Acórdão nº 4986/16.5T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução10 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça “AA, SA.”, requereu Processo Especial de Revitalização (doravante PER).

Nomeado administrador judicial provisório, cumprida a demais tramitação e concluídas as negociações, veio a ser aprovado, por credores representativos das maiorias legalmente exigidas, plano de recuperação conducente à sua revitalização; tendo votado contra, entre outros, a BB, SA.

Remetido o plano de recuperação aprovado ao tribunal, este, conclusos os autos, proferiu decisão a homologar tal plano de recuperação (prevendo a revitalização da devedora através da reestruturação do passivo – moratória, modificação dos prazos de vencimento, perdão e redução dos juros e perdão dos créditos subordinados).

*** Inconformados com a decisão homologatória, vieram o Banco CC, SA., BB, SA., e o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, interpor recurso, para o Tribunal da Relação de Coimbra, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que recuse a homologação do plano de recuperação aprovado.

A Relação, por Acórdão de 19.12.2017, decidiu julgar improcedentes as três apelações interpostas (pelo CC, BB e Ministério Público) e, em consequência, confirmou a decisão recorrida, que homologou o Plano de Recuperação aprovado.

*** Inconformado, o Ministério Público recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, invocando oposição de Acórdãos e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1ª. De acordo com a tese que obteve vencimento no douto aresto, ora em recurso, decidiu-se que, não obstante se entender, em face do art.° 30.°/2 e 3 da LGT, que violam as normas tributárias os “planos” (de insolvência ou de recuperação) que, sem a autorização/acordo do Estado, reduzam os juros ou dilatem prazos de pagamento das obrigações tributárias, se considera que, no caso concreto, se está perante um Plano de Recuperação que apenas incorre em violação negligenciável das normas tributárias, o que determinou o insucesso do recurso de Apelação e a confirmação da decisão da 1ª instância que o homologou na sua totalidade e sem restrição dos seus efeitos aos créditos não tributários.

  1. O douto acórdão recorrido perfilha, assim, no domínio da mesma legislação, entendimento contrário ao expresso nos acórdãos dos Tribunais das Relações de Coimbra, de 13.9.2016, no Proc. n°499/15.0T8SEI-A.C1, de 13.1.2015, no Proc. N°1395/13.1TBCVL.C1; de Lisboa, de 28.5.2015, no Proc. N°26026/13.6SNT.L1-8 e de Guimarães, de 15.12.2016, no Proc. N°1051/16.9T8GMR.G1, todos publicados em www.dgsi.pt., cujos sumários são, na parte que ora releva, e respectivamente, do seguinte teor: i) Encontrando-se em causa o desrespeito de normas imperativas, a homologação de um plano de revitalização que e preveja o pagamento em prestações de créditos tributários sem o acordo da Fazenda Nacional constituiu, em princípio, uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis caindo na previsão do artigo 215º CIRE.

    A opção pela ineficácia relativa do plano, na parte em que prevê regras especiais para o pagamento dos créditos da administração tributária sem a autorização desta, não afectando as restantes disposições relativas aos demais créditos ao mesmo tempo que preserva os créditos tributários, permite salvaguardar o plano de recuperação.

    ii) A homologação de plano de revitalização que inclua o pagamento em prestações de créditos sem o acordo da Segurança Social, constitui uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis, nos termos do art 215° do CIRE e, por tal motivo, deve o juiz recusar oficiosamente a homologação do acordo na parte em que viola regras legais imperativas.

    Não obstante o plano de revitalização aprovado conter cláusula que viola o disposto nos arts. 30º, n°2 e 3, e 36º, nºs 2 e 3, da LGT, e 190º, nºs 1, 2, a) e 6, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, não deve ser o mesmo objecto de recusa de homologação judicial, antes enfermando de mera ineficácia, sendo, por isso, inoponível ao Instituto da Segurança Social.

    iii) Verificando-se que o Plano de Recuperação aprovado pela maioria dos credores comporta um regime prestacional de pagamento das dívidas fiscais e de perdão de 80% dos respectivos juros de mora vencidos, que não respeitou disposições legais tributárias, nomeadamente os arts 30º, nºs 2 e 3 e 36º, nº3 da LGT e art. 196º do CPPT, que têm carácter público e imperativo, e não obteve concordância do Estado – Autoridade Tributária e Aduaneira, terá de se concluir que tal situação importa a violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo, pelo que nos termos do disposto no art. 215º “ex vi” do art. 17º-F, nº5 ambos do CIRE, o mesmo não deve ser homologado em toda a sua extensão.

    O Plano de Recuperação do devedor aprovado pela maioria dos credores, com o voto contra da Autoridade Tributária e Aduaneira por inobservância do regime previsto na LGT e no CPPT relativamente aos créditos tributários, apenas deverá ser ineficaz em relação à Autoridade Tributária e Aduaneira, não produzindo a sua homologação quaisquer efeitos quanto aos respectivos créditos.

    iv) Sendo os créditos tributários de natureza indisponível, inexistindo qualquer derrogação do regime geral (LGT) pelo regime especial consagrado no processo de insolvência e recuperação de empresa (CIRE), a homologação do plano sem a concordância da Fazenda Nacional ou Instituto de Segurança Social, LP., constitui violação não negligenciável de normas imperativas, sendo insuficiente a vontade dos credores, ainda que qualificada, para reduzir, extinguir ou fraccionar no tempo o seu pagamento.

  2. Encontram-se, assim, verificados os pressupostos admissibilidade do presente recurso, não se mostrando, por outro lado, fixada jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça.

  3. O Estado – Fazenda Nacional/AT -, representado pelo Ministério Público, neste Tribunal da Relação, com o respeito devido por opinião diversa, não concorda com os doutos e proficientes fundamentos em que se alicerçou a tese que fez vencimento no douto aresto recorrido, acima mencionada na conclusão 1.ª.

  4. Propendendo, antes, para considerar que se está, como afirmado no douto voto de vencido, perante uma violação não negligenciável, uma vez que diz respeito a normas imperativas de interesse e ordem públicos.

  5. Como dos autos resulta, a fls. 1088 e 1239, o Plano de Recuperação aprovado e homologado por sentença de 7.8.2017, no que concerne à regularização dos créditos fiscais no valor de € 315. 073, 31, prevê, sem o acordo da Fazenda Nacional/AT, nomeadamente: - o pagamento em 150 prestações mensais; - uma moratória ilegal no pagamento prestacional, com o início deste apenas até ao final do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano, quando a primeira prestação terá de se vencer até ao final do mês seguinte ao términus do prazo previsto no n° 5 do art. 17°-D do CIRE; - o não pagamento dos juros vincendos (defende o pagamento, apenas, do “valor reclamado”.

  6. Da conjugação dos artigos 30°, n°s 2 e 3 e 36°, n°s 2 e 3 da Lei Geral Tributária (LGT) com o teor do artigo 196° do CPPT, temos por assente que: - o princípio da indisponibilidade e da irrenunciabilidade das dívidas fiscais é imperativo, vinculando a própria administração tributária que não pode dispor livremente dos seus créditos, encontrando-se impedida de anuir na aprovação de um plano que preveja o perdão total ou parcial das dívidas fiscais; A concessão de moratórias encontra-se vedada, a não ser nos casos expressamente previstos na lei (arts. 36°, n°3 e 85°, CPPT permitindo-se, em determinadas circunstâncias, que o sujeito passivo requeira o pagamento em prestações das dívidas tributárias (art.°s 86° e 196° CPPT] - a proposta de pagamento em prestações encontra-se sujeita ao consentimento ou anuência da administração fiscal, nos termos dos artigos 196° e 199° do CPPT.

  7. A jurisprudência dominante vai no sentido de que, encontrando-se em causa o desrespeito de normas imperativas, a homologação de um plano de revitalização que preveja o pagamento em prestações de créditos tributários e o não pagamento de juros, sem o acordo da Fazenda Nacional, constituiu uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis caindo na previsão do artigo 215° CIRE.

  8. E o Plano de Recuperação do devedor aprovado pela maioria dos credores, com o voto contra da Fazenda Nacional/AT por inobservância do regime previsto na LGT e no CPPT relativamente aos créditos tributários, apenas deverá ser ineficaz em relação à Fazenda Nacional/AT, não produzindo a sua homologação quaisquer efeitos quanto aos respectivos créditos.

  9. No entanto, tal não significa que o Plano de Recuperação não possa valer perante os demais credores que lhe deram o seu acordo, porquanto a sua ineficácia em relação aos créditos da Fazenda Nacional/AT não impede que o mesmo seja homologado mas tão só em relação aos demais credores.

  10. Ao decidir nos termos em que o fez, o douto acórdão recorrido violou as normas constantes dos arts. 30°, n°s 2 e 3 e 36°, n°3 da Lei Geral Tributária; do art.° 85°, n°s 1 e 3 e 196° a 198°, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e dos art.° 192°, n° 2 e 215°, do CIRE.

  11. Nestes termos, e nos mais que V.ªs Ex.ªs muito doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido, no sentido de que a violação de normas tributárias imperativas, designadamente as mencionadas na conclusão 11.ª, no Plano de Recuperação não é negligenciável e que a homologação deve ter-se como ineficaz quanto aos créditos da Fazenda Nacional/AT.

    V.ªs Ex.ªs, porém, melhor decidirão, assim se fazendo a costumada Justiça.

    Não houve contra-alegações.

    A Recorrida devedora e requerente do Processo Especial e Revitalização (PER) “AA, SA.”, a fls. 1442 a 1444 – nas suas contra-alegações, requereu a fixação de jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos arts. 686º e 687- do Código de Processo Civil, limitando o recurso: “…à...

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