Acórdão nº 3581/16.3T8GMR.G1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelCABRAL TAVARES
Data da Resolução28 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA intentou a presente acção contra o Município de ..., pedindo a condenação do Réu «a reconhecer que alterou, culposamente, as condições do contrato de compra e venda identificado no artigo 1º desta petição e a pagar-lhe o montante necessário ao restabelecimento do equilíbrio do contrato de compra e venda que deverá ser determinado nomeadamente pela diferença entre o valor do terreno face à construção que nele realmente foi implantada, deduzido do montante que por ele pagou devidamente actualizado com a desvalorização da moeda e do custo da infraestruturação, valor esse acrescido dos juros de mora desde a citação até efectivo pagamento».

Alegou, em síntese, que em 1981 vendeu ao Réu um prédio situado em ... e com a área de 11 650 m2; a venda foi feita para aí se implantar a Escola de Formação Profissional de ... e a autora «não tomou a iniciativa da venda antes foi convencida a vender sob a ameaça [por parte do Réu] de que senão anuísse seria expropriada para a construção da escola»; sucede que «o Réu não respeitou a razão de ser do negócio», pois «hoje no prédio estão implantadas residências universitárias - 3 corpos de construção em altura - e dois blocos de habitação multifamiliar e comércio no rés-do-chão»; por isso, estão «preenchidos todos os requisitos previstos no art.º 437.º do CC para se exigir a modificação do contrato por alteração das circunstâncias».

O Réu contestou, defendendo-se por exceção, alegando a prescrição do direito invocado pela autora, por já ter decorrido o respectivo prazo de 20 anos e por impugnação (no relato do acórdão da Relação, tal defesa igualmente qualificada de exceção), juntando documentos, negando, relativamente à destinação do terreno, que o contrato contenha «qualquer condição vinculativa para com a vendedora (ora A.)» e afirmando, em suma, que, por escritura de 4.11.1989, doou o imóvel à Universidade ... para construção de uma residência universitária e apoio à realização das necessárias infra-estruturas urbanísticas, finalidade essa que tem também subjacente um interesse público – «Não houve, pois, por parte do Réu, violação do art.º 437.º do Código Civil que pudesse justificar a modificação do contrato celebrado de compra e venda, uma vez que não houve qualquer alteração anormal das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar, antes estando coberta pelos riscos próprios do contrato».

Apresentado articulado pela Autora, requerendo, ao abrigo do disposto nos arts. 3º, nº 3 e 6º do CPC, que fosse autorizada a responder, desde logo – e não em audiência (CPC, art. 3º, nº 4) –, por escrito, sobre a exceção aduzida pelo Réu, impugnando os documentos por ele apresentados, designadamente em vista a contraditar a tese da alegada condição vinculativa, juntando ela própria dois documentos e requerendo a notificação do R. para juntar certidão de processo urbanístico em seu poder.

Admitido o articulado apresentado, integrada a pronúncia do mesmo constante e considerando-se não haver insuficiências ou imprecisões da matéria de facto a suprir, com dispensa de realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, nos termos dos arts. 576º nº 3 e 595º nº 1, alínea b) do CPC, a julgar procedente a exceção de prescrição, absolvendo o Réu do pedido.

  1. Apelou a Autora, tendo a Relação dado provimento ao recurso, por entender que «não estando alegados factos suficientes para se saber quando é que começou a correr o prazo de prescrição, não se está em condições de afirmar que esta se deu, o mesmo é dizer que a excepção tem que ser julgada improcedente, devendo os autos prosseguir a sua marcha».

  2. Pede revista o Réu, a final da sua alegação formulando as conclusões seguintes: «1.º A douta sentença recorrida não atendeu à matéria factual fixada no douto saneador-sentença, seguindo a tese da autora de que o contrato de compra e venda celebrado por escritura de 13/02/1981 continha a condição de que o terreno adquirido pelo Município de ... se destinava à implantação de uma Escola de Formação Profissional.

    1. Porém, a única condição que dessa escritura consta é que havendo lugar à indemnização do caseiro que fabricava os terrenos, seria a mesma da responsabilidade da Câmara Municipal de ..., sendo certo que da mesma escritura também consta que a venda era feita livre de quaisquer ónus e encargos.

    2. Aliás, essa única condição consta do contrato promessa de compra e venda junto aos autos, aí não se fazendo qualquer referência ao destino a dar ao terreno, ficando até expresso que a Câmara Municipal podia, desde logo, ou seja, desde 29/12/1980, dispor desse mesmo terreno, para a finalidade que entendesse.

    3. Acresce que na escritura de compra e venda de 13/02/1981, o Presidente da Câmara declarou aceitar o contrato para a sua representada na forma expressa cujas condições haviam sido aceites por deliberação da Câmara Municipal de ... de 12 de Dezembro de 1980 e firmadas em contrato promessa de 29 de Novembro do mesmo ano, acrescentando que o terreno se destinava à implantação de uma Escola de Formação Profissional.

    4. Com esta declaração final o Presidente da Câmara pretendeu tão somente dizer que havia um interesse público na referida aquisição, não tendo, com a mesma, visado a satisfação de qualquer pretensão ou pedido da autora, que nunca existiu, sendo certo que, a construção de uma Escola de Formação Profissional estava dependente da vontade do Ministério do Trabalho, que a não levou a efeito, mesmo após a transmissão, pelo Município, do direito de superfície do terreno, por falta de verbas.

    5. Assim, da análise dos termos do contrato celebrado, resulta, à luz dum declaratário dotado de diligência normal, que o mesmo não está subordinado a uma condição resolutiva ou a uma cláusula de resolução ou modificação, no que respeita ao destino a dar ao terreno, devendo também, na sua interpretação, serem considerados os termos do contrato promessa de compra e venda junto aos autos.

    6. Considerando a doutrina da impressão do destinatário, consagrada no artigo 236º do CC, qualquer declaratário normal, equilibrado, de bom senso e de diligência normal, colocado na posição do Município de ..., nenhumas dúvidas teria de que no contrato não estava mencionada qualquer condição, à excepção da indemnização ao caseiro.

    7. Assim, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do contrato em causa, não ficou o Município obrigado para com a vendedora a que o terreno objecto do mesmo tivesse por destino a construção de uma Escola de Formação Profissional.

    8. Para decidir sobre o mérito da excepção peremptória da prescrição, o Tribunal da Relação de ... não atendeu aos factos fixados no douto saneador-sentença, não atendeu aos contratos juntos aos autos, o Tribunal da Relação decidiu, como no próprio acórdão se refere, "à luz da causa de pedir', considerando a "tese" e a "perspectiva da autora", factualidade esta controvertida.

    9. Aliás, o próprio Acórdão recorrido, em nota de rodapé (6), refere que "a autora não chega a utilizar a expressão "condição", mas é isso que parece resultar do que alega", limitando-se a uma interpretação da tese da Autora, sem mais.

    10. Assim, a decisão do Tribunal da Relação de ... padece de erro nos pressupostos de facto, porque atendeu não à factualidade já fixada no douto despacho saneador, mas em pressupostos e elementos de facto controvertidos.

    11. Mesmo que porventura se entendesse que a escritura de compra e venda de 13/01/1981 continha, como condição, o Município de ... ser obrigado a construir no terreno adquirido, uma Escola de Formação Profissional, e essa obrigação não foi cumprida pelo Município, isso não significa que o direito de resolução ou modificação do contrato pudesse ser exercido sem dependência de qualquer prazo, ou seja, sem limite temporal.

    12. Na verdade, o direito de resolução ou o direito à modificação do contrato segundo juízos de equidade são direitos potestativos que, na falta de fixação, legal ou voluntária, de qualquer prazo, estão sujeitos às regras da prescrição ordinária (neste sentido, Acórdão deste STJ de 16.01.2014, proc. nQ367/2001.E1.S1).

    13. Dificilmente se compreenderia, aliás, que, sem distinção, um qualquer direito (potestativo ou não) pudesse ser accionado sem qualquer limite temporal, com toda a insegurança e incerteza que isso determinaria para o comércio jurídico. Rodrigues Bastos anota precisamente que “a prescrição tem o fim social de eliminar o estado de incerteza resultante da falta de exercício de um direito em prazo preestabelecido" - cfr. referido Acórdão deste STJ de 16.01.2014.

    14. À prescrição estão sujeitos todos e quaisquer direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela (artigo 298º, nº 1, do CC), e assim ocorre com o direito potestativo de resolução regulado nos arts. 432º e segs. do CC, como se decidiu também no Ac. do STJ, de 25-6-09 (www.dgsi.pt). ou o direito potestativo da modificação contratual, que corresponde a uma resolução parcial do contrato.

    15. Esta tem sido a solução defendida por vários autores, entre eles Antunes Varela, Romano Martinez e Brandão Proença, defendendo a solução de que não tendo sido exercido aquele direito no prazo convencionado ou no prazo razoável fixado pela contraparte ao titular do direito e na ausência de prazos legais de caducidade do direito ou da acção, aplica-se o prazo ordinário dos 20 anos de prescrição (cfr. mesmo Acórdão deste STJ de 16.01.2014).

    16. Assim, não existindo norma que fixe um prazo de caducidade para o exercício do direito de resolução ou modificação do contrato, não tendo sido convencionado pelas partes qualquer prazo para esse efeito e não tendo sido fixado pela autora um prazo razoável para a construção da Escola de Formação Profissional, o pretenso direito da autora à modificação do contrato por alteração das circunstâncias, fica sujeito à prescrição ordinária de 20 anos a...

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