. Conforme resulta do acervo factual constante na decisão recorrida, os presentes autos são uma ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho prevista na Lei n.º 63/2013, de 27-8.

7. Os presentes autos iniciaram-se com uma ação inspetiva da ACT no dia 16-11-2015 na sede e instalações da Recorrente (ponto 1 da matéria de facto).

8. A relação contratual entre a Recorrente e o alegado trabalhador iniciou-se no ano de 1995 com a assinatura de um contrato denominado de prestação de serviço (ponto 13 da matéria de facto).

9. Esse contrato foi sujeito a uma série de aditamentos, sem que se afigure da matéria constante nos autos que os mesmos tenham introduzido qualquer alteração relevante na relação entre as partes (ponto 14 da matéria de facto). Ou seja, 10. Considerou a decisão recorrida que a uma relação que se inicia antes da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 e de 2009 se aplicam as disposições legais constantes nestes diplomas, mais concretamente a presunção de laboralidade que consta atualmente no artigo 12.º, em vez da legislação aplicável à data de início dessa mesma relação, ou seja, o artigo 1.º da Lei do Contrato de Trabalho prevista no Decreto-Lei 49.408, de 24-11-1969. No entanto, 11. Há um acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, que está em contradição com a decisão recorrida, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, Com efeito, 12. No âmbito do processo 313/16.0T8VFX.L1 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no dia 11-01-2017, em que foi relator CC, também no âmbito de uma ação especial para reconhecimento de contrato de trabalho prevista na Lei 63/2013, de 27-8, conforme cópia que ora se junta, protestando-se juntar certidão do mesmo com trânsito em julgado.

13. Esses autos tiveram igualmente início na supra referida ação inspetiva da ACT no dia 16-11-2015 na sede e instalações da Recorrente (ponto 2 da matéria de facto do Acórdão fundamento).

14. Nesses autos a relação contratual entre a Recorrente e o alegado trabalhador iniciou-se também no ano de 1995 com a assinatura de um contrato denominado de prestação de serviços (ponto 12 da matéria de facto do Acórdão fundamento).

15. Esse contrato foi também sujeito a uma série de aditamentos (os mesmos que na decisão recorrida) sem que se afigure da matéria constante nos autos que os mesmos tenham introduzido qualquer alteração relevante na relação entre as partes (ponto 16 da matéria de facto). No entanto, 16. Nesses autos, considerou o Tribunal da Relação de Lisboa que, a uma relação que se inicia antes da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 e de 2009 não se aplicam as disposições legais constantes nestes diplomas, mais concretamente a presunção de laboralidade que consta atualmente no artigo 12.º aplicando, ao invés, a legislação em vigor à data de início dessa mesma relação, ou seja, o artigo 1.º da Lei do Contrato de Trabalho prevista no Decreto-Lei n.º 49.408 de 24-11-1969. Com efeito, 17. Como se pode ler na fundamentação jurídica do Acórdão fundamento: «Resta agora decidir se, face à matéria de facto provada, inicialmente e agora aditada, se o contrato estabelecido entre as partes é de trabalho. Tendo o contrato sido celebrado entre o DD e a recorrida em abril de 1995 [Facto provado enumerado em 12.] e executado sem solução de continuidade relevante, podemos dizer que é aplicável à sua qualificação o Regime Jurídico do Contrato individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, não relevando as presunções a esse título previstas no Código de Trabalho de 2003 e de 2009. [Artigo 12.º, n.º 2 do Código Civil. Neste sentido, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-05-2012, no processo n.º 270/10.6TTOAZ.P1.S1 – 4.ª. Secção, de 15-11-2012, no processo nº 247/10.1TTTM R.Cl.SI – 4.ª Secção, todos publicados em http://www.stj. p t/ficheiros/jurisp-tematica/contratodetrabalhovscontratodeprestacaooservico_socíal.pdf de 05-03-2013, no processo n.º 3247/06.2TTLSB.L1.S1, de 15-04-2015, no processo n.º 329/08.0TTCSC.Í1.S1 e de 09-09-2015, no processo n.º 3292/13.1TTLSB.L1.S1, estes publicados em http://www.dgsi.pt.

[...] De todo modo, sendo o contrato de trabalho facto constitutivo do direito do trabalhador, uma vez que é a partir da prova da sua realidade que pode ver declarado o direito que peticiona em juízo, sobre o demandante Ministério Público impendia o respetivo ónus de prova. [Como refere o artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, "àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.] Mas se alegou que o contrato celebrado entre DD e a recorrida era de trabalho, já não logrou provar que assim fosse.» Sendo que, convém realçar, 18. Deste último Acórdão não foi interposto recurso, pelo que o mesmo transitou em julgado.

Assim, 19. Dúvidas não podem subsistir que estamos perante uma situação de um acórdão da Relação que está em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pela mesma Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

  1. Importando ainda referir que não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência sobre este tema em concreto. Pelo que, 21. A presente decisão é passível de recurso de revista excecional nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo n.º 672.º do Código de Processo Civil. Ora, 22. Sendo admissível o recurso e versando o mesmo apenas questões de direito, importa, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 639.º do Código de Processo Civil indicar:

  1. As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

23. A primeira norma jurídica violada é precisamente o artigo 342.º do Código Civil e os artigo 8.º, n.º 1, da Lei Preambular da Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto e 7º da Lei Preambular da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro. Sendo que, 24. Uma correta aplicação destes preceitos deveria ter concluído pela aplicação, ao caso concreto, do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 49.408 de 24-11-1969 (de ora em diante LCT) e 1154.º do Código Civil, tendo em consideração a data de início da relação contratual existente entre as partes que ora se discute, o que aliás fez a sentença de primeira instância. Com efeito, 25. Ainda que se entendesse que tais normas não foram efetivamente violadas e se poderia aplicar, no caso concreto, a referida presunção, sempre se deveria concluir que a sua aplicação na ação especial aqui em apreço, que é o prelúdio de um processo de contraordenação, sempre violaria o disposto no princípio da presunção de inocência previsto no artigo...

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