Acórdão nº 00217/15.3BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Agosto de 2015

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução14 de Agosto de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO IMSMC, inconformada, interpõe recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 28 de Abril de 2015, que julgou improcedente a providência cautelar por si intentada contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.

(ISS,IP), o MINISTÉRIO DA SOLIDARIEDADE, EMPREGO E SEGURANÇA SOCIAL, e, na qualidade de contra-interessada, a Direcção Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas – INA, não decretando a suspensão de eficácia do despacho de 19/12/2014 que aprovou a sua colocação em situação de requalificação e do despacho de 29/12/2014 que aprovou a lista nominativa dos trabalhadores em situação de requalificação publicada no Diário da Republica a 21 de Janeiro de 2015.

* A Recorrente alegou, e formulou as seguintes conclusões: «1 - A Recorrente não só provou documentalmente que as funções que exercia, nada tinham que ver com a docência, como, no decurso da inquirição e a instâncias do Recorrido, as suas testemunhas colegas (hierarquia então imediata da mesma incluída) foram peremptórias em depor, unânime, clara e expressamente, que a mesma não exercia funções docentes, mas sim funções idênticas às que elas, técnicas superiores, exerciam, atinentes que são, inequivocamente, com a protecção e promoção de crianças e jovens em risco - realidade que, aliás, foi, e bem, considerada provada pela sentença em apreço.

2 - Nesta medida, justamente porque é sabido que já existiu uma requalificação de facto, que o Recorrido investiu repetidamente na formação da Recorrente para exercer essas funções, que o mesmo (facto público e notório) está a contratar pessoas para exercer essas funções e, assim mesmo, que o acto em causa não passa de um evidente desvio de poder, porque se atém (e decidiu) a sucessivos e vários passos com fundamento em supostas razões formais ligadas à categoria formal da Recorrente, esquecendo completamente a realidade alicerçada em cerca de duas dezenas de anos, sendo o fim do acto a dispensa da Recorrente ditada por corte, aliás cego, na despesa pública, sendo assim patente que o acto suspendendo padece de pelo menos duas ilegalidades grosseiras e, por conseguinte, que é evidente que a pretensão formulada no processo principal será julgada procedente, 3 - a decisão recorrida, ao assim não ter sopesado - perdão, concluído - incorreu em erro de julgamento, devendo, em consequência e como refere a mais lúcida doutrina, ser a presente providência deferida e, assim, independentemente da verificação dos requisitos do periculum in mora e da ponderação de interesses.

***Subsidiariamente: 4 - Dos autos emerge que a Recorrente, que antes auferia cerca de 1400 euros líquidos, passará a receber, por força dos actos impugnados: a) no primeiro ano, e atento o corte salarial de 40%, cerca de 938,91 euros; b) nos seguintes e indeterminados anos, e atento o corte salarial de 60%, cerca de 677,57 euros, ficando, assim, e considerando os encargos e a satisfação das suas necessidades pessoais: a) inicialmente, com cerca de 140 euros; b) com zero cêntimos, posteriormente.

5 - Uma significativa redução salarial, portanto, com previsíveis repercussões, ademais drásticas, na sua esfera financeira e, de igual modo, no seu standard de vida, coisa que, com toda a probabilidade, afectará, como aliás já sucede, também o seu agregado, posto que o mesmo ficará privado de parte substancial do rendimento que tinha anteriormente.

6 - Sendo, pois, provável a ocorrência de prejuízos de difícil reparação e assim mesmo se preenchendo o requisito periculum in mora.

7 - Então, se é assim, como cremos que efectivamente sucede, qual foi a motivação que a decisão recorrida elencou, inicialmente, para afastar o preenchimento deste requisito? Muito simples: considerou que a Requerente, sendo casada, forma uma unidade de sustentabilidade financeira com o marido, que, assim e atento o dever de assistência entre cônjuges, deve sustentar o seu nível de vida e as suas normais necessidades financeiras.

8 - Ou seja, e no que por ora releva, entendeu-se não que a Requerente não sofrerá previsivelmente os prejuízos que invocou, mas sim que os mesmos (cuja probabilidade de existência é assim mesmo reconhecida) serão - ao poderem, alegadamente, ser minorados, ou mesmo eliminados, com a ajuda do marido - facilmente reparáveis.

9 - Ora, salvo o devido respeito, o que a Recorrente visa essencialmente com a presente providência cautelar é que a sua situação não se altere significativamente, no limite por forma a não ver o seu padrão de vida radicalmente alterado - não, claro está, obter uma (espécie de) reparação económica/ indemnização por equivalente dos danos invocados, para mais, aliás (e sobre este enfoque a sentença não se pronunciou), a cargo do seu cônjuge, que, obviamente, é também lesado com esta significativa ablação patrimonial, sendo assim a referida assistência (cujo apelo, só por si, evidencia uma situação de carência) uma verdadeira, e circular, utopia.

10 - E “os conceitos de «situação de facto consumado» e de «prejuízos de difícil reparação» devem ser valorados em função do conceito de «utilidade da sentença» (ou de efectividade da sentença) a proferir no processo principal, pelo que se deve afastar o tradicional critério economicista na concretização do periculum in mora.

”.

11 - Pelo que diagnosticado vai, naturalmente na nossa perspectiva, erro de julgamento, ademais avivado pelo seguinte: i.

o Tribunal a quo sabia, e sabe, perfeitamente que a Requerente entende ter direito a trabalhar e, portanto e entre o mais, a ter uma vida com autonomia financeira, como, de resto, sempre sucedeu, sendo assim que desde há larguíssimos anos que a mesma e o seu marido têm contas separadas, contribuindo equitativamente para as despesas, sendo esta, pois, uma forma que o casal tem de manter o equilíbrio; ii.

assim como sabia, e sabe, perfeitamente que, precisamente por força dos actos impugnados (e a Requerente até foi expressa em referir que não quer sujeitar o seu marido a suportar despesas para as quais ela sempre teve fundos, nem, muito menos, sentir-se um fardo), as relações entre o casal estão tensas, tendo já havido discussões e desentendimentos e estando, assim mesmo, o casamento a atravessar uma fase periclitante.

12 - Foi, de facto, o que se provou com os depoimentos prestados pelas testemunhas MCSR (constante da gravação digital da inquirição de testemunhas realizada em 22.04.2015, de 00:12:37min. a 00:49:41 minutos), APAB (constante da gravação digital da inquirição de testemunhas realizada em 22.04.2015, de 00:49:44min. a 01:21:42 hora), CMLP (constante da gravação digital da inquirição de testemunhas realizada em 22.04.2015, de 91:53:03 hora a 02:1856 horas), MJSPGS (constante da gravação digital da inquirição de testemunhas realizada em 22.04.2015, de 01:21:44 hora a 01:52:57) e, bem assim, com as declarações de parte (constantes da gravação digital da inquirição de testemunhas realizada em 22.04.2015, de 00:00:01 minutos às 03:23:13 horas).

13 - Logo, mesmo que a perspectiva de análise adoptada fosse a correcta, que quanto a nós não é, temos que a mobilização do dever de assistência, também neste concretíssimo enquadramento fáctico, não resolveria nunca o problema - pelo contrário, tudo aponta, isso sim, para que o agrave (aliás, e que se saiba, e nem o dever de assistência vai tão longe, ninguém é obrigado a viver às custas de outrem).

14 - Nesta conformidade, e porque em causa está matéria que não foi considerada provada quando o devia ter sido, essencial que é, como se viu, para a justa e correcta composição do litígio em apreço, deve ser aditada a seguinte factualidade, provada que foi pelos depoimentos das testemunhas aludidos e pelas declarações de parte: T.1 Com a sujeição da requerente à situação de requalificação as relações entre a Requerente e o marido estão tensas, tendo já havido discussões e desentendimentos e estando, assim mesmo, o casamento a atravessar uma fase periclitante.

*15 - Assim, neste enquadramento, que para nós é o devido, e à luz do conceito de difícil reparação (que se afere, como sabemos, pela possibilidade de, em sede principal, os interesses da Recorrente serem integralmente repostos) o que então se impunha - rectius, se impõe - enfrentar é, justamente, o seguinte: Na hipótese de ser proferida uma sentença que acolha a pretensão da Requerente, é possível proceder à reconstituição específica da situação que existia antes da prática do acto ilícito? 16 - Na perspectiva da Recorrente, não, pois que, ainda que a mesma, daqui a 3, 4 ou 6 anos (é de prognose e verosimilhança de que cuidamos) reveja o seu posto de trabalho e veja a sua carreira reconstituída, mormente processando-se as diferenças remuneratórias devidas subsistirão sempre, muito provavelmente, danos, não se tutelando, consequentemente, e in totum, os interesses que a mesma pretende salvaguardar.

17 - Por um lado, porque, neste ínterim e recordando-se que em causa estão cortes salariais de 40% (primeiro ano) e de 60% (restantes indeterminados anos), ela sofrerá um drástico abaixamento do seu nível de vida (aliás, o epíteto de grave, ou drástico, nem é exigido, reservado que está para o processo civil), podendo não conseguir prover ao seu sustento (imagine-se, como a mesma diz, que ficará gravemente doente, por exemplo, com todos os custos associados ao tratamento) nem manter (tal como o seu marido) o nível de vida que mantinha até aqui (aspecto que não foi sopesado pela sentença).

18 - Por outro lado, porque, também durante o tempo que decorrerá até à execução da sentença, ela se viu privada do exercício de funções, interrompendo, portanto, o seu percurso profissional, estagnando a sua experiência e valorização profissionais e, assim mesmo, não tendo assegurado o normal desenvolvimento da sua carreira em termos idênticos aos dos seus colegas - defendendo que os danos ocorridos, por exemplo, no...

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