Acórdão nº 199/11.0BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução07 de Junho de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I – Relatório O Município de Lisboa, inconformado com a sentença proferida do Tribunal Tributário de Lisboa que, julgando procedente a acção administrativa especial contra si instaurada pela Santa Casa da Misericórdia .....

, anulou o acto impugnado [despacho da Directora Municipal de Finanças, datado de 21-12-20104, que indeferiu o pedido de reconhecimento do direito à isenção de taxas urbanísticas relativas a obra de construção e ocupação da via pública] e condenou a Entidade Demandada a reconhecer à Autora a isenção das taxas urbanísticas em causa no âmbito dos processos de licenciamento nº...../2008 e ...../2009 e processo de ocupação da via pública n°...../2009, apresentou o presente recurso jurisdicional.

Tendo alegado, formulou, a final, as seguintes conclusões: I - Julgou o tribunal a quo na douta sentença de que ora se recorre, totalmente procedente por provada a presente acção administrativa especial interposta pela Santa Casa da Misericórdia ..... contra o Município ..... e, em conformidade, condenando o R a reconhecer à autora a isenção das taxas urbanísticas em causa no procedimento.

II - O ora Recorrente não se conforma e repudia o teor e fundamentos da douta sentença.

III - O Decreto-Lei n°40397 de 24 de Novembro de 1955 que determinava que a Misericórdia ..... gozava de isenção de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou corpos administrativos foi expressamente revogado há 20 anos pelo Decreto - Lei n°322/91 de 26 de Agosto que aprovou os então novos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia.

IV - Aquela norma de isenção foi porém mantida em vigor por força do artigo 34° daquele Decreto-Lei n°322/91, que estabelecia que "Mantêm-se, a favor da Misericórdia ....., todas as isenções que lhe foram conferidas por lei.".

V - Posteriormente, o Decreto-Lei n°235/2008 de 3 de Dezembro que entrou em vigor em 2 de Janeiro de 2009, veio aprovar os novos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia, tendo no seu artigo 4°, e sem qualquer ressalva, procedido à expressa revogação do Decreto-Lei n° 322/91.

VI - Tal revogação expressa não deixa qualquer dúvida quanto ao desaparecimento do ordenamento jurídico da isenção ora invocada pela A que apenas mantinha a sua vigência enquanto estivesse em vigor o artigo 34° do Decreto-lei n°322/91.

VII - Logo, desde a entrada em vigor do Decreto-lei n°235/2008, as isenções de taxas municipais para a A. passaram a ser exclusivamente apreciadas no âmbito e de acordo com as disposições regulamentares municipais aplicáveis às taxas municipais em causa.

VIII - A sentença recorrida sufragou uma interpretação diversa que o Recorrido repudia e contrária, invocando a alteração constitucional de 2001 e a sucessão de diplomas legais em especial a nova LFL e o RGTAL que em 2007 vieram concretizar o princípio da autonomia financeira das autarquias na sua vertente de atribuição de poderes tributários às autarquias consagrado no n°4 do artigo 238° da CRP.

IX - Com efeito e contrariamente ao que o tribunal a quo defende, ao legislador ordinário, por força daquele n°4 do artigo 238° da CRP e dos diplomas legais que lhe vieram dar execução, encontra-se vedada a atribuição de isenções de taxas municipais criadas pelos municípios.

X - Tal impossibilidade é aliás também, em parte, defendida por SÉRGIO VASQUES na sua obra citada na douta sentença, Regime das Taxas Locais - Introdução e Comentário, 2008, Almedina, na média em que "O que sempre se haverá de exigir do legislador, naturalmente, e porque o princípio da equivalência não se fundamenta simplesmente no RTL mas representa uma projecção do princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13° da Constituição da República, é que também estas isenções estabelecidas por lei se mostrem necessárias, adequadas e proporcionadas em face dos objectivos extrafiscais que estejam em causa, um exame que deve ser feito com especial rigor sempre que revistam carácter subjectivo.".

XI - E mesmo defendendo uma interpretação restritiva do princípio da autonomia financeira das autarquias com faz o tribunal a quo e o supra citado autor, não poderá ainda assim, deixar-se de aceitar a limitação imposta pelo princípio da igualdade tributária também constitucionalmente consagrado, em especial, tratando-se de isenções subjectivas como nos lembra o ilustre autor e como é o caso da isenção sub iudice.

XII - A interpretação defendida pelo ilustre Professor SALDANHA SANCHES vai também no sentido do entendimento de que os poderes tributários das autarquias se lhes encontram reservados por via da articulação do disposto no n°4 do artigo 238° da CRP e da previsão legal dos mesmos na LFL e no RGTAL, ao dizer-nos que" No sistema constitucional português, os municípios dispõem de uma estrutura organizativa que conduz a uma larga autonomia em matéria financeira. Uma autonomia que inclui o exercício de poderes tributários: como escreve SÉRVULO CORREIA. A "administração autárquica possui uma legitimação democrático-representativa que não seria compatível com uma simples actividade de execução da lei". De onde conclui que o princípio da autonomia administrativa, traduzida numa autónoma normação autárquica, se encontra numa relação não de contradição, mas antes de integração do princípio da legalidade". Essa integração passou a ser feita, depois da última revisão constitucional mediante a interacção entre os n.°s 3 e 4 do artigo 238º da Constituição e a legislação ordinária. "O nº4 do artigo 238°, introduzido na última revisão constitucional prevê a atribuição aos municípios, na aplicação de princípios como os que acima formulamos, de poderes tributários sem qua/quer restrição de ordem material: ainda que sob a condição de uma formulação específica do conteúdo desses poderes por lei.

XIII - No âmbito do seu poder tributário e das competências que lhe foram constitucional e legalmente atribuídas, o Município ....., através de deliberação da Assembleia Municipal, aprovou o Regulamento Municipal de Taxas Relacionadas com a Actividade Urbanística e Operações Conexas (publicado no DR – 2ª Série, n°129 de 7 de Julho de 2009), atribui de forma geral e abstracta, isenções, conforme se encontra previsto no RGTAL, aplicáveis a todas as entidades que, à semelhança da Recorrida, sejam "... associações públicas, pessoas colectivas de utilidade pública, instituições particulares de solidariedade social ou outras associações sem fins lucrativos, que prossigam fins culturais, sociais, religiosos, desportivos ou recreativos" XIV - Atribuindo assim uma isenção de carácter subjectivo mas cujos potenciais sujeitos passivos são abstractamente descritos, não se permitindo assim a verificação de desigualdades na atribuição de isenções tributárias que claramente tem lugar com a aplicação da alínea a) do artigo 13° do Decreto-Lei n°40397.

XV - As entidades previstas no artigo 6° n°1 daquele Regulamento, beneficiavam de uma redução de 30% do valor das taxas urbanísticas ali previstas, não se vislumbrando qualquer justificação para que a Recorrida beneficie de uma isenção total das mesmas taxas quanto às quais, v.g., a Igreja Católica, apenas beneficie de 30% de redução, antes se lobrigando a verificação da violação do princípio da igualdade que resulta da interpretação restrita do princípio da autonomia financeira das autarquias contido no artigo 238° da CRP, ao defender-se a manutenção e determinar a sua aplicação da norma legal de 1955.

XVI - Assim, sob pena de violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado e do princípio da autonomia financeira das autarquias, não é constitucional e legalmente defensável que a A. beneficie de uma isenção total de taxas municipais quanto às quais outras entidades que prossigam fins estatutários idênticos e tão meritórios quanto os seus, apenas beneficiem de uma redução de 30%.

XVII - Invoca também a douta sentença que, estando-se perante a Misericórdia ..... que, em especial na área do município .....,"(...)tem como fins a realização da melhoria do bem -estar das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos, abrangendo as prestações de acção social, saúde, educação e ensino, cultura e promoção da qualidade de vida, de acordo com a tradição cristã e obras de misericórdia do seu compromisso originário e da sua secular actuação em prol da comunidade, bem como a promoção, apoio e realização de actividades que visem a inovação, a qualidade e a segurança na prestação de serviços e, ainda, o desenvolvimento de iniciativas no âmbito da economia" (Cf artigos 3° e 4° dos Estatutos aprovados pelo Decreto-Lei n°235/2008), os interesses que prossegue transcendem o âmbito das autarquias locais.

XVIII - O Município ....., que também exerce as suas atribuições e competências, obviamente na área do município ....., à semelhança dos restantes municípios do país, tem atribuições previstas no artigo 13° da Lei n°159/99, de 14 de Setembro, das quais se realçam as nos domínios da educação, património, cultura e ciência, tempos livres e desporto, saúde, acção social, habitação, protecção civil, ambiente e saneamento básico, atribuições estas que lhe determinam que prossiga e proteja, afinal os mesmos interesses que o legislador pretendeu que a Recorrida também prosseguisse.

XIX - Logo, não se poderá concluir que os interesses que a Misericórdia ..... prossegue transcendem o âmbito das autarquias locais, porquanto estas os prosseguem também.

XX - Sendo muito meritórios os interesses prosseguidos e protegidos pela Misericórdia ..... e indiscutível o seu papel na sociedade, esta não é a única entidade que os prossegue, e nessa esteira, o Município ..... atribui a isenção geral e abstracta supra referida, entre cujos destinatários se encontra a Recorrida entre outras entidades que prossigam fins igualmente meritórios no estrito cumprimento do princípio da igualdade tributária que, conforme acima descrito não é respeitado pela alínea a) do artigo 13° do Decreto-Lei n°40397.

XXI - Conforme nos diz Jorge Miranda "a superveniência da...

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