Acórdão nº 753/16.4TBLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução10 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.753/16.4T8LSB.L1.S1 R-647[1] Revista Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e mulher, BB, instauraram, em 11.1.2016, na Comarca de Lisboa, Lisboa – Inst. Central -1ª Secção Cível – J2, acção declarativa, com processo comum, contra o réu: Banco CC, S.A.

Pedindo a condenação deste a pagar-lhes a quantia de € 52.481,99, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre € 50.000,00, desde a citação e até integral e efectivo pagamento.

Alegam, em síntese, que o DD, repetindo uma operação de 2004, em 2006, lançou uma operação de emissão de obrigações subordinadas ..., a 10 anos, cujos valores captados serviram para reforçar os rácios de capital do DD.

Foram dadas instruções aos funcionários para não ser entregue aos clientes a nota informativa do produto e para ser vendido como um sucedâneo de um depósito a prazo.

Os autores acreditaram tratar-se de investimento seguro, 100% garantido e, em 12.04.2006, o autor marido subscreveu o boletim de subscrição de uma obrigação ..., no valor de € 50 000, pensando tratar-se de uma variante de depósito a prazo mas melhor remunerado.

Os funcionários do banco informaram que se tratava de produto sem qualquer risco, que o banco garantia o retorno dos valores em causa e que os podiam resgatar em qualquer altura, o que convenceu os autores.

Aos autores não foi dito, nem sabiam, que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de 08.05.2016; se o soubessem, não teriam subscrito o produto, o que era do conhecimento dos funcionários do banco.

Os valores mobiliários em causa não estavam à data depositados em qualquer conta de valores mobiliários escriturais do DD ou da ...

O DD não forneceu informação sobre a relação que tinha com a ….

Citado, o réu contestou, invocando a excepção de prescrição do direito dos autores, ao abrigo do art. 324º do CVM, dizendo que eles tiveram conhecimento da alegada subscrição abusiva desde o início de 2009.

Mais invocou que o autor marido subscreveu uma Obrigação …, tendo perfeito conhecimento do produto e causa, tendo-lhe sido explicada a sua natureza, condições de remuneração, reembolso e liquidez; sabia que não estava a contratar um depósito a prazo ou sequer um produto equivalente.

Foi informado ao autor que a única forma de obter liquidez, antes do prazo de 10 anos, seria através de cedência das obrigações a um terceiro.

O autor recebeu sempre o extracto mensal no qual figuram as obrigações na sua carteira de títulos e recebeu os cupões de juros e nunca efectuou qualquer reclamação.

Convidados para o efeito, os autores responderam às excepções.

Em audiência prévia relegou-se para a decisão final o conhecimento da excepção de prescrição, foram enunciados o objecto do litígio e os temas de prova.

*** Foi proferida sentença com o seguinte teor na sua parte decisória: “Em face do exposto, julga-se a acção improcedente e, em consequência, absolve-se o réu do pedido.” *** Inconformados, recorreram os autores, para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 19.9.2017 – fls. 363 a 391 –, julgou procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e condenando o Réu a pagar aos apelantes a quantia peticionada.

*** Inconformado, o Banco recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 3645, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do Código Civil.

  1. A alteração da resposta à matéria de facto, no que toca à alínea j), significa que a douta decisão recorrida considerou provada uma garantia com recurso meramente a prova testemunhal.

  2. O sentido dessa alínea j) remete-nos, aparentemente, para uma fiança.

  3. Tratando-se de uma fiança, estaria a mesma sujeita à mesma forma exigida para a obrigação principal, nos termos do art. 628º do Código Civil.

  4. No caso, vale o disposto no art. 327º do Código dos Valores Mobiliários que prescreve que as ordens de subscrição podem ser dadas oralmente ou por escrito, sendo certo que as dadas oralmente devem ser reduzidas a escrito e se forem presenciais, devem ser subscritas pelo ordenador.

  5. Da conjugação de ambas as disposições parece-nos manifesto que a garantia, para ser válida, teria necessariamente que constar do documento de subscrição, ou, no pior dos cenários, do prospecto da emissão ou outra documentação de suporte à mesma – fosse como fosse, teria de assumir a forma escrita.

  6. Ao decidir como decidiu, preterindo a aplicação do disposto no referido art. 364º do Código Civil, o Tribunal a quo violou normas de direito probatório material, inquinando a decisão proferida de ilegalidade.

  7. Merece, também por esta razão, reparo a decisão em crise, devendo ser reparada quanto à matéria do facto não provado j), que deve manter-se como não provado (tal qual sustentado pela 1ª Instância e contrariamente à alteração feita pela Relação na decisão aqui sob recurso).

  8. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto de o Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma aplicação SEGURA semelhante a um depósito a prazo, configura a prestação de uma informação falsa.

  9. Porém, tal afirmação do funcionário do Banco Réu não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

  10. De facto, o uso de uma tal expressão apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.

  11. É utópico pretender ver nesta singela referência qualquer espécie de garantia absoluta de investimento. Até porque essa garantia não existe! 13. O investimento efectuado era um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.

  12. Temos para nós por evidente que, à data da subscrição das Obrigações, o Intermediário Financeiro não tinha obrigação legal de informar o investidor sobre os riscos do instrumento financeiro subscrito (Obrigações) e que, mesmo actualmente (depois de entrar em vigor o D.L. 357-A/2007 de 31/10), o intermediário financeiro não está obrigado a informar o investidor acerca dos efeitos do risco de insolvência dos emitentes ou do mero risco de não retorno do capital investido na data de maturidade do investimento, ou sequer de analisar a robustez financeira do emitente.

  13. A putativa falta de entrega ao Recorrido da nota informativa não constitui qualquer falta ou irregularidade por parte do Recorrente. De facto, em lado algum o CdVM (na redacção anterior a 01/11/2007 e mesmo na redacção actual) exige a entrega desses elementos! 16. O que o CdVM exige é que seja prestada a informação, o que foi feito, como acabamos de ver e resulta da matéria de facto provada sob os pontos 10º, 11º e 14º.

  14. Cumprido o dever de informação, e porque o diálogo e processo negocial é dinâmico, não estava o funcionário do Banco Réu impedido de – em boa fé acrescentar ao seu argumentário o seu juízo pessoal sobre a segurança do produto… 18. A recomendação do funcionário do Banco Réu e juízo de valor acerca da segurança do produto não constitui qualquer violação do dever de informação que impendia sobre o intermediário financeiro, em 2006, no que toca ao esclarecimento quanto ao risco da subscrição do produto “Obrigações”.

  15. Quer o art. 314º do CdVM, quer os arts 798º e 799º do Código Civil estabelecem unicamente presunções de culpa dos devedores, como aliás decorre do próprio texto legal dos referidos preceitos.

  16. Fica por isso, e nos termos do art. 342º do Código Civil, a cargo dos credores/autores alegar e provar a ilicitude que serve de esteio à pretensão que trazem a juízo! 21. Mesmo que se defendesse (juntamente com alguma doutrina) a existência de uma presunção de ilicitude, sempre diremos que essa presunção apenas poderá existir no caso de incumprimento dos deveres principais do contrato, mas já não assim no caso de incumprimento de deveres acessórios, como é o caso do dever de informação no contrato de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

  17. No caso dos deveres acessórios, a ilicitude não pode surgir por automatismo, porque esse dever não se insere na prestação principal do contrato, porventura até realizada pelo devedor.

  18. É que a origem dos deveres acessórios não radica no contrato, mas sim no princípio da boa fé na execução dos contratos, previsto no art. 762º nº2 do Código Civil.

  19. E, uma vez que o dever acessório é decorrência deste princípio, que orbita em torno da obrigação principal, é necessário que o credor alegue e prove não só a existência desse dever acessório (como fonte de responsabilidade) como, sobretudo, o seu não cumprimento, pois a maioria das vezes não se pode socorrer da evidência da falta de resultado prefigurado (a prestação principal inserta no contrato) para implicar o raciocínio lógico-dedutivo da afirmação da licitude! 25. Assim, a violação do dever de informação no contrato de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens não implica qualquer (inexistente!) presunção de ilicitude.

  20. E, portanto, tinha que ser o Autor a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu estava obrigado a lhe ter dado, que não deu! 27. Sucede que, tal matéria não consta da matéria de facto provada, precisamente porque o Autor se demitiu de a alegar… 28. E, não o tendo feito, tem a presente acção necessariamente que claudicar! 29. Em lado algum do CdVM se levou tão longe a obrigação do intermediário financeiro e se lhe impôs a obrigação de se assegurar que o investidor compreendeu a informação que lhe foi prestada! 30. O art. 312º-A nº1 alínea c) obriga...

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