Acórdão nº 01552/11.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 06 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução06 de Março de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO.

ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DA UR

, com sede na UR, M…, inconformada, interpôs recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 19 de março de 2013, que julgou totalmente improcedente a ação administrativa especial de pretensão conexa com atos administrativos que intentou contra a ré «M...-MH, Empresa Municipal de Habitação de M..., EM», com sede na Rua..., com vista a obter a anulação da deliberação proferida em 11 de fevereiro de 2011, pelo Conselho de Administração da mesma que “homologou o auto de vistoria realizado em 28/11/2011 e ordenou a execução de obras constantes do referido auto…”.

Na referida ação, a autora indicou como contrainteressada EAPT, residente na Rua ….

**A RECORRENTE terminou as respetivas alegações com as seguintes CONCLUSÕES de recurso: “49.1 A douta sentença recorrida julgou provada uma determinada factualidade em violação das regras do direito probatório constantes dos arts. 508.º-A, nº 1, al. e) e 511.º do Código de Processo Civil.

49.2 Efetivamente, e no que se refere ao ponto 10 da douta sentença, de fls. 168 dos autos, os factos declarados provados não foram confessados, nem resultam do que foi alegado nos arts. 14 e 15 da petição inicial, 49.3 Pelo que o que devia ter sido dado como provado é que o estado de abandono e degradação do imóvel se deve a negligência da contra-interessada que descurou os mais elementares cuidados de conservação do imóvel que vem ocupando.

49.4 Também no que se refere ao ponto 13 dos factos provados, tal matéria não resulta, ao invés do que a sentença decidiu, do alegado no art. 32 da petição inicial, pois o que foi alegado nesta sede é que o estado de degradação se deve à total falta de qualquer diligência da contra-interessada.

49.5 Como foi alegado na petição inicial, a autora adquiriu o imóvel em causa, composto por casa de rés-do-chão e logradouro, à Cooperativa de Habitação Económica “O LT...”, pelo preço de 25.257,33 Euros, livre de ónus ou encargos (vd. escritura junta com a petição inicial sob o documento nº 2), matéria que foi declarada provada.

49.6 O processo administrativo (vd. auto de vistoria) padece de diversas irregularidades e nulidades, já que no mesmo vem referido, relativamente ao imóvel em causa, que a contra-interessada é arrendatária e que a autora tem a qualidade de senhoria, situação que não corresponde à verdade e que não tem qualquer fundamento.

49.7 Pois a recorrente, bem como qualquer outro dos ante possuidores do imóvel, jamais celebraram qualquer contrato de arrendamento com a contra-interessada, nem nunca a reconheceram como arrendatária do imóvel, a qual não paga, nem nunca pagou qualquer quantia pela utilização do espaço e fruição do que ocupa.

49.8 Resulta do auto de vistoria que a contrainteressada, embora esteja a usufruir do imóvel sem qualquer título e sem pagar qualquer renda, nunca teve qualquer cuidado na sua manutenção, não se dando sequer ao trabalho de mudar os vidros partidos das janelas, o que revela negligência e falta dos mais elementares cuidados de conservação, 49.9 Pelo que o estado de abandono e degradação em que se encontra o imóvel é exclusivamente imputável à contra-interessada, não sendo exigível à autora que proceda à execução de obras tornadas necessárias pelo mau uso pela contra-interessada, ainda para mais quando esta não é inquilina e não paga qualquer renda.

49.10 E isto tanto mais quanto é certo que a autora não é obrigada pelo disposto na parte final do n.º 1 do artigo 1333.º do Código Civil a assegurar o gozo da coisa objecto do comodato (vd. Professor Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, volume III, 7ª edição, Almedina, página 374).

49.11 Ora, tal como decorre do auto de vistoria e é do conhecimento comum: - as janelas estão com as guarnições empenadas, porque a contra-interessada não cuida da sua pintura e envernizamento periódicos, nem, mantendo os vidros partidos, impede a infiltração da água; - os vidros são partidos ou pela contra-interessada ou por pessoas que passam pela rua e com quem a mesma mantém altercações/desentendimentos, comportamentos a que a autora é alheia; - os pavimentos estão degradados, porque a contra-interessada não trata da sua limpeza e manutenção; - a contra-interessada não limpa periodicamente as caleiras, o que, tal como as infiltrações pelas janelas, provoca a aparecimento de humidades nas paredes; - o próprio portão que vedava o acesso ao jardim desapareceu.

49.12 Comportamentos da contra-interessada que consubstanciam a violação dos deveres de guarda e conservação da coisa emprestada que resultam do estatuído nos artigos 1135.º e seguintes do Código Civil, estando a contra-interessada obrigada a não efectuar uma utilização imprudente da coisa (artigo 1135.º d) do Código Civil), pelo que a autora não pode ser responsabilizada pela realização das obras indicadas no auto de vistoria.

49.13 Nem essa obrigação resulta, no caso concreto, do disposto no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.

49.14 Efectivamente, os deveres de conservação e de proibição de deterioração previstos, respectivamente, nos arts. 89.º e 89.º-A do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, pressupõem que o proprietário tenha a posse efectiva do imóvel e que não haja qualquer actividade ilícita do ocupante do imóvel.

49.15 Aliás, está previsto no art. 89.º-A do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, que a proibição de provocar ou agravar uma situação de falta de segurança ou de salubridade, ou de provocar a deterioração do edifício ou prejudicar o seu arranjo estético, recai, além do proprietário, sobre qualquer pessoa singular ou colectiva, 49.16 Pelo que também à luz do disposto no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (Decreto-Lei n.º 26/2010 de 30 de Março), não tem a autora qualquer obrigação de execução das obras ordenadas pelo acto impugnando, já que foi a contra-interessada, que através dos seus actos e omissões, revelando negligência e falta dos mais elementares cuidados de conservação, levou o imóvel ao estado de deterioração e abandono em que se encontra.

49.17 Além de que a autora só é proprietária do imóvel desde Outubro de 2008, e o imóvel já então se encontrava em estado de conservação idêntico ao actual, não se aplicando assim o disposto no art. 89.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.

49.18 Exigir à A. a execução de obras de vulto, no circunstancialismo descrito, isto é, i) ter o edifício já ter sido adquirido em estado de degradação, ii) não auferir a recorrente nenhum tipo de rendimento pela ocupação do prédio, iii) não ter a recorrente contribuído para tal estado e iv) não ter havido por parte do município qualquer actuação anterior do mesmo cariz, traduz-se num comportamento que viola os princípios da igualdade e da proporcionalidade e também da justiça e da imparcialidade (artigos 5.º e 6.º do CPA).

49.19 Acresce que a actuação da contra-interessada ao dar origem à intervenção camarária, e sem prejuízo de a mesma ocupar sem título o imóvel, sempre constitui um manifesto abuso do direito, já que é a todas as luzes reprovável e ofensivo do sentimento jurídico dominante, ter a contra-interessada requerido à ré a execução de obras, quando é ela a responsável pelo estado de degradação em que o imóvel se encontra – artigo 334.º do Código Civil.

49.20 A douta sentença, ao julgar improcedente a acção e, consequentemente, a manter o acto administrativo impugnado está conceder à contra-interessada direitos que ela não tem, ou seja, a atribuir à contra-interessada condições de habitabilidade de um espaço de que não é inquilina e cuja deterioração foi provocada pela própria, e ainda para mais à custa da recorrente, que nem sequer tem meios financeiros que lhe permitam fazer as obras visadas no auto de vistoria.

49.21 Por outro lado, e com o devido respeito, a argumentação da douta sentença, de que as questões suscitadas pela recorrente da responsabilidade civil da culpa da contra-interessada e do abuso do direito desta, devem ser dirimidas em sede própria e não nos autos, constitui uma “falácia”.

49.22 A sentença conduz, na prática, à legitimação de uma situação cuja iniquidade é manifesta: a autora está compelida a suportar obras de reabilitação do imóvel de que este carece apenas em consequência e por força da conduta da ocupante.

49.23 Ocupante que ironicamente é quem delas irá beneficiar, como é manifestamente o caso das obras interiores que têm como pressuposto que a ocupante tem os direitos de um arrendatário, quando é certo que a mesma não o é, nem nunca foi: no comodato, como já se referiu, não há qualquer obrigação de assegurar o gozo da coisa dada em comodato.

49.24 O acto administrativo impugnando está pois inquinado do vício de violação da lei e de falta de causa (erro quanto aos respectivos pressupostos de facto e erro de qualificação), pelo que a douta sentença, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 5.º e 6.º do Código do Procedimento Administrativo, artigos art. 2.º e 29.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano e do art. 89.º e 89.º-A do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, bem como do disposto nos arts. 1129.º e 1135.º do Código Civil e nos arts. 508.º-A, nº 1, al. e) e 511.º do Código de Processo Civil».

Termina requerendo o provimento do recurso e a revogação da decisão recorrida.

**A Recorrida «M...-MH, Empresa Municipal de Habitação de M..., EM» e a contrainteressada, devidamente notificadas, não apresentaram contra alegações.

**O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos previstos no art.º 146º do C.P.T.A., emitiu o douto parecer de fls. 248 a 250 [paginação do processo físico] sobre o mérito do recurso, concluindo que in casu, o mesmo não merece provimento, devendo manter-se a decisão recorrida.

**Os autos foram submetidos à Conferência...

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