Acórdão nº 00042/05.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelPaula Moura Teixeira
Data da Resolução28 de Maio de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO O Recorrente, J…, deduziu impugnação judicial visando as liquidações de IVA dos exercícios de 1999 a 2001, no montante global de 14.293,55 euros.

Por sentença proferida em 12.04.2010, a MMª Juíza julgou improcedente a impugnação, mantendo as liquidações IVA em causa.

O Recorrente/Impugnante não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso, formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: (…) A. O n.° 2 do artigo 19° do CIVA nunca poderia ter sido aplicado no caso em apreço, de forma contrária ao direito de dedução do Recorrente, na medida em que não se vislumbra nos factos relevantes qualquer situação de distorção à forma legal das facturas.

  1. Esta previsão legal destina-se, justamente, a permitir um controlo formal das facturas. É clara a ratio da norma: em primeira linha, o legislador quer passar para os operadores uma certa competência de controlo; contudo, só investe o operador na medida em que essa competência de controlo seja na sua esfera possível e praticável.

  2. A boa leitura da lei, à luz do ditame interpretativo consagrado no art. 9.° do Código Civil - em toda a sua plenitude e alcance -, assim o impõe: não se compreenderia que o legislador fosse neste ponto além do razoável - quebrando assim a sua obrigação de legislar segundo os cânones constitucionais, designadamente, de proporcionalidade nas suas dimensões de necessidade e proibição do excesso - e que impusesse aos operadores mais do que um simples controlo formal (de verificação formal dos requisitos), alijando responsabilidades que lhe estão reservadas.

  3. Apesar de os aludidos requisitos previstos no n.° 5 do art. 35.° do CIVA serem mesmo considerados requisitos substanciais do direito à dedução, só o são na medida em que a não aposição dos referidos elementos formais na factura escape ao controlo objectivo do receptor da mesma, só assim lhe sendo imputável uma sanção negativa pela dita irregularidade daquela documento contabilístico - a recusa do direito á dedução.

  4. O cumprimento da obrigação de controlo imposta ao operador que recebe a factura basta-se com a mera constatação objectiva daqueles elementos formais, não exigindo, como vem dito - e como razoavelmente se compreende - uma análise de mérito que vá ao ponto de exigir a confirmação da aderência à realidade de cada elemento nela constante.

  5. Assim, o cumprimento da obrigação de controlo formal imposto ao operador que recebe a factura será sempre analisado na justa medida daquilo que lhe for exigível: por exemplo, se o operador compra a X mas na factura consta o nome de Y, é-lhe razoável e compreensivelmente exigível que este recuse a dita factura e ordene a sua regularização - ou pelo menos que indague qual a razão da divergência -; contudo, se da factura consta o nome da pessoa ou da empresa com que o contribuinte se relacionou efectivamente, e se essa pessoa ou empresa, antes da emissão da factura, exerceu a actividade contratada nos termos em que qualquer outra o faria, naturalmente que o operador que recebe a factura - porque há-de estar, em princípio, de boa fé - não tem por que suspeitar da conduta do emitente da factura.

  6. A análise da norma do n.° 2 do artigo 19° do CIVA, feita desta forma, mais não é do que o reflexo de uma opção legislativa feita com base no critério clássico do bonus pater familiae, aprimorado com uma visão circunstanciada dos factos.

  7. Assim sendo, ao ora Recorrente não seria exigível, à luz dos factos conhecidos e do que verdadeiramente impõe a lei, que este, abstraindo-se dos termos concretos das relações estabelecidas, fosse - qual detective - investigar a situação tributária dos emitentes das facturas em causa. Até porque, valha a verdade, à data dos factos semelhante investigação estaria seguramente votada ao fracasso, tendo em conta as regras do segredo fiscal e a ausência de qualquer base de dados com base na qual essa indagação pudesse ser feita.

    I. Pelo que não pode o Recorrente suportar uma tão forte sanção negativa, ou seja, ver-lhe negado o direito á dedução do imposto efectivamente suportado.

  8. É a própria jurisprudência dos nossos Tribunais superiores que afirma que “A imputação de um juízo de censura a determinado comportamento é baseada num critério abstracto: o grau de exigibilidade de padrões de conduta colocados a um cidadão medianamente diligente, dentro dos condicionalismos da situação em apreço...” (RC, 15-7-2001: CJ/STJ, 2001, 2.º - 166).

  9. No caso concreto, não restam dúvidas de que o Recorrente cumpriu a função de controlo que lhe está confiada por lei.

    L. As facturas contestadas correspondem a efectivas transacções que, de facto, tiveram lugar. Os serviços nelas descritos foram efectivamente prestados, os preços que delas constam foram os preços efectivamente praticados e o IVA nelas inscrito foi efectivamente entregue aos emissores das facturas. Não estamos, pois, nem sequer na opinião da Administração fiscal, perante um problema de facturas falsas, de operações simuladas ou de preços simulados.

  10. No que concerne à questão das descrições dos serviços prestados constantes das facturas em crise, deve concluir-se que as mesmas são até mais específicas do que o que é comum e aceitável no sector da construção, dada, desde logo, a natureza relativamente indiferenciada dos serviços nele prestados e o nível médio de instrução da maior parte dos agentes que nele participam (principalmente os sub-fornecedores de mão-de-obra como os de que no presente processo se trata), que, aliás, apresentam habitualmente - porque a sua actividade não requer a situação contrária - uma “estrutura administrativa” bastante rudimentar (sem que daí se possa automaticamente retirar a ilegalidade dos seus procedimentos).

  11. Da lei em vigor à data dos factos apenas resulta que as facturas devem mencionar a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, especificando os elementos necessários à determinação da taxa aplicável. As disposições aplicáveis não impõem, pois, a necessidade de descrever as transacções de forma mais detalhada do que a adoptada no presente caso. No sector da construção civil, ninguém desconhece o que significa “assentamento de litocer” ou “serviço final de pedreiro”, nem nenhuma dúvida se levanta a respeito da taxa aplicável a tais serviços.

  12. Conclui-se, pois, da análise do então artigo 35º do Código do IVA, que as facturas em causa obedecem a todos os requisitos legais, pelo que não se lhes pode apontar qualquer irregularidade que afaste o direito do seu destinatário a deduzir o imposto efectivamente suportado e entregue ao emissor.

  13. Refutada em absoluto a possibilidade de a Administração fiscal mobilizar aqui, em concreto, o n.° 2 do art. 19.º do CIVA, por as facturas em causa cumprirem os requisitos do ar. 35.º do CIVA, resta hipotizar - num salto argumentativo que embora lógico não encontra acolhimento na fundamentação aduzida pela Administração fiscal - a aplicabilidade do regime de responsabilidade solidária à Recorrente na qualidade de adquirente dos serviços - ponderação pela qual se enfatiza a desconformidade legal da correcção operada pela Administração fiscal e se apontar para aqueles que, na acepção de veracidade das alegações que produz - respeitantes apenas, ressalte-se, à actividade e modo de operacionalização da mesma por parte dos fornecedores da ora Recorrente -, seriam os legítimos sujeitos dos actos de liquidação impugnados.

  14. É que, uma vez afastado o cenário da simulação das operações, do que se fez cabal demonstração e fará adequada prova, à Administração fiscal abrir-se-iam duas alternativas naturais exigir aos fornecedores dos bens o pagamento do imposto relativo às operações tituladas pelas facturas objecto de inspecção e por estes não entregue nos cofres do Estado; ou exigi-lo ao adquirente, aqui Recorrente, imputando-lhe a responsabilidade solidária a que alude o n.° 1 do art. 79.º do CIVA.

  15. Nos termos desta disposição, o adquirente dos bens ou serviços tributáveis que seja um sujeito passivo “…é solidariamente responsável com o fornecedor pelo pagamento do imposto, quando a factura ou documento equivalente (...) contenha uma indicação inexacta quanto ao nome ou endereço das partes intervenientes; á natureza ou á quantidade dos bens transmitidos ou serviços fornecidos, ao preço ou ao montante de imposto devido.”.

  16. Sendo esta última a alternativa perseguida pela Administração fiscal, sempre seria de lhe impor o reconhecimento, nos termos do n.° 2 daquele preceito, da prova inibitória da aplicação daquele regime: a de que o adquirente ou destinatário pagou “... ao seu fornecedor, devidamente identificado, todo ou parte do imposto devido Ora, no caso concreto, é evidente esse pagamento. Percebe-se, pois, por que razão terá sido este um caminho não percorrido e abandonado pela Administração fiscal.

  17. Uma vez impossibilitado (ou simplesmente dificultado) o acesso aos sujeitos passivos emitentes das facturas desconsideradas, a quem, com toda a propriedade, caberia a obrigação de pagamento do imposto que lhe havia sido entregue pelo adquirente dos serviços que haviam prestado, e perante quem, legitimamente, poderia a Administração fiscal apresentar-se a liquidá-lo, acrescido dos juros e coimas devidas, ela entendeu então poder prevalecer-se das condições e restrições admitidas em relação ao exercício do direito à dedução, para o limitar na esfera da Recorrente.

  18. Ao fazê-lo, a Administração fiscal retira ao IVA a neutralidade que o define e nega ao sistema comum deste imposto o seu pressuposto e elemento central.

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as demais consequências...

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