Acórdão nº 5007/14.8TDLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução24 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 5007/14.8TDLSB, da Comarca de Lisboa – Instância Local, Secção Criminal – Juiz …, foi submetido a julgamento o arguido AA, divorciado, …, nascido a .... de 1958, natural da freguesia de ..., residente na Rua …, n.º …, Lisboa.

***** Pela peculiaridade do caso concreto, assentemos no específico devir processual, o que não é, de todo, anódino, em função do que, já mais à frente, por mor do que pela defesa invocado foi, se verá. Os presentes autos tiveram início com a “Participação de Notícia Crime”, datada de 24 de Junho de 2014, formulada pela Directora do Núcleo de Gestão da Dívida – Unidade de Identificação, Qualificação e Contribuições – do Centro Distrital de Lisboa, do Instituto da Segurança Social, I. P., por da análise efectuada pelos serviços competentes à situação contributiva do contribuinte BB - Artes Gráficas, Lda, resultar que o mesmo entregou às instituições de Segurança Social as declarações de remunerações dos trabalhadores ao seu serviço, não tendo liquidado, nos prazos legais, nem nos noventa dias posteriores, o valor total das cotizações, deduzidas ao valor das remunerações devidas aos respetivos trabalhadores, no período de Junho de 2006 a Novembro de 2009, ascendendo a 122.118,01 €.

Mais participou a predita entidade “que o referido contribuinte também não procedeu à liquidação das quantias em dívida no decurso do prazo de 30 dias após a notificação que lhe foi efectuada para cumprimento do disposto no n.º 4 – alínea b) do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, pelo que o comportamento do contribuinte indicia poder ser susceptível de integrar a prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido no art.º 107.º do RGIT”.

****** O inquérito foi realizado pelo Núcleo de Investigação Criminal – Serviço de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo do Departamento de Fiscalização do Instituto da Segurança Social, I. P.

–, procedendo a Exma.

instrutora nomeada, a inquirição de testemunhas, v. g.

, a fls. 162/3/4, fls. 179/180/1 e fls. 182/3/4, dirigindo pedidos de constituição de arguido e sujeição a TIR e notificação para comparência, a entidades policiais (ut fls. 188/9/190), e elaborando o parecer final, de fls. 191 a 199, tendo em conta a participação e o mapa de apuramento das cotizações elaborado pelo Núcleo de Gestão da Dívida do Centro Distrital de Lisboa do ISS, I.P.

, propondo o arquivamento quanto ao arguido CC, Pai do co-arguido AA, por este não ter sido notificado nos termos do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, e a dedução de acusação contra a sociedade BB - Artes Gráficas, Lda, e, cumulativamente, contra o seu responsável AA, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 107.º do RGIT e artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, e manifestando a intenção de deduzir pedido de indemnização cível contra os arguidos e a oportuna constituição como assistente.

No final, mais determinou o envio do processado para “Despacho Superior” e posterior remessa dos autos ao DIAP.

Como se vê de fls. 191, foi proferido despacho superior, concordando com a proposta constante do parecer elaborado pela predita instrutora, e foi ordenada a remessa do processo aos Serviços do Ministério Público competentes.

Remetido o processo ao DIAP de Lisboa, o Ministério Público deduziu acusação contra a sociedade BB - Artes Gráficas, Lda e o arguido AA, conforme fls. 205 a 211, do 1.º volume, imputando a prática de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 107.º, n.º 1, 105.º, n.º 1, n.º 4, alíneas a) e b), e n.º 5, e artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT) e artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal.

A anteceder a acusação, a fls. 202 a 204, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, relativamente ao arguido CC, Pai do co-arguido AA, por no período em causa, de Junho de 2006 a Novembro de 2009, não ter exercido funções efectivas de gestão da sociedade, limitando-se a ser gerente apenas de direito e não já de facto, não tendo qualquer domínio funcional para vincular a sociedade arguida, mormente, para incorrer e fazê-la incorrer na prática de crime de natureza fiscal.

No final consta: “Comunique ao Núcleo de Investigação Criminal do Departamento de Fiscalização da Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 50.º, n.º 2, do RGIT”.

O Instituto da Segurança Social, I. P., deduziu pedido de indemnização civil (PIC) em 11 de Dezembro de 2014, conforme consta de fls. 225 a 232, e em original, de fls. 236 a 243 do 1.º volume.

O arguido AA apresentou requerimento de abertura de instrução (RAI), nos termos de fls. 245 a 262, do volume 1.º, e, em original, de fls. 277 a 294, do volume 2.º.

Finda a instrução, foi elaborada decisão instrutória de pronúncia, datada de 24 de Fevereiro de 2015, sendo a arguida sociedade e o arguido AA pronunciados pelos factos e disposições legais referidos na acusação, cujo teor dá por integralmente reproduzido, como consta de fls. 335 a 344.

O arguido AA apresentou contestação à acusação e ao PIC, conforme consta de fls. 366 a 379.

Por despacho de 27 de Maio de 2015, fazendo fls. 391 a 399, foram indeferidas várias invalidades processuais suscitadas pelo arguido na referida contestação, tendo sido abordada a questão dos efeitos de declaração da insolvência da sociedade arguida, entendendo que não se pode dar por verificada a condição objectiva de punibilidade prevista no art.º 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, aplicável ex vi do disposto no n.º 2 do art.º 107.º do mesmo diploma, na medida em que estava legalmente vedado ao agente dar-lhe cumprimento e, assim, obstar à punibilidade da sua conduta, concluindo por declarar extinto o procedimento criminal contra a sociedade arguida, determinando o arquivamento dos autos quanto à mesma. Inconformado com esta decisão de arquivamento, o demandante Instituto de Segurança Social (ISS, I.P.) interpôs recurso, conforme fls. 406 a 420, e, em original, de fls. 421 a 435, “circunscrito à questão de direito”, tendo o seu âmbito objectivo a ver “com o facto de o Tribunal “a quo” ter julgado extinto o procedimento criminal deduzido contra a sociedade arguida, determinando o arquivamento dos autos”.

Tal recurso foi admitido por despacho de fls. 436, restrito “à vertente cível implícita do despacho de fls. 391 a 399 – art.º 403.º, n.º 1 e 2, alínea b), do Código de Processo Penal”, com efeito devolutivo, subindo imediatamente e nos próprios autos”. (SIC).

O arguido AA apresentou a resposta ao recurso do demandante, como consta de fls. 484 a 499, do volume 2.º, considerando que o Instituto da Segurança Social não tem legitimidade para se constituir assistente nos processos por abuso de confiança contra a segurança social e não ter qualquer legitimidade para recorrer da decisão sub judice.

Igualmente inconformado, o arguido AA em 6-07-2015, interpôs recurso em separado do despacho de fls. 391 a 399, apresentando a motivação de fls. 441 a 480 (2.º volume), que remata com 61 conclusões.

Tal recurso foi admitido por despacho proferido em 9-10-2015, a fls. 504/5, do volume 2.º, sendo atribuído efeito devolutivo, para “subir a final, conjuntamente com o recurso que venha a ser interposto da decisão que ponha termo à causa”.

De seguida, no mesmo despacho, o Exmo. Juiz, face ao recurso interposto pelo Instituto de Segurança Social, sustentou a decisão recorrida, e contrariando o expresso no despacho de fls. 436, no que toca ao tempo e ao modo de subida do recurso, ordenou a formação de apenso com peças que indicou e a remessa do mesmo ao Tribunal da Relação de Lisboa, o que foi cumprido com “Recurso Independente em Separado” com o n.º 5007/14.8TDLSB-A, como consta de fls. 509 e 510 do volume 2.º. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, nos termos de fls. 519 a 531, do volume 3.º, entendendo dever ser negado provimento ao mesmo e confirmada a decisão recorrida.

Por acórdão da 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Novembro de 2015, constante de fls. 99 a 106 do apenso “Recurso Independente em Separado”, foi negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente Instituto de Segurança Social, I.P, e mantida a decisão recorrida. ******* Realizado o julgamento em duas sessões, por sentença proferida em 4 de Fevereiro de 2016, constante de fls. 584 a 610, e depositada na mesma data, conforme declaração de depósito de fls. 612, o arguido AA foi condenado pela prática, em autoria material e sob a forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelo artigo 107.º, n.º 1, do RGIT, na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos).

Foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência, condenado o demandado AA a pagar ao Instituto de Segurança Social, I.P., a quantia de 121.130,82 €, relativos a contribuições deduzidas a trabalhadores e gerentes reportadas aos meses de Junho de 2006 a Novembro de 2009, acrescida de juros já vencidos sobre tais quantias e contados desde as datas de vencimento de cada uma, bem como nos vincendos, à taxa prevista no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, até integral pagamento.

A anteceder a apreciação da acusação e pedido cível, foram apreciadas excepções invocadas no início da audiência de julgamento, sendo indeferido o pedido de extinção da responsabilidade criminal, indeferida a excepção de ilegitimidade processual no plano da instância cível conexa, por preterição superveniente de litisconsórcio necessário, decorrente da absolvição da instância da sociedade BB, Lda. – cfr. fls. 586/7 – e decidindo-se não tomar conhecimento da questão da competência material do tribunal...

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