Acórdão nº 00290/04.0BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução05 de Dezembro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: Estado Português interpõe recurso jurisdicional de sentença do TAF de Mirandela, que, julgando improcedente acção administrativa comum ordinária intentada contra JTL e esposa MMRFL (…), do mesmo passo julgou procedente pedido reconvencional.

O recorrente discorda do decidido, oferecendo em recurso as seguintes conclusões: 1- O tribunal a quo errou na apreciação da prova ao desconsiderar injustificadamente contrato assinado pelas partes no que ao concreto objecto da venda se referia. E no que ao concreto objecto da venda as partes queriam.

2- E errou igualmente ao desconsiderar injustificadamente o contrato subscrito pelas partes no que ao sublinhado e ostensivamente evidenciado não garantido aí constava.

3- E errou ao transpor, afastando o incontornável do contratado, a essencialidade do negócio para o número de árvores e para o volume do material lenhoso, quando a essencialidade do contratado residia num lote, composto por duas manchas, em área de 14,4 ha. E nada mais. Porque nada mais as partes quiseram.

4- Transposição que se traduz em interpretação ab-rogante do contratado e ultrapassagem da vontade ao tempo das partes.

5- Errou na apreciação da prova ao afastar as regras da experiência, da lógica e da prudência quando entende que há erro no objecto do negócio quando aquilo que a prova permite concluir é que se erro houve foi um erro pessoal de avaliação do objecto comprado que só ao comprador se pode imputar e de que só ele é responsável.

6- Não tendo sido posto em causa o teor do contrato, incontornável se torna e não pode o mesmo ser afastado com base em depoimentos testemunhais de “a olho”, de estimativas ou previsões ou margens de erro.

7- Assinale-se que o contrato foi firmado de livre vontade, após negociação e depois de ter sido feita visita ao terreno e ao material lenhoso e depois de se ter apresentado uma proposta que bastava ser maior do que 1 €.

8- Como da cláusula especial primeira resulta, o ortofotomapa só pode ser valorado para a delimitação da áea. E nada mais. Sob pena de se estar a acrescentar ao contrato aquilo que as partes não quiseram.

9- A sentença é contraditória: se não se dá como provado que a estimativa estivesse errada como se pode dar como provado que era enganosa? Se não há erro como pode enganar?.

10- A sentença é contraditória: se as estimativas dos programas, tal como sempre aconteceu noutros concursos do género, apresentavam uma margem de erro muito pequena em relação ao material lenhoso efectivamente existente nos lotes, como é que, logo a seguir, se diz que a estimativa é que estava errada e pecava por excesso? 11- A sentença é contraditória no que à indicação da delimitação e dimensão concerne: porque se o funcionário mostrou a localização do lote inelutavelmente lhe mostrou onde era e a sua delimitação e dimensão, que, como todas as testemunhas depuseram, se fazia através de sinais físicos, como caminhos, ribeiros, etc. A delimitação faz necessariamente a dimensão.

12- A sentença é contraditória no que concerne à identificação dos lotes: em que ficamos? E pelas informações prestadas no local que se identificam os lotes ou não? 13- E é também contraditória quando vai buscar estimativas e previsões ao ortofotomapa, aliás, não releváveis como supra vimos, e as releva como dados objectivos que não são. E, por outro lado, afasta o método de amostragem pela sua margem de erro.

14- A sentença errou na apreciação da prova e no julgamento quando considerou que se não tratou de um eventual simples mau negócio dos RR e errou ao considerar que o Estado incumpriu o contrato e violou regras de direito público.

15- Não há erro sobre o objecto do negócio porque, em correcta apreciação da prova, o próprio declarante quer comprar um lote de duas manchas e 14,4 hectares; e não um certo e determinado número de árvores ou um concreto volume de lenha, que, aliás, se fez questão de excluir expressamente do contrato.

16 - E também nunca se poderia configurar erro sobre o objecto do negócio porque o Estado/Dratm não conheciam nem tinham obrigação de conhecer uma essencialidade que não existia, porque as partes a afastaram expressamente do contrato. A alegada essencialidade nem estava no contrato nem foi querida pelas partes.

Com o que houve erro de julgamento. Que o TCAN deve erradicar.

17- Porque são os próprios RR que fazem depender a condenação da redução do contrato, como pedem, "a reconvenção ser julgada procedente e provada e, consequentemente, julgar-se reduzido o valor do contrato", só a partir da redução do contrato é que, nessa hipótese remota, pode o Estado ser condenado em juros.

18- Estando o Estado Português isento de custas deve, na aplicação da isenção a sentença limitar-se a dizer: "Sem custas por delas estar isento o Estado" 19- Com o que, e no mais que V. Excias doutamente suprirão, foram violados por erro de interpretação e aplicação os arts 406, 798, 804, n° 1, 247, 248, 251, 289, n° 1, e 292 do C. Civil.

20- E concomitantemente se violaram os arts 607, nºs 3, 4 e 5 do NCPC, art. 653 e 655 do VCPC, por omissão e errada análise crítica das provas e omissão de apreciação ponderada, por errada aferição das provas e errada livre convicção, e o princípio da livre apreciação das provas.

21- Pelo que, sendo a sentença nula, deve revogar-se a sentença recorrida e ser substituída por outra que decida pela procedência da acção.

Ou, sem conceder, por mero exercício de raciocínio e cautela de patrocínio, no mínimo, julgue improcedente a reconvenção dos RR.

22- Com o que se julgará procedente, como é de lei e justiça, o nosso recurso aqui interposto.

O recorrido contra-alegou, concluindo: 1- O Tribunal recorrido fez uma correta e imparcial apreciação global da prova documental e testemunhal produzida, fazendo a valoração racional e critica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, da experiência e dos conhecimentos científicos.

2- A douta sentença recorrida não desconsiderou injustificadamente o contrato subscrito pelas partes, apreciando-o e integrando-o na prova global e designadamente no circunstancialismo que precedeu a elaboração de tal contrato escrito.

3- Não merecendo qualquer censura toda a resposta à matéria de facto, designadamente dos pontos 11 e 14 a 21 da matéria de facto julgada provada, que se encontra devidamente fundamentada.

4- Não existe qualquer erro de apreciação da prova nem muito menos qualquer contrariedade entre os factos julgados provados e não provados ou a sua fundamentação.

5- A vontade negocial declarada pelo Recorrido estava viciada por falsa representação do objeto do contrato, previsto no artigo 251º do C. Civil, quer quanto à área quer quanto ao arvoredo existente no lote adquirido.

6- A vontade negocial do Recorrido foi formada tendo em conta a estimativa de arvoredo do programa de concurso apresentado pelo Recorrente ao Recorrido, julgando este estar a adquirir um lote com o arvoredo e com as características do ponto 11 dos factos julgados provados, que depois se verificou estar errado.

7- A essência do contrato para o Recorrido, nomeadamente para este apurar o valor da aquisição do lote, estava no número e volume de árvores que iria adquirir no negócio a celebrar.

8- O Recorrido, tal como outros madeireiros, tinha feito vários negócios do mesmo género com a Direção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes baseando-se sempre, para apurar o valor, nas estimativas que lhe eram fornecidas nos programas de concurso, cujo erro era sempre residual.

9- A Direção Regional e Serviços Florestais de VR conheciam e sabiam que os madeireiros que consigo negociavam a compra de arvoredo calculavam o valor do respetivo lote de acordo com as estimativas que lhes forneciam nos programas de concurso.

10- A Direção Regional e Serviços Florestais de VR sabiam que, no concurso em apreço nos autos, a estimativa fornecida continha erro elevado quanto ao número do arvoredo indicado nos respetivos programas de concurso, não podendo ignorar a essencialidade dessa indicação aos madeireiros e, neste caso, ao Recorrido.

11- Embora conhecesse o erro da estimativa a Direção Regional e Serviços Florestais de VR não informaram os madeireiros comprados do elevado erro da estimativa do arvoredo, que os programas de concurso continham.

12-Assim estão reunidos todos os requisitos, previstos nos artigos 251º e 247º do C. Civil, para a anulação do contrato celebrado entre Recorrente e Recorrido com o fundamento no erro sobre o objeto.

13- A sentença recorrida não violou qualquer disposição legal, designadamente o disposto nos artigos 406º, 798º, 804º, 247º, 248º, 251º, 289º, 292º do C. Civil e nos artigos 607º do NCPC e 653º e 655º do VCPC.

14- Pelo que nenhuma censura merece a douta sentença recorrida.

*Ficando os vistos dispensados, cumpre decidir.

*As questões em recurso passam por saber: se a sentença é nula; se há ou não contradição nas respostas que o tribunal “a quo” deu à matéria de facto; se bem aferiu a existência de um erro-vício na formação do contrato; se tal erro conduz à redução do negócio, nos termos em que foi declarada; e, nessa suposição, desde quando são devidos juros; e se, e na forma em que foi enunciada, é correcta a condenação em custas.

*Os factos, que o tribunal a quo deu como provados: 1) Entre o Autor Estado Português, representado pelo Diretor Regional de Agricultura de Trás-os-Montes, e o Réu JATL foi subscrito, em 28 de abril de 2003 o acordo escrito junto aos autos a fls. 8/15 (numeração do SITAF) intitulado "Contrato de Venda de Material Lenhoso", cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, mediante o qual o primeiro vendeu ao último o material lenhoso do lote n.° 93/02 do Perímetro Florestal do B...; 2) Das Cláusulas Gerais do contrato referido no número que antecede consta designadamente o seguinte: A- A venda compreende todas as árvores marcadas para corte, que constituem o lote descrito na PRIMEIRA...

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