Acórdão nº 617/12.0TBCMN.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | ROQUE NOGUEIRA |
Data da Resolução | 17 de Abril de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 – Relatório.
No Tribunal Judicial de Caminha, AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma comum ordinária, contra BB, pedindo, a final, que a compra e venda em questão seja declarada simulada e, portanto, válido o negócio dissimulado como sendo uma doação com a cláusula modal da ré cuidar do autor, em sua casa, atá ao final da vida e, em consequência, que a doação da fracção em causa seja anulada por incumprimento voluntário da ré das obrigações que a ela estavam subjacentes, que a ré seja condenada a desocupar a mesma fracção e que seja ordenado o cancelamento do registo da aquisição a favor da ré.
Pediu, ainda, em alternativa, que a ré seja condenada a pagar ao autor a quantia de € 80.000,00, correspondente ao preço do apartamento que ainda não liquidou, a quantia de € 7.000,00 referente à mobília e ao ar condicionado e a quantia de € 480,00 referente ao imposto de selo devido pela transacção.
Após contestação da ré e ampliação do pedido na réplica, o autor desistiu dos pedidos formulados nas als. a), b), c) e d) da petição inicial e do pedido formulado na réplica, desistência que foi homologada por sentença já transitada em julgado.
Foi proferido o despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de € 60.000,00.
Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação daquela sentença, impugnando as decisões de facto e de direito.
O relator no Tribunal da Relação de Guimarães proferiu decisão sumária, tendo rejeitado o recurso no que se refere à impugnação da decisão que fixou a matéria de facto provada, mantendo esta e confirmando a decisão de direito.
Deduzida reclamação, foi proferido acórdão, que confirmou a decisão reclamada.
De novo inconformada, a ré interpôs revista daquele acórdão, tendo a mesma sido concedida e, em consequência, foi anulado o acórdão recorrido no segmento em que se decidiu rejeitar o recurso no que se refere à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, tendo-se determinado a baixa do processo ao Tribunal da Relação para que procedesse à integral apreciação daquela impugnação deduzida no recurso de apelação, bem como, se fosse o caso, do subsequente alcance em sede da solução de direito.
Foi, então, proferido novo acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, tendo-se decidido revogar a sentença recorrida e julgar totalmente improcedente a acção, absolvendo a ré do pedido formulado.
Inconformado, o autor interpôs recurso de revista daquele acórdão Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos: 1) Em meados de Maio de 2010, o Autor admitiu a Ré ao seu serviço para cuidar da limpeza da sua habitação, para tratar da roupa, cozinhar e tratar do jardim (art.º 3.º da p.i. e art.ºs 5.º a 7.º da contestação); 2) Inicialmente, a Ré trabalhava em casa do Autor durante o dia e pernoitava em sua casa, mas posteriormente, após o seu divórcio, passou a viver, com as suas duas filhas, em casa do Autor (art.ºs 4.º a 7.º da p.i. e art.ºs 5.º, 9.º, 11.º, 13.º e 16.º a 19.º da contestação); 3) Após ter passado a residir em casa do Autor, a Ré continuou a realizar o seu trabalho como sempre havia feito até então (art.º 20.º da contestação); 4) Por vezes, a Ré falava ao Autor na hipótese de arranjar trabalho fora de casa, mas este sempre se mostrou contra (art.ºs 21.º e 22.º da contestação); 5) Através do contrato de compra e venda com termo de autenticação de fls. 11 v.º a 14 v.º, outorgado no dia 10 de Novembro de 2010, CC e DD declararam vender ao Autor, e este declarou aceitar a venda, a fracção autónoma identificada pela letra “G”, destinada à habitação, correspondente ao 2.º andar esquerdo, lado sul do bloco 1, do prédio sito na rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o n.º 29 da freguesia de Seixas, inscrito na respectiva matriz da freguesia de Seixas, sob o artigo 815, pelo preço de € 60.000,00 (art.º 8.º da p.i.); 6) O Autor remodelou a fracção descrita em 3 e equipou-o, além do mais, com ar condicionado, uma placa de fogão e um forno (art.º 9.º da p.i.); 7) Através de testamento outorgado em 02/02/2011 no Cartório Notarial de Vila Nova de Cerveira, exarado a fls. 17 a fls. 17 e verso do Livro de Notas para Testamentos Públicos e Escrituras de Revogação de Testamentos número cinco-T, daquele Cartório, junto a fls. 15-16, o Autor declarou legar à Ré a fracção autónoma designada pela letra “G” destinada à habitação, correspondente ao 2.º andar esquerdo, lado sul do bloco 1, do prédio urbano sito na rua ..., inscrito na respectiva matriz da freguesia de Seixas, sob o artigo 815, o prédio rústico sito no lugar da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Valença sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo 1984, a sepultura que possuiu no cemitério da freguesia de ..., concelho de Valença e dos veículos automóveis que possuísse à data da morte, o que tivesse a matrícula mais recente (art.º 12.º da p.i.); 8) Em 16/01/2012, através da escritura junta a fls. 16 v.º-17 v.º, o Autor revogou o testamento referido em 7) (art.º 15.º da p.i.); 9) Através de testamento outorgado em 23/01/2012 no Cartório Notarial de ..., exarado a fls. 80 a 81 do Livro de Notas para Testamentos Públicos e Escrituras de Revogação de Testamentos número nove-T, daquele Cartório, junto a fls. 18-19, o Autor declarou legar à Ré um prédio urbano no lugar da ..., concelho de ..., composto de casa de habitação e logradouro, inscrito na matriz sob o art.º 613, um prédio rústico sito no lugar da ..., concelho de ..., composto de terreno de cultura inscrito na matriz sob o artigo 1983, um prédio rústico sito no lugar da ..., composto de terreno de cultura inscrito na matriz sob o artigo 1984, o veículo automóvel, marca Renault, modelo Clio, ligeiro de passageiros, com a matrícula ...-EN-... e a sepultura da família de que é proprietário no Cemitério da freguesia de ..., concelho de ... (art.º 18.º da p.i.); 10) No dia 27/01/2012, o Autor, como primeiro outorgante, e a Ré, como segunda outorgante, celebraram o contrato de compra e venda com termo de autenticação de fls. 21 v.º-22 v.º no qual aquele disse, além do mais, “que, pelo preço de sessenta mil euros, que já recebeu, vende à segunda outorgante” (…) a “fracção autónoma designada pela letra “G”, destinada à habitação, correspondente ao 2.º andar esquerdo, lado sul do bloco 1, localizada no prédio sito na rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o n.º 29 daquela freguesia, afecto ao regime de propriedade de horizontal “ (…), “inscrita na matriz sob o artigo 815 G, com o valor patrimonial tributário de 22.520,00 € e atribuído de sessenta mil euros” e esta disse “que aceita o presente contrato, e que o prédio ora adquirido se destina a sua habitação própria e permanente.” (art.º 22.º da p.i.); 11) Após a outorga do contrato de compra e venda referido em 10), a Ré continuou a trabalhar para o Autor (art.º 27.º da contestação); 12) O Autor não recebeu o preço da venda realizada através do contrato descrito em 10) (art.ºs 24.º, 44.º e 50.º da p.i.); 13) Em 16/05/2012, através da escritura junta a fls. 26 v.º-27 v.º, revogou o testamento referido em 9) (art.º 36.º da p.i.); 14) Em Maio de 2012, a Ré foi residir com as suas filhas para a fracção autónoma descrita em 10) (art.º 42.º da p.i. e art.º 44.º da contestação); 15) A Ré não tinha dinheiro para adquirir a fracção autónoma descrita em 10) (art.º 45.º da p.i. e art.º 24.º da contestação); 16) O imposto de selo de € 480 devido pela transacção referida em 10) foi liquidado (art.ºs 25.º e 54.º da p.i.); 17) Enquanto residiu com as suas filhas em casa do Autor, a Ré nunca recebeu qualquer quantia pelo trabalho prestado, mas o Autor suportava todas as despesas (de vestuário, calçado e alimentação) da Ré e das suas duas filhas (art.º 25.º da contestação).
Factos não provados Não resultaram provados outros factos com relevância para a boa decisão da causa, designadamente que: a)- A fracção descrita em 10) era usada e estava bastante degradada e o Autor equipou-a com um exaustor marca “Airlux AGMT 62 IX”, uma máquina de lavar roupa marca “Beko WMD15065D”, um plasma, uma mesa de sala de jantar com 4 cadeiras, uma cristaleira e um jogo de sofás em tecido e mobilou os quartos (art.º 9.º da p.i.); b)- O Autor gastou € 7.000 nas mobílias, máquinas e ar condicionado referidos em 6) e a) (art.ºs 9.º e 53.º da p.i.); c)- Com as remodelações, a fracção ficou com o valor para cima de € 80.000,00, montante que o Autor receberia se a vendesse no mercado (art.ºs 10.º, 51.º e 52.º da p.i.); d)- Logo no final das remodelações ou ainda no decurso das mesmas, a Ré propôs ao Autor que se ele quisesse nunca mais deixava de ser sua empregada e o trataria até ao final da vida, mas para assumir isso teria de lhe fazer um testamento do apartamento de ... e das propriedades que tinha em ... (art.º 11.º da p.i.); e)- O Autor outorgou o testamento referido em 7) porque a Ré lhe fez a proposta descrita em d); f)- Passado quase um ano de ser instituída legatária no testamento referido em 7), a Ré começou a dizer ao Autor que o testamento não lhe dava segurança já que o filho quando ele falecesse era herdeiro e podia-lhe tirar quase tudo e também o apartamento e por isso tinha de lhe BCMN fazer uma escritura de compra e venda pelo menos do apartamento, mas que ela não pagava nada - era como fosse uma doação por o cuidar até ao fim da vida, dizia ela ré (art.º 13.º da p.i.); g)- O Autor ficou de pensar no assunto e a Ré mostrava-se muito atenciosa e tratava o Autor com toda a atenção e para melhor o convencer, em conversa que fosse possível, a “talhe de foice”, ia-lhe sempre dizendo que o filho não queria saber...
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