Acórdão nº 01902/10.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelJo
Data da Resolução05 de Dezembro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO MCMBS veio interpor recurso da sentença do TAF do Porto que na presente acção instaurada contra Instituto Português de Oncologia do Porto FG, EPE para efectivação da responsabilidade civil extracontratual do R. decorrente de facto ilícito, julgou procedente a excepção da prescrição invocada pelo Réu, absolvendo este do pedido indemnizatório formulado pela Autora.

* Em alegações, a Recorrente formulou as seguintes CONCLUSÕES: 1 - O Tribunal recorrido entendeu considerar procedente a excepção da prescrição por entender que, in casu não seria aplicável o disposto no artigo 498º, n.º 3 do CC, fundamentando tal apreciação no facto de inexistir na petição inicial um «quadro factual integrador de um ilícito criminal, para o qual esteja prevista uma prescrição penal superior a três anos».

2 - Ora, salvo o devido respeito e sempre melhor opinião, a Recorrente entende que na petição inicial foram alegados factos, os quais a serem provados, enquadram o facto ilícito, se não na moldura penal prevista no artigo 150º, n.º 2 do CP, pelo menos na moldura penal do crime de ofensas à integridade física, previsto no artigo 148º, n.º3 do CP.

3 - Os factos alegados na petição inicial (a serem provados) demonstram que a ora Recorrente, antes de iniciar o tratamento de braquiterapia, alertou expressamente a médica assistente para o facto da sua pele já se apresentar queimada e que, esta, mesmo sabendo que estava em causa um tratamento de natureza radioactiva e, naturalmente, perigoso, deu início ao mesmo sem verificar o estado em que aquela se encontrava. – Artigos 13º, 14º, 15º, 42º, 43º e 44º da p.i.

4 - Tais factos demonstram, também, que iniciado o aludido tratamento por 24 horas contínuas e ininterruptas, nunca em tal período, a médica assistente examinou a Recorrente ou verificou o estado do aparelho, ignorando os queixumes e apelos que a Autora insistentemente lhe dirigiu. – Artigos 12º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 42º, 43º e 44º da petição inicial.

5 - De tal conduta da senhora médica assistente advieram danos gravíssimos para a integridade física da ora Recorrente, a qual ficou queimada desde o pescoço à axila direita e ao hemitorax direito, queimadura essa que lhe provocou, directa e necessariamente, impotência funcional do seu braço e mão direitos, dos quais ficou privada de utilizar, situação que lhe determinou uma incapacidade permanente global de 80% - Artigos 21º, 32º, 75º e 91º da petição inicial.

6 - Ora, tais factos, mais do que uma violação das legis artis (as quais impunham à médica assistente o dever de acompanhar e vigiar o tratamento ministrado, pelo menos periodicamente, dado a natureza radioactiva do material em causa) consubstanciam uma violação grosseira dos deveres de cuidado e auxílio a que aquela estava obrigada.

7 - Aliás, dada a natureza perigosa do material que estava a ser utilizado no tratamento, presume-se a culpa da médica assistente, a qual estava obrigada a um especial dever de cuidado.

8 - Assim, parecem não restar dúvidas face aos factos oportunamente alegados que a aludida médica assistente agiu em dolo eventual, na medida em que, tendo por obrigação prever um determinado resultado, agiu conformando-se com o mesmo.

9 - Com efeito, a aludida médica, face á profissão que exerce, sabe ou tem por obrigação saber, que o aludido tratamento é melindroso e susceptível de provocar graves danos colaterais e, ainda assim, agiu, omitindo os mais elementares deveres de zelo e assistência.

10 - Desta forma, a conduta da senhora médica assistente é subsumível ao ilícito criminal previsto no artigo 150º, n.º 2 do CP.

11 - Mas, mesmo que assim não se entenda, certo é que, a aludida médica não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.

12 - A senhora médica assistente optou por uma conduta leviana e manifestamente irreflectida, atropelando as precauções exigidas pela mais elementar prudência.

13 - Tais factos enquadram, pois, se não o ilícito penal previsto no artigo 150º, n.º 2 do CP, pelo menos o crime previsto no artigo 148º, n.º 3 do CP. Ou seja, o quadro factual alegado na petição inicial conduz o ilícito, pelo menos, a um crime de ofensas à integridade física por negligência.

14 - Tal crime encontra-se previsto no artigo 148º, n.º 3 do CP e é punido com um pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.

15 - Ora, nos termos do artigo 118º, n.º 1, alínea c) do CP, prescrevem no prazo de cinco anos os crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, sendo certo que, «se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável». – CC, art. 498º, n.º 3.

16 - Com efeito, embora o artigo 498º, n.º 1 do CC estabeleça um prazo prescricional de três anos para os casos de responsabilidade civil extracontratual, certo é que, constituindo o facto ilícito, abstractamente, crime para o qual a lei estabeleça prazo de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT