Acórdão nº 02115/14.9BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Junho de 2015
Magistrado Responsável | Lu |
Data da Resolução | 19 de Junho de 2015 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
L... Seguros, SA (Avª…), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, que, «ex officio», se julgou incompetente em acção administrativa comum por si intentada contra A... Norte – Auto-Estradas do Norte, SA (R….
).
A recorrente termina com as seguintes conclusões: 1. Nos termos do disposto no artigo 40º da Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto "Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.", ou seja, a competência material dos tribunais comuns é residual, cabendo-lhe apreciar as causas que não sejam atribuídas a outra jurisdicional.
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Por outro lado, o artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, define quais os casos em que os Tribunais Administrativos são materialmente competentes, estabelecendo a alínea i) que "Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime especifico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
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para se determinar se a um sujeito de direito privado é aplicável o regime da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público é necessário determinar se esse sujeito de direito privado é responsável num litígio emergente de uma relação administrativa.
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Relação administrativa é definida como "aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração perante particulares, ou aquela que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração.” 5. A competência dos tribunais administrativos e fiscais abrangerá as questões atinentes à responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados desde que a eles deve ser aplicado o regime próprio da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
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Existem duas situações em que sujeitos privados são sujeitos numa relação administrativa. A primeira situação é quanto desempenham prerrogativas de poder público. E a segunda é quando a sua actividade é regulada por disposições ou princípios de direito administrativo.
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A actividade da Recorrida é regulada por disposições de direito administrativo, na medida em que a Recorrida, enquanto concessionário da A11 está contratualmente obrigada a, continuamente, proceder a uma vigilância, manutenção e conservação da A11, por forma a que esta satisfaça cabalmente e permanente o fim a que se destina, sendo certo que, sendo a A11 uma auto-estrada o fim desta é permitir a rápida circulação de bens e pessoas, por meio de veículos motorizados, com determinadas características definidas expressamente no Código Estrada.
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O supra referidos deveres apesar de serem assegurados por uma entidade com capitais privados são deveres de origem pública.
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Em face do supra exposto ás concessionárias é aplicável o regime da responsabilidade do Estado, pelo que a competência para conhecer de litígios que envolvam estas entidades pertencem à jurisdição administrativa.
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Em face do supra exposto, a ora Recorrente não aceita a Douta decisão ora recorrida, não se conformando com as conclusões ai produzidas, por reflectir uma incorrecta interpretação da Lei e da Jurisprudência aplicável a situações semelhantes, devendo esta ser alterada, considerando-se o Tribunal a quo materialmente competente.
Sem contra-alegações.
*O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado para efeitos do art.º 146º do CPTA, alinhou pelo entendimento prolatado na sentença recorrida.
*Dispensando vistos, cumpre decidir.
*A única questão sobre a qual versa o recurso é quanto à determinação do tribunal com competência material para dirimir o litígio.
*Como incidências processuais, que interessa ter aqui em consideração, temos: 1. A qui recorrente intentou a acção como vem em p. i., termos que aqui se têm presentes.
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O tribunal “a quo” julgou-se “incompetente em razão da matéria para decidir o actual litígio e competentes os tribunais judiciais e, em consequência, absolvo o réu da instância”, decisão constante dos autos para onde se remete e infra parcialmente transcrita.
*Do Direito O tribunal “a quo” teve o seguinte discurso fundamentador: L... Seguros, S.A., vem propor a presente acção administrativa comum, contra A... Norte - Auto-Estradas do Norte, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 2.706,19 Euros, pela reparação do veículo, acrescida dos respectivos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Alega, para tanto, que em 09/07/2011, pelas 22h10m, ao Km 8,225 da A11, na freguesia de G..., B..., o veículo JQ, conduzido por JPSP, embateu num canídeo que se encontrava a caminhar na faixa de rodagem por onde o veículo circulava. E que tal embate provocou danos na parte frontal do veículo.
Estriba a responsabilidade da R. na ausência de vigilância das vias que se encontram a seu cargo, o que determinou o aumento do perigo na circulação rodoviária. Por conseguinte, de acordo com o regime consagrado na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, entende o A. que a R. é responsável pelos danos ocorridos no veículo mencionado, devendo, em consequência, indemnizá-lo.
De acordo com o disposto no art. 590º nº 1 do CPC, sob a epígrafe “Gestão processual”, o juiz, caso lhe seja apresentada a petição inicial a despacho liminar, deve indeferir esta se verificar ocorrerem excepções dilatórias insupríveis e de conhecimento oficioso.
Assim, cumpre analisar a petição inicial, sendo certo que a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública, precedendo o seu conhecimento o de qualquer outra matéria (art.º 13º do CPTA).
O Autor funda o seu pedido de indemnização de danos patrimoniais no instituto da responsabilidade civil extracontratual.
A indagação da competência material deste Tribunal tem que ser feita de acordo com a específica causa de pedir e pedido formulados nesta acção.
A competência material deste tribunal depende da natureza jurídica que assume a R. e, principalmente, qual a natureza da actuação que se discute, no sentido de apurar da eventual presença de uma relação jurídico-administrativa.
Compulsado o acervo legislativo que enforma a actuação da R., e para a problemática que interessa agora deslindar, verifica-se que o Decreto-Lei n.º Decreto-Lei n.º 248-A/99, (entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 44-B/2010, de 5 de Maio), procedeu à aprovação do contrato de concessão da denominada Concessão da A7.
Com efeito, e nos termos do art.º 1º do diploma citado, intentou o legislador aprovar as bases da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados designada por A7, atribuindo a mencionada concessão ao então Consórcio An... – Auto Estradas do Norte, S.A. – Concessões Rodoviárias de Portugal, S.A..
Tal contrato de concessão- cujas bases foram aprovadas, como já se disse, pelo Decreto-Lei n.º 87-A/2000, de 13 de Maio, entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 44-A/2010, de 5 de Maio- estipula que a concessão é de obra pública e é estabelecida em regime exclusivo (base III), estando a R. obrigada a desempenhar as actividades concessionadas de acordo com as exigências de um serviço regular, contínuo e eficiente funcionamento do serviço público e a adoptar os melhores padrões de qualidade disponíveis em cada momento (base IV), sendo ainda que, quanto aos bens que integram a concessão-descritos nas bases VI e VII-, a R. está obrigada a mantê-los, a expensas suas, em bom estado de funcionamento, conservação e segurança, efectuando em devido tempo as reparações, renovações e adaptações, tudo de acordo com o regulado no contrato de concessão (base VIII).
Acrescidamente, consigna o diploma em análise, concretamente na base XI do contrato de concessão em discussão, que a concessionária- a agora R.- terá como objecto social exclusivo, ao longo de todo o período de duração da Concessão, o exercício das actividades que (…) se consideram integradas na Concessão, devendo manter ao longo do mesmo período a sua sede em Portugal e a forma de sociedade anónima, regulada pela lei portuguesa.
Sendo que, nas bases XII, XIII, XIV e XV, estão plasmadas normas referentes à estrutura accionista da empresa concessionária, limitações quanto à oneração das acções, capital social, estatutos e acordo parassocial, etc..
De realçar é também a intervenção da EP-Estradas de Portugal, S.A. na execução do contrato de concessão, nomeadamente, no que concerne ao exercício de poderes de autoridade, fiscalização e direcção, como sejam o que se refere às expropriações- que são da inteira responsabilidade desta entidade e não da Concessionária ora R.-, os relativos ao acompanhamento da concepção, projecto e construção da via concessionada e exploração e conservação da mesma (bases XXI a XXIV, XXV, XXVII, XXVIII, XXIX a XXXIII, XXXVIII, L, LVIII a LXI, LXVI e LXX a LXXII, etc.).
Adicionalmente, a base XLV estipula, nos seus n.ºs 1 e 2, que a concessionária tem o dever de manter a auto-estrada em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, devendo para tal realizar os trabalhos necessários, sucedendo que, em tal tarefa, a concessionário assume a obrigação de respeitar os padrões de qualidade, abrangendo tal, exemplificativamente, a regularidade e aderência do pavimento, a conservação da sinalização e equipamento de segurança e apoio aos utentes (n.º 4 da mesma base).
A base LIII submete a circulação rodoviária a realizar na via concessionada ao regime descrito no Código da Estrada e demais legislação aplicável, acentuando, nesta sede, a obrigação que impende sobre a concessionária de monitorizar o tráfego, as condições climatéricas adversas à circulação, a detecção de acidentes e a consequente e sistemática informação de alerta ao utente. A base LIV impõe também à concessionária a prestação de assistência aos utentes da auto-estrada, incluindo a vigilância das condições de circulação, nomeadamente, no que toca à fiscalização e prevenção de...
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