Acórdão nº 26175/15.6T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelJÚLIO GOMES
Data da Resolução06 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 4.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça Relatório AA intentou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude de despedimento contra BB, S.A., pessoa colectiva nº ..., com sede na Av. …, nº …, … Lisboa.

A Ré alegou que o Autor, admitido ao seu serviço em 15 de Dezembro de 2008, foi sujeito a processo disciplinar e despedimento por, no período compreendido entre 18 de Março de 2013 e 20.11.2014, ter movimentado para seu próprio benefício, com recurso à falsificação de assinatura e utilização de contas “mula”, valores pertencentes a cliente da Ré, CC, de 93 anos de idade, no total de € 451.000,00 (dos quais foi possível recuperar € 350.000,00).

Concluiu pela violação pelo Autor, de forma consciente e intencional, dos seus deveres profissionais, nomeadamente os de obediência, zelo, diligência, probidade e honestidade, a que se reportam as alíneas a), c), e) do n.º 1 do art.º 128.º do CT e alíneas b) e d) do n.º 1 da cl.ª 22.ª, 104.ª e 106.ª, n.º 1, al. f) do AE, que pela sua gravidade e consequências tornaram impossível a subsistência da relação de trabalho.

Notificado do articulado de motivação do despedimento, o Autor apresentou contestação por excepção e impugnação, alegando, em síntese: o despedimento é ilícito porquanto a Ré lhe aplicou a sanção disciplinar quando este se encontrava no gozo da licença parental inicial, sem pedir o parecer prévio da CITE; é inválido o procedimento disciplinar porquanto quer a deliberação de instauração do processo disciplinar, quer a deliberação do despedimento do requerente, foram proferidas após ter ocorrido a prescrição do poder disciplinar previsto no nº 2 do art.º 329 CT; o requerente não praticou os factos que lhe são imputados. Concluiu pela declaração de ilicitude do despedimento.

Após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: “Por todo o exposto, decide este Tribunal julgar a presente acção totalmente improcedente, e, em consequência, absolver a ré BB, S.A., do pedido formulado pelo Autor AA.

Condena-se o Autor AA como litigante de má-fé na multa de nove UCS.” Inconformado o Autor interpôs recurso de apelação em que pedia que fosse alterada a decisão recorrida, declarando-se o despedimento ilícito e condenando-se a Recorrida, BB, S. A., nos termos por ele peticionados (n.º 61 das Conclusões do recurso de apelação) e revogada a decisão de condenação como litigante de má fé em multa de nove UCS (números 62.º e 63.º das Conclusões do recurso de apelação).

A Ré apresentou contra-alegações defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Realizado o julgamento o Tribunal da Relação proferiu Acórdão com o seguinte teor: “Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelo Recorrente, revoga-se a sentença recorrida e declara-se a ilicitude do despedimento do Autor; reconhece-se o direito do Autor a ser reintegrado no mesmo estabelecimento da empresa Ré, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e na indemnização por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, a calcular em execução de sentença; tendo ainda direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, nos termos dos artigos 389º e 390º do Código do Trabalho.” Sublinhe-se que o Tribunal afirmou igualmente que “face à procedência deste fundamento da acção, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões, designadamente a condenação do Recorrente como litigante de má-fé, da qual deverá ser absolvido”.

Inconformada a Ré interpôs recurso de revista. Nesse recurso invocou, desde logo, a nulidade do Acórdão recorrido por, por um lado, ter sido proferida decisão não fundamentada, obscura e contraditória quanto à questão da condenação do Autor como litigante de má fé e, por outro lado, por omissão de pronúncia face ao disposto no artigo 387.º n.º 4 do Código do Trabalho. Invocou, depois, que o despedimento não era ilícito, porquanto o Autor não estava no gozo da licença parental quando a instrução terminou, momento que a lei fixa para o pedido de parecer prévio da CITE, pelo que não era no caso vertente legalmente necessário tal Parecer (cf. os números 11 a 14 e 18 das Conclusões). Pedia, assim, que fosse revogado o Acórdão recorrido e julgada a licitude do despedimento, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos contra ela formulados na presente ação.

O Autor contra-alegou e apresentou, também, um pedido de ampliação do objeto do recurso. No seu recurso o Autor nega a existência de quaisquer nulidades do Acórdão recorrido (Alegações números 2 a 3, Conclusões 1.ª a 10.ª), reitera a necessidade de parecer prévio da CITE (Alegações números 4 a 17, Conclusões 11.ª a 26.ª), por, designadamente, não ter qualquer apoio, nem na letra da lei, nem no seu espírito, o entendimento de que o parecer só seria exigível se o trabalhador se encontrasse no gozo da licença desde o procedimento disciplinar até à sua conclusão (Alegação n.º 6 e Conclusões 12.ª e 13.ª) e sublinha, entre outros factos, que o Relatório final do processo disciplinar só foi elaborado em 27 de agosto de 2015 quando o Autor já se encontrava no gozo efectivo da licença parental (Alegação n.º 15, al. a) e Conclusão 24.º alínea a). Apresenta, depois, um pedido de ampliação do objecto do recurso “às questões por si invocadas na apelação que não foram conhecidas pela relação de Lisboa” (Alegação n.º 18 e Conclusão 27.ª). Sustenta que deve ser dada diferente redacção ao n.º 15 dos factos dados como provados (Conclusões 28.ª a 33.ª) e impugna, pedindo que sejam eliminados da matéria provada, os factos constantes dos números 53, 54, 59, 60, 61, 62, 63, 66, 67, 68, 77, 78 e 79 (Conclusão 61.ª). Para tanto censura a apreciação da prova testemunhal realizada pela 1.ª instância (conclusões 31.ª e 32.ª), põe em causa a credibilidade de várias testemunhas (Conclusões 37.ª, 38.ª, 49.ª) e o valor e sentido da confissão do Autor relativamente a alguns dos factos dados como provados (Cláusula 52.ª). Critica, ainda, a decisão de não ser permitido o visionamento das imagens gravadas (Cláusulas 54.ª a 60.ª). Afirma, igualmente, ter-se limitado a exercer o direito de acesso à justiça, não tendo assumido qualquer comportamento que possa integrar o conceito de litigância de má fé (Conclusão 64.ª) e conclui, pedindo que seja negado provimento ao recurso.

A Ré respondeu defendendo a inadmissibilidade da ampliação do objecto do pedido nos termos do artigo 632.º, n.º 2 do CPC porque essa norma pressupõe que o Tribunal a quo tenha conhecido efectivamente o fundamento em que a parte vencedora decaiu o que não sucedeu. Sublinha também que na sua impugnação da matéria de facto o Autor não cumpre os ónus previstos no artigo 640.º do CPC e que toda a matéria impugnada, ou seja, os factos constantes dos números 53, 54, 59, 60, 61, 62, 63, 66, 67, 68, 77, 78 e 79, foi dada como provada também com fundamento em outros depoimentos e documentos juntos aos autos, como resulta da fundamentação da matéria de facto. Quanto ao visionamento das imagens refere que do documento 3 junto em anexo ao requerimento apresentado pelo Autor consta a deliberação da CNPD n.º .../2015, a qual não indefere o pedido do Autor, mas estabelece que na medida em que o visionamento pretendido implique o acesso a dados pessoais de terceiros, a Ré só facultará o acesso se para o efeito tiver obtido o respectivo consentimento.

Em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do CPT, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido de ser julgado lícito o despedimento. Fundamentação De Facto 1. O Autor encontra-se ao serviço da Ré, vinculado por “contrato de trabalho” desde 15 de Dezembro de 2008, tendo exercido funções na Agência de ... entre 15.12.2008 a 27.10.2013 e na agência de ... a partir de 28.10.2013.

  1. O Autor encontra-se classificado, ao serviço da Ré, com a categoria profissional de Administrativo, e colocado na agência de ... da Ré.

  2. Em 20.11.2014 foi efectuada, na Agência de ..., uma mobilização parcial, no valor de € 350.000,00, do depósito nº 6, pertencente à conta de depósitos a prazo nº …, para crédito da conta à ordem associada, nº …, titulada por CC.

  3. De seguida, por débito na aludida conta à ordem, foi efectuada uma transferência do mesmo valor para crédito de uma conta do DD, sediada na Agência de ..., titulada por EE.

  4. A mobilização parcial, de € 350.000,00 do depósito nº 6, pertencente à conta de depósitos a prazo nº ..., para crédito da conta à ordem associada, e a transferência subsequente do mesmo valor para o DD, foram efectuadas, no terminal a cargo do empregado, FF, em 20.11.2014, respectivamente às 10:41horas e 10:43 horas, a pedido do empregado AA, ora Autor, alegando não estar familiarizado com os procedimentos informáticos necessários à transferência.

  5. O empregado, FF, questionou o Autor AA sobre se a cliente estava presente na agência e sobre o motivo da transferência, tendo-lhe este dito que a mesma se encontrava presente no seu gabinete e que a transferência de destinava a uma ajuda financeira.

  6. A titular da conta do DD, EE, solicitou à respectiva entidade bancária a emissão de um cheque bancário, no valor de € 350.000,00, a favor dos CTT, que aquela entidade emitiu.

  7. O gerente da referida Agência do DD, HH, após questionar a titular da conta para a qual foi efectuada a transferência do valor de € 350.000,00, EE, sobre a proveniência do referido valor e ter emitido o cheque bancário a favor dos CTT, informou, em 21.11.2014, a agência da Ré sita na Rua … (agência de domicílio da conta identificada em 3, titulada por CC) na pessoa de II, de que a cliente titular da conta na qual foi creditado o valor de 350.000,00 € era uma jovem que trabalhava numa ... em ... e que quando a questionou sobre a proveniência da aludida verba, esta alegou que respeitava à herança de um amigo e que iria ser aplicada em Certificados de Aforro, motivo pelo qual tinha solicitado a emissão de um cheque bancário, no valor...

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