Acórdão nº 00782/10.1BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 20 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução20 de Novembro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO.

MUNICÍPIO DE C..., inconformado, interpôs recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em 12 de fevereiro de 2013, que julgou procedente a ação administrativa comum, com processo na forma ordinária, que contra si foi instaurada por B... – Sociedade de Obras Públicas e Privadas, Ld.ª, com sede na Estrada da Cidreira, Porto Santiago, condenando o Recorrente no pagamento da quantia total de € 70.093,68, acrescida de juros vincendos até integral e efetivo pagamento, referente ao valor das faturas emitidas pela ora Recorrida no âmbito do contrato de empreitada de obras públicas celebrado entre ambos.

*O RECORRENTE apresentou alegações e formulou as seguintes CONCLUSÕES que aqui se enunciam: “

  1. No presente recurso, suscitam-se as seguintes questões: a) ampliação da matéria de facto relativamente à questão da legitimidade da A. para exigir o pagamento; b) legitimidade substantiva da A.

    1. existência da excepção de não cumprimento do contrato.

  2. Face ao pedido formulado pela A. – condenação do R. a pagar as facturas vencidas – direito esse que é independente da existência ou não de resolução do contrato de empreitada, e não pressupõe esta resolução, apenas se discute se há mora do Réu e se existe qualquer cláusula que lhe permite não proceder ao pagamento das facturas vencidas.

  3. Na sua contestação, o ora recorrente, nos artigos 49º. a 51º., alega que “nunca a A. poderia rescindir o contrato de empreitada com fundamento em eventual falta de pagamento, pois, como consta de todas as suas facturas, a A. cedeu os seus créditos relativos a todas as facturas à T... Crédito Especializado, Instituição Financeira e de Crédito, S.A.

    , com sede em Lisboa”, D) Por não ser o titular do direito resultante de qualquer eventual atraso nos pagamentos, a A. não tem legitimidade substantiva para exigir judicialmente o referido pagamento, sendo certo que o facto referido da cedência dos créditos consta dos documentos 8, 9, 10, 13, 18, 19 e 20 juntos pela A. com a petição inicial, mediante a aposição de um carimbo nessas facturas.

  4. Esse facto, alegado na contestação, não foi impugnado na réplica, nem se mostra contrariado por quaisquer outros factos alegados ou impugnados pela A., pelo que, nos termos do artº. 505º. do Cod. Proc. Civil, esse facto se tem admitido por acordo.

  5. Deve aditar-se mais uma alínea aos factos assentes com a seguinte redacção: “a A. cedeu os seus créditos relativo a todas as facturas reclamadas nos autos à T... Crédito Especializado, Instituição Financeira e de Crédito, S.A.

    , com sede em Lisboa.” G) Como se alcança do facto referido na conclusão anterior, a A. já não era titular dos créditos, pelos quais veio pedir a condenação da R., pois os cedera a uma instituição de crédito e tal resulta evidente dos documentos que ela própria juntou.

  6. O Tribunal considerou que o problema não se colocava, porque no “caso da cessão de créditos no âmbito de um contrato de factoring, tal direito de resolução não é susceptível de exercício pelo factor, o que retiraria, totalmente, utilidade à previsão legal, ao que acresce a impossibilidade para o Réu, de ignorar neste especial caso de cessão de créditos, as facturas não pagas são devolvidas ao cedente, que está obrigado a restituição do respectivo valor à instituição financeira, acrescido de juros e demais encargos”.

  7. Estamos perante um caso que seria um excesso de pronúncia, pois o que está pedido não é que seja declarada a validade da resolução, mas apenas e tão só perante um pedido de condenação do Réu a pagar as facturas e perante tal pedido coloca-se a questão de quem pode exigir esse pagamento, se a empresa de factoring, se o credor originário.

  8. Apenas se sabe nos autos que houve a cessão de créditos ocorreu, ignorando-se em que termos, sendo certo que a cessão de créditos produz efeitos em relação ao devedor, nos termos do artº. 583º., nº. 1 do Cod. Civil, pelo que se o devedor pagar ao credor inicial, paga mal, pois paga a quem não tem legitimidade para a receber, pois agora credor é a empresa de factoring, a quem o crédito foi cedido com conhecimento do devedor.

  9. A sentença recorrida decide, sem qualquer suporte fáctico, que o contrato de factoring não confere ao factor o direito de pedir a resolução – que já vimos não estar em causa -, mas sem suporte fáctico, pois não está junto o contrato de factoring e considera que a A. pode reclamar os créditos, porque as facturas, não tendo sido pagas, foram devolvidas à A.

  10. Desde logo, não está junto contrato de factoring para saber os efeitos inter partes da cessão de créditos e a A. não alegou e consequentemente não provou essa devolução, bem como os respectivos encargos adicionais.

  11. Deste modo, dado que ocorreu uma cessão de créditos que o Réu revela conhecer, só é liberatório o pagamento feito ao credor cessionário, não o sendo o pagamento feito ao credor cedente, pelo que tem de improceder a acção, pois a A. não demonstrou ser a titular dos créditos cujo pagamento veio exigir, devendo o R. ser absolvido do pedido, sem prejuízo deem outra acção e ao abrigo do disposto no artº. 673º. do Cod. Proc. Civil, vir exigir esse pagamento, demonstrando o cumprimento da situação referida de devolução das facturas pelo factoring.

    Sem Embargo, N) A respeito da excepção de não cumprimento do contrato, a sentença recorrida começa por referir que o R. não deduziu qualquer reconvenção, mas tal não era necessário, pois que, estando em causa uma mera acção de condenação no pagamento de um crédito emergente de um contrato de empreitada, o Réu para fazer valer a referida excepção de não cumprimento do contrato, não precisava de deduzir qualquer reconvenção.

  12. Porque, como se refere no artº. 274º, nº. 1 do Cod. Proc. Civil, o réu pode, ou seja, tem a faculdade de deduzir pedido reconvencional contra o autor, pelo que a reconvenção é facultativa e porque, como foi decidido pelo Ac. do STJ de 15/10/1980, in BMJ 300, pág. 364, “A excepção do não cumprimento do contrato (artigo 428º.) constitui uma excepção dilatória de direito material, que, por isso, não deve ser deduzida através de reconvenção.” P) Não é correcto juridicamente afirmar-se que a dedução da referida excepção deveria ser feita por reconvenção.

  13. Depois refere a sentença recorrida que “não ficou demonstrado, nem foi sequer alegado que a Autora tivesse incumprido ou cumprido defeituosamente os trabalhos objecto da facturação em divida”, pois para a sentença recorrida a excepção de não cumprimento só pode colocar-se quando exista comportamento defeituoso da obrigação.

  14. Não é esse o entendimento da jurisprudência, pois “a doutrina, tanto a contemporânea do Cód. De Seabra, como a actual, sustentam que também no caso de cumprimento defeituoso ou do não cumprimento parcial o contraente pode recusar a sua prestação, enquanto a outra não for rectificada ou completada: a excepção toma, nestes casos, a designação de exceptio non rite adimpleti contractus. Nesta hipótese, porém, há que ter muito em atenção o princípio básico da boa fé no cumprimento das obrigações, hoje expresso o nº. 2 do artº. 761º. do Cód. Civil actual, e que já anteriormente era admitido entre nós”. (Ac. do STJ de 9-12-1982, no BMJ, 322. -321) e, nos presentes autos, estamos perante a primeira situação, ou seja, de incumprimento parcial.

  15. Verificada a possibilidade de aplicar ao presente caso a exceptio non adimpleti contractus, por se estar perante uma situação de incumprimento parcial, há que verificar os requisitos da aplicação do artº. 428º. do Cod. Civil, que são a prestação do Réu é posterior à da A. e a A. não cumpriu as obrigações principais emergentes do contrato; T) Quanto ao primeiro requisito, é evidente que a A. teria de cumprir as obrigações emergentes do contrato, dado como assente na alínea B) dos factos assentes no prazo de 60 dias após a consignação, que ocorreu em 12 de Julho de 2009 (resposta ao quesito 1º.), prazo esse que foi prorrogado até 11 de Novembro de 2009 (al. H) dos factos assentes) e a primeira factura emitida pela A.

    apenas se venceu em 6 de Novembro de 2009 (al. J) dos factos assentes), ou seja, a obrigação da A. vencia-se antes da obrigação do Réu.

  16. Só R. tinha legitimidade para invocar a referida excepção, porque “nos contratos bilaterais, havendo prazos diferentes nas prestações, a «exceptio» só pode ser oposta pelo que devia cumprir em segundo lugar”. (Ac. da Relação de Coimbra de 6-7-1982, publicado na Col. Jur., 1982, tomo 4, pág. 35). - Cfr., no mesmo sentido, José João Abrantes, A excepção de não cumprimento do contrato, 1986, pág. 39 e segs. -, pelo que, dúvidas não há que o Réu tinha legalmente o direito de invocar a excepção de não cumprimento do contrato por parte da A.

  17. E somos chegados ao segundo requisito, ou seja, a A, não cumpriu obrigações emergentes do contrato principal, o que está provado pelas respostas positivas aos quesitos 2 a 6, tendo ficado provado que - A Autora não realizou o trabalho de “fornecimento e colocação de pavimento desportivo sintético e executar marcações dos campos”; - A Autora não realizou o trabalho de “fornecimento e aplicação de rede de nylon extensível”; - A Autora não realizou o trabalho de “fornecimento e aplicação de balizas metálicas para futebol de cinco e andebol”; - A Autora não realizou o trabalho de “fornecimento e aplicação de tabelas de basquetebol”; - A Autora não realizou o trabalho de “fornecimento e aplicação de jogos de postes de ténis.

  18. Dúvidas não há que também a autora não cumpriu as obrigações que para ela emergiam do contrato de empreitada celebrado com o Réu, sendo certo que, por querer enganar o Réu, atrasou a execução e pediu uma prorrogação de prazo, que foi concedida até 11 de Novembro de 2009.

  19. Preenchidos os requisitos exigidos pelo artº. 428º. do Cod. Civil, gozava o R. do direito de invocar a excepção de não...

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