Acórdão nº 17/14.8T8FAR.E1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelROSA RIBEIRO COELHO
Data da Resolução05 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I – Requerida pelo Magistrado do Ministério Público a instauração de processo judicial de promoção e proteção a favor de AA, nascido em 05.03.2007, foi determinada, pelo despacho de fls. 54 a 60, a medida provisória de acolhimento, em execução da qual o mesmo se encontra acolhido, desde 28.11.2014, no Refúgio BB.

Em 15.12.2014 foi aplicada à criança e a sua irmã, nascida em 03.10.2003, a medida de acolhimento institucional (fls. 133 a 135), por ter havido acordo de promoção e protecção nesse sentido.

Tal medida foi sendo objecto de revisão[1] e, em 23.1.2017, o Ministério Público requereu, ao abrigo do disposto nos artigos 62º, nºs 2 e 3, al. d)[2] e 35º, nº 1, al. g) da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro (LPCJP), que a mesma fosse substituída pela medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, ficando AA colocado na instituição onde se encontra acolhido.

Fundou-se, essencialmente em que: - Os progenitores não manifestam capacidade de mudança, não reconhecem fragilidades no que respeita à gestão da vida do filho, cingindo tudo a um único fator: condições de habitação.

- Os progenitores tiveram toda uma vida - anos a fio - para se organizarem e nunca conseguiram mudar.

- Dados os anos que o processo já leva, os pais esgotaram as oportunidades que lhes foram dadas - sempre dadas aos pais contra a criança, porquanto não são as crianças que têm de ser colocadas em espera para os pais se organizarem.

- Os progenitores não se conseguiram estruturar e organizar de modo a criarem as condições para reintegrar este filho, não conseguiram criar um ambiente minimamente parecido com a família onde a criança possa crescer em harmonia e proteção.

- O agregado já foi intervencionado durante anos, tanto quanto podia sê-lo continuando os progenitores a não revelar competências parentais, bem como motivação e disponibilidade pessoal para aceitar as mudanças que assegurem a segurança, educação, saúde, formação, conforto e desenvolvimento do AA e da irmã.

- Inexiste família nuclear ou alargada capaz de garantir um projeto de vida para a criança.

- Os progenitores manifestam reiterada incapacidade para cuidar dos filhos, e deste em particular, e se o mesmo lhes fosse entregue veria em perigo grave a sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento.

- Nunca os progenitores foram capazes de criar os laços próprios da parentalidade, reproduzindo em movimento perpétuo um clima tóxico, agressivo, violento e desleixado, exterminador da criação de laços geradores de afetos estruturados e saudáveis.

Após alegações apresentadas por ambos os progenitores, realizou-se o debate judicial a que alude o artigo 114º, nº 3, da LPCJP, onde, além do mais, se procedeu à audição da criança AA e dos seus progenitores e irmãs CC e DD.

Seguidamente proferiu-se decisão cujo dispositivo tem o seguinte teor: «Pelo exposto, por unanimidade, acordam os juízes que compõem este Tribunal em: 1. Rever a medida provisória de acolhimento residencial e aplicar a favor da criança AA, a medida de promoção de confiança a instituição com vista à sua futura adoção, ficando a mesma colocada sob a guarda do Refúgio BB, em F….

  1. O decretamento da medida suprarreferida tem como um dos seus efeitos a inibição do exercício das responsabilidades parentais dos progenitores, pelo que deverá após trânsito ser remetida certidão da sentença à Conservatória do Registo Civil para efeitos de averbamento ao assento de nascimento das crianças - artigo 1978°-A do Código Civil.

  2. Nos termos e para os efeitos do artigo 62º-A, nºs 3 e 5 da Lei n.º 147/99 de 1 de setembro, nomeia-se curadora provisória da criança a Sr.ª Dr.ª EE do Refugio BB, em F….

  3. Em consequência do decidido e atento o disposto no artigo 62°-A, n° 6 da LPPJCP não há lugar a visitas por parte da família natural, devendo a instituição suspender esses contactos de imediato.

  4. Remeta cópia da decisão à técnica gestora informando não ter, ainda, a decisão transitado em julgado.  6. Oportunamente envie cópia da presente decisão ao Refúgio BB, à segurança social (equipa de adoções), com informação que a decisão, ainda, não transitou em julgado.

  5. Registe e notifique entregando cópia da sentença às ilustres causídicas e aos progenitores.

  6. Notifique os progenitores e a criança, nas pessoas das suas ilustres advogada/patrona, da possibilidade legal de interporem recurso de apelação com efeito suspensivo da presente decisão, no prazo de dez dias (art° 122º-A da LPPCJP) 9. Fixa-se à presente ação o valor de € 30.000,01 (artigo 303.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).» Contra esta decisão apelaram os progenitores, vindo o Tribunal da Relação de … a proferir acórdão que julgou o recurso improcedente.

    De novo inconformados, os progenitores apresentaram o presente recurso de revista excepcional, admitido por acórdão da Formação a que alude o art. 672º, nº 3 do CPC, tendo apresentado alegações onde, pedindo a revogação do acórdão, formulam as conclusões que passamos a transcrever: I) Os recorrentes não concordaram com a decisão proferida pelo TR…, a qual é ilegal e de manifesta injustiça, porquanto ao aplicar a favor da criança, a medida de promoção de confiança à Instituição com vista à sua futura adopção, ficando a mesma à guarda do Refugio BB, não respeitou os princípios aplicáveis de proporcionalidade e necessidade e ainda de actualidade e da adequação, nem respeitou, como devia, os interesses do menor.

    II) Não obstante o previsto no art.° 988° n.° 2 do C.P.C., in casu é admissível recurso para esta instância recursiva - STJ - porquanto o presente recurso debruçar-se-á na aplicação da lei estrita, uma vez que entendem os Recorrentes que a decisão que ora se recorre violou critérios de legalidade.

    III) Tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça e, portanto, deste recurso, a apreciação da respectiva verificação, razão pela qual é admissível o presente recurso, o qual é excepcional, encontrando acolhimento na alínea a) e b) do art.° 672° do C.P.C., conforme de seguida se fundamenta.

    IV) Ocorrendo a dupla conformidade de decisões, o recurso fica, em regra, vedado, salvo se o requerente da impugnação demonstrar, com êxito, concorrer alguma das três excepções ou pressupostos acolhidos pelas alíneas a), b) e c) do n.° 1 do art. 672°., in casu os progenitores recorrem nos termos do disposto das alíneas a) e b) -relevância jurídica e social, respetivamente.

    V) Para efeitos da melhor aplicação do direito e sua clara necessidade, a relevância jurídica será de considerar quando a solução da questão postule análise profunda da doutrina e da jurisprudência, em busca da obtenção de "um resultado que sirva de guia orientadora a quem tenha interesse jurídico ou profissional na sua resolução", havendo a necessidade de apreciação de "ser aferida pela repercussão do problema jurídico em causa e respetiva solução na sociedade em geral, para além daquela que sempre terá, em maior ou menor grau, nos interesses das partes no processo".

    VI) A medida de confiança a instituição com vista a futura adopção é sem sombra de dúvida uma questão que muito tem movimentado a doutrina e jurisprudência, e consequentemente tem gerado divergência de posições.

    VII) Trata-se de uma questão com contornos polémicos, difíceis e susceptíveis de interpretações tão divergentes que permitem considerá-la tão relevante que torna necessária uma intervenção deste Supremo Tribunal, para uma melhor aplicação do direito.

    VIII) No que concerne à determinação dos interesses de particular relevância social, (alínea b) vem sendo jurisprudência da mesma formação, preencher-se o requisito quando a questão suscitada tenha repercussão fora dos limites da causa por estar "relacionada com valores sócio-económicos importantes e exista o risco, por isso, de fazer perigar a eficácia do direito ou de se duvidar da capacidade das instâncias jurisdicionais para garantir a sua afirmação", em suma, quando estejam em causa interesses que assumam importância na estrutura e relacionamento social, podendo interferir, designadamente, com a tranquilidade e segurança relacionadas com o crédito das instituições e a aplicação do direito, ou ainda quando se trate de questão suscetível de afetar um número de pessoas, quanto à segurança jurídica do seu relacionamento com as instituições, havendo um interesse que ultrapasse significativamente os limites do caso concreto (acs. de 02/9/2014, procs. 391/08.5TBVPA.P1.S1;10731/10.1TBVNG.P2.S1).

    IX) In casu, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção além de se considerar uma temática bastante discutida na doutrina e na jurisprudência e com posições antagónicas, trata-se, igualmente, de uma questão que poderá interferir com a tranquilidade, a segurança ou a paz social, em termos de haver a possibilidade de descredebilizar as instituições ou o direito.

    X) Trata-se de situações em que, nomeadamente, fique posta em causa a eficácia do direito e a sua credibilidade por se tratar de casos em que há um invulgar impacto na situação da vida que a norma ou normas jurídicas em apreço visem regular, ou em que exista um interesse comunitário que, pela sua particular importância, pudesse levar, por si só, à admissão da revista por os interesses em jogo ultrapassarem significativamente os limites do caso concreto.

    XI) Não obstante o Tribunal da Relação haver confirmado a decisão da 1.

    a Instância sem voto de vencido, a questão equacionada nestes autos possui enorme relevância jurídica, que justifica, face à ausência de jurisprudência inequívoca sobre a matéria, e para uma melhor aplicação do direito, a necessidade da sua apreciação em sede de revista excepcional, nos termos da alínea a) do n.° 2 do art. 672.°do Código de Processo Civil.

    XII) Estão também manifestamente em causa interesses de particular...

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