Acórdão nº 487/13.1TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução28 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

A AA, S.A. intentou acção declarativa contra o Banco BB, S.A., pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a importância de € 89.250,94 relativa às garantias prestadas, bem como os juros de moratórios vencidos, à taxa de 16%, no montante de € 19.913,96, e vincendos até integral pagamento.

Regularmente citado, o R. apresentou contestação, concluindo pela improcedência do pedido.

  1. Foi proferido despacho saneador onde se afirmou a validade e regularidade da lide e se procedeu ao conhecimento do mérito da acção, por se considerar que os autos dispunham de todos os elementos necessários para o efeito, tendo sido proferida decisão no sentido da improcedência da acção e absolvição do R. do pedido.

  2. Não se conformando com tal decisão, a A. dela interpôs recurso de apelação.

    O R. apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.

    O Tribunal da Relação do Porto veio a proferir acórdão nos seguintes termos: “julga-se procedente o recurso interposto pela A., revogando-se a decisão recorrida e condenando o R. a pagar à A. a quantia de € 89.250,94 (oitenta e nove mil duzentos e cinquenta euros e noventa e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa de juro comercial, desde 24/01/2012, até integral pagamento. Custas pelo Recorrido.” 4.

    O Recorrido, banco, não se conformou com o acórdão, tendo apresentado recurso de revista, onde figuram as seguintes conclusões (transcrição): “1ª O objecto da presente revista passa pela resposta a dar às duas seguintes questões de direito, a segunda subsidiária da primeira: Primeira questão de direito: tendo um banco emitido três garantias bancárias autónomas e à primeira solicitação em cujos títulos apenas se menciona que se destinam a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações que, ela, única ordenante, assumirá no contrato que vai celebrar com a beneficiária, quid juris: as garantias cobrem tão só as responsabilidades emergentes do incumprimento da ordenadora às obrigações do contrato base ou pode entender-se que cobrem também o incumprimento das obrigações de uma entidade diferente da ordenadora, no caso, uma entidade terceira com ela associada por contrato de consórcio externo de todo omisso nos dizeres da garantia? Segunda questão de direito: suposta, em pura dialéctica, a resposta afirmativa à primeira questão, mas sabido que a única ordenante foi declarada insolvente e, na insolvência, a beneficiária não reclamou o seu crédito, quid iuris: pode, ainda assim, a ordenante exigir que o banco honre as garantias prestadas por elas revestirem a natureza de garantis autónomas ou, apesar desta sua natureza, deve entender-se que o direito a exigir a satisfação das garantias ficou precludido nos termos do disposto no artº 653º do Código Civil, por a falta de reclamação do crédito envolver, por definição, a impossibilidade de sub-rogação? 2ª A correcta resposta à primeira daquelas questões é no sentido de que, tal como bem se decidiu na Instância, as garantias dos autos não autorizam que o Banco, a coberto delas, responda pelo cumprimento de facturas em que figura, como devedor, não a ordenadora das mesmas garantias, senão entidade que não consta em nenhures do teor dos documentos em que ficaram consubstanciadas as garantias; 3ª Estão definitivamente provados nos autos, tanto pela sentença da primeira instância como agora pelo acórdão recorrido, estes factos: a) que as propostas de garantia apresentadas junto do Banco pela ordenante CC são completamente omissas quanto à existência de um consórcio e, portanto, omissas também em relação à estipulação de responsabilidade solidária entre as empresas consorciadas; b) que as garantias bancárias emitidas, não têm mencionada no seu texto qualquer referência à existência de um consórcio e, muito menos, que, com consórcio ou não, o garante assumisse, ao emiti-las, a obrigação de responder por incumprimentos de terceiro que ninguém lhe disse ou fez saber que intervinha na obra em regime de acordada responsabilidade solidária passiva com a ordenante; c) que no texto das garantias a única coisa de que se fala é do contrato de empreitada que a ordenante CC “assumirá no contrato que com ela” (com ela e não também com quaisquer terceiros…) “a GG vai outorgar e que tem por objecto a empreitada….”; d) que, como o acórdão recorrido expressamente refere, não se apurou se foi ou não entregue ao garante cópia do contrato de empreitada que, esse sim, havia de mencionar a existência do consórcio e do regime de solidariedade nele fixado; finalmente, e) que as facturas que estão na base do pedido formulado a coberto das garantias juntas aos autos são facturas em que figura como devedor, não a ordenadora delas (a CC, SA) senão uma sociedade terceira que, como se sabe nos autos, nunca foi dada a conhecer ao Banco, nem como co-ordenante, nem como consorciada, nem como coisa nenhuma (a DD, SA).

    1. Se destes factos é apodíctico concluir que as garantias ajuizadas nestes autos não cobrem o pedido formulado na acção, mais apodíctico é concluir que o apelo que se faz no acórdão recorrido ao regime do artº 236º do Código Civil aponta apenas para efeito de excluir a responsabilidade do Banco, não para a afirmar: se a declaração negocial não pode valer com um sentido com o qual o declarante não possa razoavelmente contar, vedado é pôr o Banco a responder por incumprimentos de terceiros cuja existência desconhecia - e que desconhecia por ninguém lha ter referido, por não resultar do texto mesmo das garantias por si emitidas, por não constar dos documentos que corporizaram o pedido de prestação das garantias e, pior ainda, por nada sequer se ter provado nos autos sobre a entrega ao Banco do teor do contrato base de empreitada.

    2. O Acórdão recorrido, para chegar à condenação do Recorrente, invoca uma norma, a do art.º 236º do Código Civil, que, em vez de prejudicar, beneficia o Banco e em vez de o condenar, o absolve.

    3. O que fica da reflexão que se faça do acórdão recorrido é que – sem quebra do respeito, que é muito – subverte a lógica de um correcto pensamento jurídico-dedutivo já que parte do demonstrado para o que está em causa demonstrar: dando infundadamente como seguro que as garantias ajuizadas cobrem a responsabilidade que está pedida ao Recorrente, toda a fundamentação que desenvolve e expende não reveste senão a natureza de um errado pensamento, insusceptível de conduzir à conclusão que afirma, mas que a boa hermenêutica claramente rejeita e exclui.

      Por outro lado, 7ª Se o acórdão recorrido esteve mal quando se pronunciou no sentido de pôr o Banco a responder por incumprimentos de terceiros que as garantias dos autos excluem, mal andou, também, ao decidir que o Banco não estava desonerado dela por via do disposto no artº 653º do Cód. Civil, uma vez que a Autora, como beneficiária, não reclamou na insolvência da ordenadora o crédito que o acórdão recorrido afirma, embora mal, que tinha contra o Banco; 8ª Analise-se a garantia bancária numa mera fiança ou revista ela a natureza de uma garantia autónoma, não perde ela nunca a natureza de garantia das obrigações e, como tal, a conferir sempre ao banco que, como garante, a honre, o direito de exercer o regresso contra o ordenante; 9ª Se o garante que honra a garantia junto do beneficiário não perde o direito de regresso contra o ordenante para haver dele o que pagou ao beneficiário, mesmo que a garantia por ele emitida participasse da natureza de garantia autónoma, está bom de ver que o regime do art.º 65.º3 do Código Civil se aplica a qualquer tipo de garantia, seja ela simples, seja autónoma.

    4. É que o facto de a garantia ser autónoma só significa que, no plano das relações com o beneficiário, o garante não pode opor-lhe os vícios do contrato base: a garantia continua, pois, a ser havida como garantia para efeito de poder beneficiar do regime de avisada protecção estabelecido no art.º 653.º do Código Civil.

    5. O entendimento que vingou no acórdão recorrido, de todo prenhe de um conceitualismo formal inaceitável e obsoleto, levando o conceito de autonomia às últimas consequências, ultrapassa em termos de boa hermenêutica os efeitos que estão contidos naquele conceito, retirando às garantias autónomas uma protecção que a ideia de autonomia de todo em todo não reclama e que o alcance teleológico do art.º 653.º do Cód. Civil proíbe, mesmo quando confrontado com a mais funda substância que se encontre no próprio conceito de autonomia.

    6. Impõe-se, assim, concluir que a resposta à segunda questão de direito colocada como objecto deste recurso, não pode deixar de ser esta: o facto de uma garantia autónoma participar da natureza de garantia autónoma não lhe retira a protecção a que se refere o art.º 653.º do Cód. Civil, entendendo-se por desonerado o garante sempre que, declarado insolvente o ordenante, o direito de regresso não possa ser exercido contra a massa, por sub-rogação, por o beneficiário não ter na insolvência, reclamado o seu crédito.

    7. E não se diga que só por previsão específica no contrato de garantia é que o garante poderia beneficiar da protecção do art.º 653.º daquele Corpo de Leis pois que a protecção por ele estabelecida decorre directamente da norma – mesmo no caso de a garantia ser autónoma.

    8. O acórdão recorrido, decidindo como decidiu, violou, entre outros, o disposto nos artºs 236.º e 653.º do Código Civil, além de ter violado as disposições do contrato de garantia que constitui lei entre as partes.

      Termos em que, na procedência das conclusões da presente alegação e no provimento da revista, deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por acórdão que julgue a acção improcedente e absolva o Banco do pedido, seja pela via principal de as garantias emitidas pelo Recorrente não autorizarem a cobrança dos créditos ajuizados, seja, subsidiariamente, por via do disposto no art.º 653.º do Código Civil.

      É o que se espera resulte da sempre douta e esclarecida reflexão...

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